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Em 13 de janeiro de 1898, dois dias após a absolvição de Esterhazy pelo Conselho de Guerra, Émile Zola publicou em seis colunas em L'Aurore, a conhecida carta ao presidente da República Félix Faure: J’accuse!. Um ato de acusação contra dirigentes políticos e altos oficiais.

Trezentos mil exemplares de L’Aurore foram vendidos rapidamente, pelo camelôs que urravam o título. Todo mundo, em Paris, leu J’accuse ou a ouviu.

Passeatas formaram-se nas ruas, aos gritos de: “Morte a Zola!” (TROYAT, 1992). Uma luta que se fazia nas calçadas.

Mais de quinze publicações anti-Dreyfus e anti-Zola foram lançadas nas calçadas da capital e mascateadas em todo o país, entre janeiro e fevereiro de 1898. A livraria de calçada atingia verdadeiros recordes de vendas. A Reponse de tous le Français à Zola (15 de janeiro), apenas dois dias depois do artigo de Zola no L’Aurore, teve tiragem de duzentos mil exemplares e reimpressão de igual quantia, em 12 de fevereiro, para o dia do julgamento de Zola (MOLLIER, 2009). Havia pequenos cartazes com o texto: “A única resposta dos verdadeiros franceses ao italiano Zola: merda!”. O desenhista Louis-Henri Forain (1824-1904) arriscou uma caricatura, representando um alemão escondido atrás de um judeu que portava a máscara de Zola, em outra, Zola está se enforcando e, ao mesmo tempo, estendendo a um prussiano a carta J’accuse.

Os títulos atribuídos a Zola eram os mais diversificados: ‘fiel escudeiro do rei’; ‘grande latrineiro’; ‘rufião de Nana’; ‘Zola, a derrocada’. Os boatos e as injúrias surgiam de forma torrencial: ‘o dinheiro roubado dos honestos franceses, pelos judeus, seria utilizado para provocar, na rua, manifestações a favor do traidor’. Como resposta a este clima de ódio, escritores, artistas, cientistas juntaram-se a Zola e reivindicaram a revisão do processo de Dreyfus: Anatole France, Otacve Mirbeau, Claude Monet, Eugène Carrière, Victor Margueritte, Marcel Prévost, Jean Ajalbert, Marcel Proust, entre outros. Eles também sofreram o desprezo de parte da população.

O governo desejava, mais do que nunca, encerrar o processo. Havia, porém, setores, principalmente os conservadores, que estavam enfurecidos. O ministro da guerra, general Billot, impossibilitado de recuar, aconselhado por juristas e com o consentimento do Conselho de Ministros, decidiu denunciar Zola.

A imputação de crime tomou somente quinze linhas, trecho em que o criador de Rougon-Macquart acusou o Conselho de Guerra de ter inocentado Esterházy ‘por ordem’ e de ter ‘cometido o crime jurídico de absolver conscientemente um culpado’. A manobra destinava-se a desarmar Zola que, muito provavelmente, não poderia conseguir a prova do que ele expunha. Graças a esse subterfúgio, descartou-se tudo o que dizia respeito ao processo Dreyfus, propriamente dito, para evidenciar o caso de Zola, o Conselho de Guerra o acusando de ter agido ‘por

ordem’ e não ‘conscientemente’.

Em 7 de fevereiro de 1898, Zola compareceu diante dos juízes. Antes de chegar ao Palácio da Justiça, na companhia de seu advogado, M. Labori, de seu editor, M. Fasquelle, e de seu primo, M. Desjardins, declarou ao Le Temps:

Eu apresentarei então diante do júri uma perfeita serenidade da alma. Mas eu me defenderei, porque esta defesa é necessária à manifestação da verdade. Eu não tenho nenhum laço com a família Dreyfus. Eu jamais vi Mathieu Dreyfus e muito menos conheço Mme Dreyfus152. (Le procès Émilie Zola, 1898)

Na Praça Dauphine uma parte da multidão gritava: ‘Abaixo Zola Abaixo crápula! Morte aos judeus!’ e outra: ‘Viva Zola’. O autor do Rougon-Macquart entrou na sala de audiência e sentou no banco dos réus (Le procès Émilie Zola, 1898). Entre o público identificou Jaurés, Rochefort, Gonse, Esterházy, Raymond Poincaré, inúmeros militares fardados, advogados, jornalistas, comediantes.

Os doze jurados foram sorteados. A primeira testemunha foi Lucie Dreyfus. Na noite da primeira audiência, a tensão aumentou. Zola pediu proteção ao prefeito de polícia para sair do tribunal. Nos dias seguintes foram ouvidos os militares. O general de Boisdeffre afirmou o tempo todo, que não havia dúvida da culpabilidade de Dreyfus – estratégia utilizada pelos generais Gonse e Mercier. O comandante A. du Paty de Clam cumprimentou o tribunal e opôs um silêncio desdenhoso ao interrogatório. O coronel Henry alegou estar doente, exibindo um atestado médico, e obteve permissão para se retirar sem depor (TROYAT, 1992).

O depoimento mais esperado pela defesa de Zola, o do coronel Picquart. Foi assim descrito por Marcel Proust:

Ele avançou até a frente do presidente onde parou saudando, não militarmente, mas com uma mistura de timidez e de fraqueza, como alguém cujos gestos não têm nada de formal e de exterior, mas que ultrapassa, como seu andar, o porte oblíquo de sua cabeça e, de repente, o som fino de sua voz, de uma sorte elegante, delicada e ardente personalidade. (BREDIN, 1995)

152 J'apporterai donc devant le jury une parfaite sérénité d'âme. Mais je me défendrai, parce que cette défense est nécessaire à la manifestation de la vérité. Je n'ai aucun lien avec la famille Dreyfus. Je n'ai jamais vu M. Mathieu Dreyfus et je ne connais point Mme Dreyfus. (LE TEMPS, 8/02/1898)

Durante mais de uma hora, com voz tranquila, Picquart relatou o que tinha descoberto sobre Esterhazy, as manobras das quais fora vítima e sua tristeza por ter sido afastado do exército (BREDIN, 1995). Os revisionistas aclamaram-no publicamente. Depois de uma pausa, Picquart foi confrontado com seus antigos subordinados (idem). Bertillon ofereceu ao tribunal de jurados algumas horas de verdadeira distração, explicando por que o relatório era, certamente, obra de Dreyfus. Diante de um quadro negro defendeu seu famoso diagrama (BREDIN, 1995, p. 290).

Esterhazy só depôs no fim processo. Durante as audiências, ele profetizou que as ruas de Paris seriam cobertas por cem mil cadáveres antes da conclusão desse miserável caso. Afirmou que, se Dreyfus colocasse os pés na França, haveria cinco mil mortos nas ruas, advertindo que tinha projeto não só de falar, mas de agir. Depois de insistentes conversas com o general Pelliex, que se tornara seu protetor, Esterhazy concordou em ficar calado quando interrogado. Compareceu para depor, escutou, mas não respondeu (idem).

Depois de condenar Dreyfus e inocentar Esterhazy, era hora de condenar Émile Zola pelo crime de difamação. A condenação do criador de Rougon Macquart foi consequência de sua relevante atuação na batalha pela revisão do processo Dreyfus, uma luta que teve a escrita como principal instrumento e os jornais como suporte.

O fim de uma longa crise e de uma terrível injustiça

A última fase do episódio Dreyfus foi marcada pela libertação do capitão e por sua reabilitação final, em 1906, graças aos esforços de Jean Jaurès. Perdoado, em 19 de setembro de 1899, pelo presidente da república M. Émile Loubet, a partir desse momento, começou a elaboração de uma lei de anistia, coordenada pelo primeiro-ministro M. Waldeck-Rousseau, esta foi aprovada em dezembro de 1900.

Zola, Mirbeau e Joseph Reinach denunciaram, com vigor, a estratégia da presidência e do governo francês, a qual, sob o pretexto de pacificar os espíritos e restaurar o acordo, sacrificava, com a anistia, a justiça. Os defensores da verdade, mesmo tendo Dreyfus aceitando o perdão, continuaram a lutar pela anulação da sentença de Rennes.

A retomada do episódio foi discreta, a França estava cansada de uma guerra que se estendia por mais de dez anos. Na tarde de 12 de julho, o Capitão A. Dreyfus foi proclamado inocente. Sua luta terminou em julho de 1906, quando foi reintegrado às forças armadas (DREYFUS, 1995).

A relação de forças acabou se invertendo, à medida que as provas da inocência de Dreyfus foram surgindo e que os republicanos moderados começaram a perceber que os verdadeiros inimigos da república não eram os defensores de Dreyfus, mas os nacionalistas antissemitas.

O novo ministro da guerra, Godefroy Cavaignac, descobriu, ao acaso, em agosto de 1898, que o documento que sustentara a condenação de Dreyfus era uma falsificação de autoria de Joseph Henry. Este foi preso e encontrou, oportunamente, em 31 de agosto de 1898, o ‘suicídio’ como desfecho.

O pedido de revisão interposto pela esposa de Dreyfus foi declarado admissível, em 29 de outubro, apesar das manobras processuais que tinham por objetivo retardar a decisão. Um novo julgamento de Dreyfus foi marcado, em Rennes, em agosto de 1899. Conquanto Walsin Esterhazy tenha confessado ser o autor do falso borderô que sustentara toda a acusação do capitão, a condenação de Dreyfus foi mantida, embora com circunstâncias atenuantes. O veredito injusto e absurdo contribuiu para desacreditar a república francesa no mundo.

Os anos anteriores ao desfecho do episódio Dreyfus propiciaram uma transformação na relação da literatura com a política: para os escritores que se envolveram na batalha de Dreyfus, a questão do engajamento tornou-se indissociável da atividade literária. O papel do escritor desdobrava-se em um apelo à razão, que estaria mimetizado na figura do intelectual dreyfusista.