• Nenhum resultado encontrado

Os jornalistas, como "incansáveis voyeurs" (TALESE, 2000, p. 5), encontraram, na vida do general Boulanger, astúcia, conspiração, euforia e tristeza que o estavam sempre rondando e o atraindo para fora do suposto curso de normalidade. Uma trajetória digna de trama romanesca, carregada de peripécias e repleta do que hoje se denomina elemento básico da cultura jornalística: os valores- notícias. Qualidades que se relacionam com o insólito, o extraordinário, o catastrófico, a guerra, a violência, a morte e a celebridade (TRAQUINA, 2013).

Le Figaro, em 8 de janeiro de 1886, trazia o anúncio do novo ministério do então presidente da república, M. Freycinet. O período em que Freycinet esteve na presidência do país foi marcado pela tensão política que teve como pivô o movimento identificado pelo nome do próprio general. O boulangismo durou cerca de três anos (1886-1889), agitando profundamente a França e colocando em xeque suas instituições. O general Boulanger valeu-se da conjuntura para dar vazão a suas ambições, saindo como herói para alguns e como vítima para outros.

A reflexão de Marc Angenot30 (2013) sobre o movimento boulangista contém a

ressalva de que este não foi um partido na concepção moderna, nem mesmo uma concentração de grupos amparados por determinada doutrina ou conjunto de princípios, como foram os republicanos ‘parlamentaristas’. Segundo ele, tal movimento foi uma frágil coalizão de forças heterogêneas e de personalidades diversas em torno de uma espécie de programa moralizante, uma coalizão que se forjou por intermédio de enorme propaganda, construtora da imagem de um chefe de Estado que prometia uma república honesta.

 Portrait de um Ministro

Oriundo do meio burguês, Georges Ernest Jean-Marie Boulanger nasceu em 29 de abril de 1837, na cidade de Rennes, Bretanha. Neto de um pequeno fabricante de chapéus, filho de um advogado, que lhe deixara como herança sessenta mil francos de dívidas, Boulanger precocemente começou a ter ambições. Aos cinco anos de idade, escreveu a seu pai: "[...] eu espero que tu me vejas com a croix de

30 Marc Angenot, «Chapitre 33. La propagande boulangiste», Médias 19 [En ligne], Publications, 1889. Un état du discours social, I. Champ politique, mis à jour le : 08/05/2013, URL :

l'honneur e a patente de marechal de France [...]”31 (apud DANSETTE, 1946, p. 20).

Com menos de trinta e cinco anos de idade, já tendo passado por quatro campanhas, sofrido seis ferimentos, obtido o posto de coronel e sob a insígnia de comandante, Boulanger era, conforme Dansette (1946), um admirável soldado, brilhantemente recompensado. Devido a essa trajetória de êxito, outra janela abriu- se para sua carreira: a política.

Segundo Le Figaro, 8 de janeiro de 1886, Boulanger era jovem para ser general e mais ainda para ser ministro da guerra. Com quarenta e nove anos, teria idade para ser subtenente ou capitão-tenente. De estatura média, com uma tez naturalmente rósea, mas bronzeada pelo sol da Itália, da Argélia e da Tunísia, de aspecto ágil, o general era um breton.

A carreira militar do general foi construída de forma rápida e merecida, consequência de suas realizações nas forças armadas, muitas pagas com o próprio sangue. Em Turbino32, como subtenente de ‘turcos’, o general foi ferido, pela primeira vez, sobrevivendo a um tiro no abdome. O episódio foi dramatizado pelos jornais, os quais contavam que, com força apenas para arrastar-se a uma vala, ali permanecera por muitas horas, dormindo ao lado do tirolês que, quase à queima- roupa, o acertara com um bom golpe de fuzil. Na guerra de 1870, franco-prussiana, o general, já era capitão-instrutor à Saint-Cyr e cavaleiro da Légion d’Honneur33. A

paz o reencontrou coronel. A Comissão de Grades o reintegrou, mais tarde, como tenente-coronel e comandante da Légion d’Honneur.

Responsável pela modernização das forças armadas, revelou-se um oficial eficiente e ambicioso, ávido de progresso, e, desta forma, tornou-se ministro da guerra, em 188634 (Le Nouveau Ministére, 1886). Sem nada reclamar de seu destino

ou de seus superiores, serviu à França e a três regimes diferentes com zelo, porém

31 "j'espère que tu me verras avec la croix de l'honneur et les éppaulettes de marechal de France [...]" (apud DANSETTE, 1946, p. 20).

32Turbigo é uma comuna italiana da cidade metropolitana de Milão, na Lombardia. Por ocasião da campanha da Itália de 1859, em Turbigo, na véspera da batalha de Magenta, as tropas francesas passaram o Tessin sobre uma ponte de embarcações de 180 metros, depois de a ponte de Boffalora sobre Ticino ter sido destruída pelos austríacos.

33 A ordem nacional da Legião de Honra é a instituição que, sob a proteção do grande chanceler e do grande mestre, está encarregada de atribuir a mais alta condecoração honorífica francesa. Instituída por Napoleão Bonaparte, no dia 19 de março de 1802, desde suas origens recompensa militares e civis, que prestaram serviços eminentes à Nação.

não sem recompensa: o Império, a Assembleia Nacional inclinada à restauração da monarquia e, ao fim, a república dos republicanos.

Devido a suas alianças, as quais eram amplas, de Gambetta ao duque d'Aumale, o general foi sucessivamente: coronel, em Besançon; encarregado da brigada em Valência; diretor da infantaria no ministério, do qual se tornaria chefe; comandante das forças armadas de ocupação na Tunísia. Em todas essas oportunidades, destacou-se por suas qualidades militares e também revelou outras qualidades como a da diplomacia. Boulanger viajou, como chefe da missão francesa, aos Estados Unidos, para as comemorações do centenário da York- Town35. Mostrou-se como um soldado a serviço de seu país, sem muito se

preocupar com quem o governava.

O General deixou o Ministério da Guerra, em maio de 1887 e candidatou-se às eleições parciais, obtendo cerca de 55.000 votos. No ano seguinte, foi posto em disponibilidade e, na sequência, reformado pelas forças armadas. Boulanger, em julho de 1888, foi derrotado nas eleições de Ardène, mas, um mês depois, conquistou uma cadeira no parlamento por Charente-Inférieure. Em janeiro de 1889, Boulanger apresentou-se à eleição em Paris. Em março, ocorreu sua primeira partida para Bruxelas e, em abril, sua fuga de Paris. Em agosto, do mesmo ano, Boulanger foi condenado por conspiração e traição contra o Estado pela Alta Corte (DANSETTE, 1946).

 O desfecho romanesco de Boulanger

A primeira página do Le Figaro de 1º de outubro de 1891 trazia a notícia do suicídio de Boulanger. Em uma matéria contextualizada, o periódico apresentou testemunhos sobre os últimos momentos do general Boulanger e a repercussão de sua morte entre seus aliados (Le suicide du Général Boulanger, 1891).

A matéria iniciava com uma reflexão sobre a forma que o general escolhera para pôr fim à sua vida. O suicídio, segundo o jornal, pode ser visto sob a ótica cristã ou filosófica, restando, do ponto de vista humano, conforme análise do jornalista,

35A Batalha de York Town ocorreu em 1781, durante a Guerra de Independência dos Estados Unidos,

entre 26 de setembro e 19 de outubro de 1781. Nessa batalha, forças rebeldes dos Estados Unidos foram apoiadas pelos franceses. Seus principais comandantes foram George Washington e Marquês de La Fayette, pelos americanos, e Lorde Cornwallis pelos ingleses. Disponível:

https://guerras.brasilescola.uol.com.br/seculo-xvi-xix/guerra-independencia-dos-estados-unidos.htm. Acessado em:01/06/2018.

uma clara evidência: a falta de expectativa. Continuava o redator: para Boulanger, que estava no exílio, abandonado e sem esperança de recompor-se em sua carreira política e, sobretudo, sofrendo pela perda de seu grande amor, Mme de Bonnemains, o suicídio talvez fosse o único desfecho possível.

Correspondendo aos dramáticos apelos burgueses, o jornal fez uma espécie de idealização da esposa do general. De acordo com o periódico, apesar da traição de seu marido, ela o perdoou e se dispôs a fazer-lhe companhia no exílio.

Há uma mulher de luto (um luto que remonta há vários anos já), é em direção a ela que se voltarão, ternamente e respeitosamente, todos os olhares. É a mulher do general. Flagelada em seu orgulho de mulher, esposa, mãe, ela se recolheu em retiro, a Versalhes, com sua filha mais velha, afastada do mundo, fugindo dos barulhos e das maldades da multidão, calma, digna, santa, contornando, pela prece, todas as vexações36. (Le suicide du Général Boulanger, 1891)

Com intuito de emocionar fortemente seu leitor, Le Figaro apresentou detalhes do que se passara, em 30 de setembro, por volta 13h15min, no cemitério de Bruxelas. São testemunhos de pessoas que provavelmente assistiram aos últimos movimentos do general e que tentaram socorrê-lo:

Quatro operários que trabalhavam no cemitério viram, em torno das onze horas e meia, entrar o general Boulanger. O general dirigiu-se ao túmulo de Madame de Bonnemains. Ao meio-dia e quinze, eles ouviram uma detonação.

Eles correram imediatamente e constataram que o general Boulanger acabava de se dar um tiro de revólver na cabeça. A bala entrou na cabeça e atravessou o crânio. O diretor do cemitério, avisado imediatamente, retirou a arma da mão crispada do suicida37. (Le suicide du Général Boulanger, 1891)

Este fim quase romanesco completa a lenda do bravo general, lenda que ele mesmo alimentou, por meio da idealização da própria existência, no imaginário popular. Problemas não lhe faltaram, nem mesmo naquilo que se pode chamar de

36 Il y a une femme en deuil (un deuil qui remonte à plusieurs années déjà) vers laquelle se

tourneront, attendris et respectueux, tous les regards. C'est la femme du général. Flagellée dans son orgueil de femme, d'épouse, de mère, elle s'est ensevelie dans la retraite, à Versailles, avec sa fille aînée, écartée du monde, fuyant les bruits et les méchancetés de la foule, calme, digne, sainte, détournant toutes les avanies par la prière. Idem

37 […] heures et demie environ, entrer le général Boulanger. Le général se dirigea vers la tombe de Mme do Bonnemains. A midi un quart, ils entendirent une détonation. Ils accoururent immédiatement et constatèrent que le général Boulanger venait de se tirer un coup de revolver dans la tête. La balle est entrée dans la tempe et a traversé le crâne. Le directeur du cimetière, prévenu immédiatement, a retiré l'arme de la main crispée du suicidé. Disponível em:

sua última liturgia: "[...] acredita-se que a cerimônia [...] das honras fúnebres encontrará algumas dificuldades: o clero belga recusa a entrada à igreja de corpos suicidas38" (Le suicide du Général Boulanger, 1891). Tudo parece ser teatral. O belo

general, embalado pelas canções de Paulus, com seu cavalo preto e seu chapéu de plumas brancas, agora está morto por amor, não sem antes ter sacrificado sua ambição, sua própria vida por uma mulher. Essa forte imagem sobreviveu na memória de milhares de franceses e na história do jornalismo ilustrado (Figura 1).

Figura 1: O suicídio do General Boulanger  A Coalisão Boulangista

Os grandes nomes da coalisão boulangista foram Maurice Barrés, Charles Maurras e Édouard Drumont. Essa frente reuniu blanquistes e communards, ligados ao nacionalismo, sindicalistas ‘jaunes’ e também sindicalistas revolucionários, homens da luta social, do movimento socialista ou da terra livre, aqueles que foram

38 On dit que la cérémonie […] des obsèques rencontrera quelques difficultés : le clergé belge refuse l'entrée à l'église pour les corps des suicidés. Idem.

um dia guesdistas (Jules Bazile Guesde, marxista francês, 1845-1922), membros da esquerda republicana, convertidos ao boulangismo ou ao antissemitismo (STERNHELL, 1972).

O boulangismo, segundo Barrès, é um instante da tradição francesa: "[...] é uma construção espontânea que a malevolência de um partido botou abaixo [...]" (1900, p. IX). Um momento complexo da história da França que não pode ser explicado por uma simples conjuntura ou por uma série de coincidências (STERNHELL, 1972).

Os setores conservadores hesitaram, por algum tempo, em dar sustentação ao general Boulanger, porque ele fora ministro da guerra, em 1886, graças à interferência de Georges Clemenceau, e era apoiado por radicais de esquerda. Contudo, ao se depararem com seu sucesso massivo e também com a falta de controle dos republicanos em relação ao general Boulanger, aos poucos os conservadores foram percebendo que ele se apresentava como uma real possibilidade de revanche (DANSETTE, 1946).

Assim, conferiram ao general o papel de intérprete e vingador de todos aqueles que gritaram contra os republicanos. Este apoio implicou subvenções financeiras e disponibilidade de espaço em seus jornais: "Boulanger é o homem que poderá alargar a brecha pela qual os conservadores poderão conquistar a República39" (CARASSO, 2002, p. 111) (Figura 2)

Os católicos não tinham por Boulanger, por não ser ele um dos seus, grande admiração. Isto, no entanto, não significou muito, pois, assim como os monarquistas, ao fim somaram-se ao general que prometia um poder com punho firme, como o que está na mão de Deus. O Conde de Paris, tal qual Arthur Meyer, diretor do mais influente quotidiano aristocrático, Le Gaulois, seguiu o caminho do boulangismo. Verdadeiramente acreditavam que Boulanger era o instrumento que poderia conduzir ao fracasso da república e por esta razão perguntavam-se: como não aplaudir o boulangismo? Arthur Meyer o definiu como uma aspiração vaga e mística de uma nação que unificava todos os descontentes, todos os deserdados, todos os

39 “Boulanger est l’homme qui pourra élargir la brèche par laquelle les conservateurs pourront conquérir la République [...]. (CARASSO, 2002, p. 111)

vencidos40. Há lugar para os monarquistas neste desconhecido e ambíguo espaço

político. É assim que estes se somam aos esforços do movimento boulangista.

Figura 2: Coalisão Boulangista41  O processo e o uso da imagem

O desempenho do general Boulanger no Ministério da Guerra resultou em processo na Alta Corte de Justiça, o procurador-geral Jules Quesnay de Beaurepaire (1837-1923) coordenou os trabalhos de acusação. Esse processo condenou Boulanger e o levou ao exílio. Entre os delitos imputados ao general estava o de autopromoção. Ele teria feito uso impróprio de suas funções, beneficiando-se com publicidade pessoal, parcialmente financiada com recursos do Estado locados em seu ministério. Encontravam-se no dossiê várias denúncias. A não observação do critério da impessoalidade (Figura 3), na divulgação de seus atos, pesou sobre o general.

40Marc Angenot, «Chapitre 33. La propagande boulangiste», Médias 19 [En ligne], Publications, 1889. Un état du discours social, I. Champ politique, mis à jour le : 08/05/2013, URL :

http://www.medias19.org/index.php?id=12316. 41 Disponível em:

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Boulanger_d%C3%A9masque_ses_batteries.jpg. Acessaado em: 26/112019.

Figura 3: Material de publicidade da coalisão Boulangista42

O frequente uso de fotografias e gravuras com o objetivo de suscitar a admiração pela pessoa do ministro da guerra constituía, para a procuradoria, um grave delito. O Tribunal citou dois cromos impressos na Alemanha, em outubro de 1888. Um retratava o general a cavalo, em meio a uma batalha, o outro apresentava apenas seu busto.

(…) todos estes retratos, enviados na França, tinham por objetivo chegar ao resultado final, isto é, não à difusão das luzes, mas dos traços do general e eram destinados, sem dúvida, a produzir manifestações que deviam conduzir fatalmente a um plebiscito43. (LE PROCÈS BOULANGER, 1889)

42 Disponível em : https://www.histoire-image.org/fr/etudes/boulangisme. Acesso em: 2009/2019.

43 […] tous ces portrais, envoyés en France, avaient pour but d'arriver au résultat final, c'est-à-dire, non pas à la diffusion des lumières, mais des traits du général et étaient destiné sans doute à produire des manifestations que devaient conduire fatalement à un plébiscite. (LE PROCÈS BOULANGER, 1889)

A condenação justificava-se, para os procuradores, pelo caráter belicoso das imagens que alimentavam ou fomentavam a veneração dos franceses por Boulanger, assim como os incitavam à insubordinação. De sua nomeação ao Ministério da Guerra até a campanha eleitoral de 1888, os retratos fotográficos do ‘bravo general’ foram fartamente vendidos e divulgados, principalmente nas forças armadas, que portavam um sentimento ardente de revanche (TILLER, 1997).

Popularidade de Boulanger e os jornais

O boulangismo gastou vários milhões em propaganda, somente em 1889, o que exigiu somas vultosas. A propaganda boulangista popularizou o general e pautou os principais jornais franceses. Dansette (1946), em sua obra Le Boulangisme, apresenta um quadro evolutivo da imprensa em relação a Boulanger. O autor sintetiza, através de exemplos que julga típicos e simbólicos, principais tendências políticas e seus respectivos jornais.

Jornais Fevereiro (1886) Início do Ministério Maio (1887) Queda de Goblet Maio (1888) Início da campanha plebiscitária Janeiro (1889) Eleições de Paris La République Française

(Oportunista) A favor Contra Contra Contra

La Justice

(Radical) A favor A favor Contra Contra

L'Intransigeant

(Radical – Socialista) A favor A favor A favor A favor Le Pays

(Imperialista) Contra Contra A favor A favor

Le Figaro

(Conservador) Contra Contra Contra Benevolente

Le Gaulois

(Realista Contra Contra A favor A favor

Le Soleil

(Orleanista) Contra Contra Reservado A favor

Le Moniteur Universel

Oportunistas rapidamente se tornaram hostis; radicais, de início inteiramente favoráveis, depois divididos; bonapartistas, favoráveis, a partir da campanha plebiscitária; realistas, divididos: os deputados, favoráveis, em função de sua popularidade, desde a campanha plebiscitária (Le Gaulois); os doutrinários orleanistas resignam-se com dificuldade na adesão (Le Soléil, Le Moniteur Universel).

 A influência americana sobre Boulanger

Boulanger retornou dos EUA impressionado, acompanhado por Arthur Dillon, seu colega à Saint-Cyr. Ambos haviam ficado admirados com os métodos americanos de publicidade e de campanha eleitoral. Dillon, depois de deixar as forças armadas, fez fortuna com a indústria de cabos submarinos para telégrafo, tornando-se o principal arrecadador de fundos para o movimento. No Ministério da Guerra, o general instituiu o departamento de imprensa, sendo o primeiro a cultivar relações regulares com os jornalistas e a mantê-los informados sobre seus deslocamentos, escreveu Jean-Pierre Rissoan (2017), (Figura 4).

Rissoan (2017) destaca o pioneirismo do general Boulanger por manter relações permanentes com a imprensa. São muitos os indícios de sua estratégia midiática, com o objetivo de construir sua imagem pública, de homem dinâmico. Em pouco tempo, Boulanger surgiu como uma espécie de herói, um procurador dos descontentes; a corporificação de um sentimento de honra nacional, carregando em si a coragem necessária para defender a pátria. Boulanger encarnava o papel de general Revanche. Explica o jornalista Philippe de Grandlieu44: o ex-ministro

compreendia que a França humilhada tinha desejo de um príncipe ou, pelo menos, de um soldado e que ele, ao julgar que a nação gostava de penacho, colocou-se a agitar o seu diante da multidão.

A opinião pública era seduzida por aspectos abstratos como a força, a valentia e a glória militar, O movimento boulangista ou a crise boulangista apresentava-se na personificação de Boulanger. Para isso, o corpo do general ovacionado não era um elemento sem importância, ele era a materialidade de um

44 Il a compris que la France humiliée avait soif d’un prince ou tout au moins d’un soldat ; et puisque la nation aime le panache, il s’est mis à agiter le sien devant la foule… !" Disponível em:

conjunto de anseios. A imprensa o descreveu, segundo Bertrand Tillier (1997), como um homem sadio, em pleno vigor da idade, magnífico e poderoso. Dentro da estratégia de comunicação, a imagem do general ganhava espaço, seu corpo, em linguagem direta, era uma mensagem, um meio eficaz de publicidade. O que significa dizer: um meio de gerar a ilusão de um salvador: "[...] uma nação vencida, descontente, desanimada" que "se entrega a um grito de esperança. Boulanger era o Messias”45 (DANSETTE, 1946, p. 145).

Figura 4: Boulanger e suas relações com a imprensa46

45 "une nation vaincue, mécontente, écoeurée, […] elle se donne en un cri d'espoirs. Boulanger était le

Messie".

Propaganda boulangista: uma construção performática

A popularidade de Boulanger era inegável. Em proporção gigantesca, multiplicavam-se seus retratos fotográficos (o general em meio primeiro plano47 e em

plano médio, em pé ou sobre seu cavalo), todos revelavam uma postura majestática, gloriosa ou triunfante. Estas imagens eram vendidas por fotógrafos e impressores que agitavam um comércio paralelo não institucional do movimento boulangista. A verdadeira campanha de Boulanger, contudo, começou após sua demissão do Ministério da Guerra (1887). Ele deixou o ministério gozando de imensa popularidade. Seus dois desafios eram consolidar a base antecipadamente conquistada e ampliar sua rede de apoio.

A aceitação de Boulanger, ao que tudo indica, foi cuidadosamente construída. Com grande astúcia propagou-se o nome de Boulanger, sendo utilizadas para isso ferramentas extremante originais, à época e para os franceses. No desdobramento publicitário, não faltaram peças promocionais que visavam ao marketing: cachimbos com o rosto do general esculpido; estatuetas do bravo general (Figura 5 e Figura 6); canções que o homenageavam, como a composição de Amiati: Ne touche pas à la