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GEHL (2013) E A CIDADE PARA PESSOAS

No documento PENSAR, CONSTRUIR E VIVER A CIDADE (páginas 173-179)

TEORIA E MÉTODO

CAPÍTULO 3 – VIVER A CIDADE

3.2. GEHL (2013) E A CIDADE PARA PESSOAS

Gehl (2013) foi muito conveniente ao nomear seu trabalho em Cidades Para Pessoas. Sua obra discorre da observação da cidade a partir da escala humana, através das suas ruas, praças e parques, valorizando os espaços públicos e aliando conceitos de sustentabilidade, através do diálogo entre o ambiente urbano e o natural. Suas análises e princípios contribuem e complementam ao mesmo tempo os estudos de Speck (2012), a

respeito dos 10 passos para a cidade caminhável e na procura de um conceito de cidade que queremos para viver.

O autor subdivide seu trabalho em algumas partes e, a seguir, são relatados alguns pontos importantes que serão relevantes ao se propor as diretrizes, no final desse capítulo.

1. A Dimensão Humana

Nesse trecho do trabalho, o autor lembra que Jacobs (2011) já assinalava em 1961 que o aumento do tráfego de automóveis e a ideologia modernista, através do seu zoneamento e destacando edifícios individuais autônomos, colocariam fim ao espaço urbano e à vida da cidade, com consequente esvaziamento humano desses locais.

O autor destaca que se deve, portanto, considerar a dimensão humana a fins de um novo planejamento, procurando-se cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis. É reconhecido ainda a importância de se caminhar pela cidade e transformá-la em lugar de encontro e dar às atividades necessárias e opcionais, que os habitantes têm que desenvolver nas cidades, condições atrativas e confortáveis, convidando os moradores a uma vida urbana versátil e diversificada. O autor enfatiza que a maior atração da cidade são as pessoas, portanto a cidade deve ser encarada como lugar de encontro do ponto de vista social.

Entretanto, o que observamos na área em estudo, por exemplo, a região do Bairro Gávea Sul, onde estão implantados diversos empreendimento da empresa MRV, conforme já descrito no segundo Capítulo, são grandes lotes e avenidas que compõem espaços abertos, não convidativos à caminhada, propiciando espaços vazios, pouco atrativos e nada confortáveis.

Nesse sentido, os empreendimentos devem prever alternativas para reverter ou evitar esse tipo de impacto no meio ambiente urbano. Uma forma de interferir nesse processo é a legislação urbanística local não permitir muros diretamente para as vias públicas e que esses empreendimentos predominantemente fechados se tornem mistos na forma de criar lotes externos e uma diversidade de uso que minimize o impacto do esvaziamento fora dos muros. Podem-se criar lotes comerciais, espaços públicos dotados de equipamentos que gerem atratividade às pessoas. A legislação também pode prever a utilização de gradis, ao invés de muros, permitindo uma permeabilidade visual que minimize os impactos dessas estruturas na cidade.

2. Os Sentidos e a Escala

O autor destaca as relações entre os sentidos humanos (visão, audição, olfato, tato e paladar) e as relações de escala, através da distância, do contato físico, da observação dos eventos, da emoção e das experiências de modo geral. Estabelece como o espaço urbano pode influenciar positiva ou negativamente, através da sua escala, a atratividade do espaço público urbano. Ele nota inclusive que os carros e o tráfego estabeleceram uma confusão entre as escalas e as dimensões da cidade, criando o que denomina de escala fragmentada.

O corpo humano, seus sentidos e mobilidade são a chave do bom planejamento urbano para todos. Todas as respostas estão aí, encapsuladas em nosso corpo. O desafio é construir cidades esplêndidas ao nível dos olhos, com grandes edifícios erguendo-se acima de belos andares inferiores (GEHL, 2013, p. 59). Neste sentido, a área em estudo destaca diversos pontos que não são atrativos ao pedestre, estabelecendo relações desapropriadas entre os sentidos e a escala humana. Podemos notar, por exemplo ao longo da Avenida Nicomedes Alves dos Santos (Imagem 28, página 175), ausência de calçadas em diversos trechos e consequente falta de atratividade ao pedestre, devido à infraestrutura precária que privilegie a caminhada e às grandes distâncias entre as estruturas de apoio existentes como o comércio, equipamentos públicos, faculdades etc. Dessa forma, se estabelece uma relação de deslocamento quase que exclusiva através dos veículos individuais.

Um plano municipal de calçadas pode melhorar essa problemática observada na região em estudo. O poder público municipal pode elaborar esse trabalho e exigir dos proprietários de lotes não ocupados ou áreas não parceladas que executem essa infraestrutura, já prevista em lei. Obviamente, as estruturas urbanas também devem exercer atratividade às pessoas, mas a presença das calçadas e de outras infraestruturas como ciclovias/ciclofaixas pode reverter esse processo que se observa através da ausência de pedestres circulando na região da Avenida Nicomedes Alves dos Santos e da Avenida Vinhedos.

Imagem 28: Avenida Nicomedes Alves dos Santos próximo ao cruzamento com a Avenida Vinhedos – Uberlândia, MG.

Fonte: http://www.panoramio.com/photo/59895449. Acessado em 10/08/2014.

Junto a esse processo de estruturação das calçadas, a legislação também deve permitir na região a diversificação dos usos que pode atrair os pedestres. O que tem acontecido é um zoneamento excessivamente restritivo, que não permite a mistura de usos nessa região. Ao contrário de outras áreas do Setor Sul, como a região dos bairros São Jorge e do próprio Shopping Park que possuem vitalidade e diversidade de usos que permitem que a população local utilize das ruas e calçadas para acessar comércios locais e equipamentos públicos próximos e oferecem a alternativa do uso do transporte público e do automóvel para deslocamentos maiores.

Obviamente, essa mudança de legislação de uso do solo e zoneamento deve ser feita mediante estudos aprofundados, consultando a população interessada e também os técnicos da área do planejamento urbano, a fim de privilegiar o interesse coletivo ao interesse particular, visto muitas vezes nas alterações da legislação municipal.

A Cidade Viva para Gehl (2013) se estabelece através de uma vida urbana variada e complexa, onde ocorre a combinação de atividades sociais e de lazer, permitindo espaço para a circulação tanto de pedestres quanto de veículos. O autor destaca o perigo das adjetivações, e deve-se, portanto, priorizar espaços qualitativamente vivos, não necessariamente quantitativamente cheios, para se estabelecer boas relações de vida do espaço urbano.

A Cidade Segura é uma busca essencial para que as pessoas abracem o espaço urbano. O autor destaca duas perspectivas de segurança para o espaço urbano, a segurança no tráfego e a prevenção à criminalidade. Ambas com objetivo de tornar a cidade mais convidativa.

A Cidade Sustentável aborda um conceito muito amplo que é o da sustentabilidade. Entretanto, o autor destaca a importância do transporte, pois ele é responsável por grande parte das emissões de carbono. Dessa forma, a priorização do pedestre e das bicicletas atingiria de forma expressiva as políticas de sustentabilidade urbana.

O autor destaca, ainda, a problemática da saúde pública e do número de crianças obesas nos Estados Unidos. E a Cidade Saudável deve buscar contribuir com a melhoria desses parâmetros, contribuindo para o exercício físico como parte da rotina diária das pessoas nas cidades, como a caminhada e o uso da bicicleta.

A legislação municipal prevê desde o ano de 2010, através da Lei Complementar 10.686 de 20 de Dezembro de 2010, que estabelece as Diretrizes para o Sistema Viário do município, que as vias Estruturais, Arteriais e Coletoras possuam ciclovias de no mínimo três metros de largura. Todos os novos loteamentos do Setor Sul de Uberlândia e de toda a cidade, aprovados após a data de publicação dessa lei, já contemplam ciclovias. O problema é, portanto, conectar essas novas ciclovias e interligá-las, por exemplo às faixas destinadas às bicicletas existentes na Avenida Rondon Pacheco e no Parque Linear do Rio Uberabinha, permitindo uma mobilidade efetiva através da bicicleta.

Da forma que estas novas ciclovias estão estabelecidas, não contribui para a conectividade ou mobilidade das pessoas através da bicicleta. É urgente, portanto, repensar a estruturação de um plano cicloviário para a região sul, que conecte entre si as centralidades existentes e que estão surgindo, e ainda que conecte essas centralidades a outras regiões da cidade, formulando uma alternativa para a mobilidade das pessoas.

Essa mudança pode estabelecer não apenas uma alternativa ao uso do automóvel ou do transporte público, como também se tornar opção de lazer e prática de exercícios físicos, permitindo retorno do pedestre às ruas do Setor Sul e da cidade como um todo. Voltaremos a tratar da questão das ciclovias nos próximos itens quando tratarmos dos passos da cidade caminhável estabelecidos por Speck (2012).

Encontramos problemas na região em estudo, com relação a esses quatro quesitos. Quanto à vitalidade da região, com exceção da centralidade estabelecida pela região do bairro São Jorge e adjacências, onde há uma diversidade de usos entre comércio e moradia, permitindo vitalidade e uma nova centralidade que vem se estabelecendo no Bairro Shopping Park, as grandes distâncias observadas entre os empreendimentos e a baixa qualidade de locomoção do pedestre contribuem para caracterizar a região como pouco propícia à caminhabilidade.

Com relação à segurança pública, é sabido dessa problemática nos países da América Latina. Justifica inclusive a construção de espaços fechados como shoppingcenters e loteamentos fechados devido à sensação de insegurança da população das cidades, inclusive da área em estudo. E quanto à segurança do pedestre, o privilegio ao transporte individual, a abertura de vias de transito rápido e falta de alternativas de proteção ao pedestre não contribuem para uma cidade convidativa.

Quanto à sustentabilidade, do ponto de vista do autor, no setor sul da cidade observamos a utilização principal do transporte individual em contraponto ao uso do transporte coletivo, contribuindo para emissão de gases poluentes. E quanto à saúde pública, a ausência de ciclovias / ciclofaixas ou espaços propícios para a caminhada não contribuem para uma vida saudável dos cidadãos.

4. A Cidade ao Nível dos Olhos

Gehl (2013) defende que a luta pela qualidade se dá na pequena escala. Para isso devemos priorizar as cidades para os pedestres caminharem, através de sua escala. Ele define, ainda, que a maioria dos centros urbanos mede um quilômetro quadrado, permitindo aos pedestres alcançar todas suas atividades urbanas andando um quilômetro ou menos.

A cidade deve propiciar ainda espaços para permanecer e encontrar pessoas. Isso significa mobiliário urbano e equipamentos que permitam as pessoas a pararem, descansarem e apreciarem o espaço urbano e que o contato visual e a boa comunicação

entre as pessoas geram espaços democráticos em todos os níveis, propiciando o encontro. O autor diz que uma boa cidade é como uma boa festa, os convidados ficam porque estão se divertindo (GEHL, 2013, p. 147).

Deve ser considerado ainda o clima do local, construindo um microclima que busque conforto e proteção das intempéries aos usuários. Deve-se também utilizar do transporte através de bicicletas e sua integração aos demais modais de transporte público, segurança e conforto para estabelecer uma cultura da bicicleta em contraponto à cultura do carro. A política ciclística deve ser encarada como estratégia para o desenvolvimento e sustentabilidade.

Através desses pontos, o autor estabelece o que ele denomina de Caixa de Ferramenta, que será utilizada como uma metodologia na elaboração das diretrizes no final desse Capítulo, como princípios de planejamento.

3.3. SPECK (2012) E A CIDADA CAMINHÁVEL

No documento PENSAR, CONSTRUIR E VIVER A CIDADE (páginas 173-179)