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Genotoxicidade e mutagenicidade da exposição atmosférica ao pó de cromo (III) em Rattus

No presente estudo, os efeitos genotóxicos nos animais (avaliados com o ensaio cometa alcalino) a partir da exposição atmosférica aguda ao pó de Cr III (250 e 500

μg/m3

) foram observados pela elevada frequência de danos ao DNA de linfócitos, por meio da avaliação dos parâmetros de % de DNA na cauda do cometa (p<0,05) e comprimento da cauda (p<0,05) verificados após 4 h de exposição ao metal, comparados ao grupo tratado com água destilada. Por outro lado, estes eventos não foram significativos após 24 h da exposição atmosférica ao pó de Cr (III) (Figura 13 e

Figura 14), sugerindo atividade de reparo no DNA lesionado.

O ensaio cometa vem sendo aplicado na avaliação dos níveis de danos e mecanismos de reparo de DNA (GUNASEKARANA; RAJ; CHAND, 2015), cujo princípio é a migração de fragmentos de DNA durante a eletroforese em gel de agarose (TICE et al., 2000; DUSINSKA; COLLINS, 2008). Na sua versão alcalina, pode detectar sítios álcali lábeis, quebras de fitas e danos oxidativos em células eucarióticas e procarióticas (SINGH et al., 1988, FAIRBAIRN; OLIVE; O’NEILL, 1995).

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Figura 13. Genotoxicidade do pó de Cr (III) 250 µg/m3 atmosférico em linfócitos de Rattus norvegicus. Valores representam a média ± desvio-padrão do % de DNA na cauda (A), comprimento da cauda do cometa em µm (B) e TailMoment (C). Processamento realizado pelo software OpenComet (100

células/rato, n=5). dH2O: água destilada 10 mL/kg, v.o. CFA: Ciclofosfamida 50 mg/kg, i.p. Cr III: cromo

trivalente 250 µg/m3. ANOVA e teste de Tukey. *P<0,05 comparado ao grupo controle negativo. #P<0,05

comparado ao grupo tratado com Cr III, após 4 h da exposição. Diferenças entre o período de 4 h e 24 h foram avaliadas por meio do Teste de Mann-Whitney.

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Figura 14. Genotoxicidade do pó de Cr (III) 500 µg/m3 atmosférico em linfócitos de Rattus norvegicus. Valores representam a média ± desvio-padrão do % de DNA na cauda (A), comprimento da cauda do cometa em µm (B) e TailMoment (C). Processamento realizado pelo software OpenComet (100

células/rato, n=5). dH2O: água destilada 10 mL/kg, v.o. CFA: Ciclofosfamida 50 mg/kg, i.p. Cr III: cromo

trivalente 500 µg/m3. ANOVA e teste de Tukey. *P<0,05 comparado ao grupo controle negativo. #P<0,05

comparado ao grupo tratado com Cr III, após 4 h da exposição. Diferenças entre o período de 4 h e 24 h foram avaliadas por meio do Teste de Mann-Whitney.

Os dados aludidos anteriormente reforçam a relevância do estudo de biomonitoramento, com ênfase nos efeitos genotóxicos de compostos presentes no

61 ambiente. Baseados na importância dos resultados obtidos a partir do ensaio cometa, para predizer riscos genotóxicos, o ensaio foi primeiramente proposto pela International

Conference on Harmonisation (ICH) e recomendado pela Food and Drug

Administration (FDA), na análise genotóxica de compostos (HARTMANN et al., 2003).

Não obstante, o ensaio cometa é recomendado como teste de genotoxicidade de primeira linha, devido à sua alta sensibilidade em relação ao teste de micronúcleos (ARALDI et al., 2015).

No presente trabalho, o pó de Cr (III) (250 e 500 µg/m3) induziu danos genotóxicos ao DNA de linfócitos de ratos em exposição aguda, por meio da análise dos parâmetros de % de DNA na cauda do cometa, comprimento da cauda e TailMoment. O perfil fotomicrográfico do ensaio cometa realizado nesse estudo está apresentado na

Figura 15.

Figura 15. Perfil fotomicrográfico de cometas analisados após lise, eletroforese e coloração com GelRed. Os números abaixo de cada imagem são utilizados durante a classificação visual segundo Collins (2004).

Como os sistemas de análise de imagem por técnicas computacionais são comumente utilizados para a avaliação dos resultados do ensaio cometa, os pontos principais de mensuração, rotineiramente pesquisados, correspondem ao momento da cauda (TailMoment), como o produto do comprimento da cauda do cometa e a intensidade relativa da fluorecência (conteúdo de DNA) na cauda (LEE; O'CONNOR; PFEIFER, 2002; GYORI et al., 2014). No entanto, como parâmetro que dispensa um

62 sistema de análise digital, o comprimento da cauda do cometa ainda está em uso (SUNJOG et al., 2013).

A comparação de diferentes parâmetros dentro de um determinado conjunto de dados enfatiza a necessidade de padronização do protocolo do ensaio cometa. Embora o momento da cauda pareça ser uma medida mais expressiva, a comparação interlaboratorial produzirá uma pluralidade de interpretações (KUMARAVEL; JHA, 2006). O cálculo do TailMoment é realizado considerando dois fatores: a percentagem de DNA na cauda (intensidade da cauda) e a distância entre o centroide de intensidade (centro de gravidade) da cabeça e da cauda ao longo do eixo X do cometa (GYORI et al., 2014).

Neste cálculo, estão inclusos a distância entre o centroide de intensidade da cabeça e da cauda, que dependerá das condições de eletroforese, e os algoritmos utilizados para definir o centro de gravidade da distribuição de DNA, os quais variam entre os diferentes pacotes de softwares disponíveis (SUNJOG et al., 2013). A avaliação de danos genômicos, a partir do ensaio cometa, pode ser realizada pelo software OpenCometTM , um método inovador e robusto para analisar cometas com base em atributos das suas formas geométricas. Esse software de código aberto fornece análise automatizada de imagens dos ensaios cometas, segmentando as cabeças do cometa por meio da verificação do perfil de intensidade da imagem. Como resultado da automação, é mais preciso, menos propenso ao viés humano e mais rápido do que a análise manual (GYORI et al., 2014). Uma vez que o percentual de DNA na cauda do cometa (% DNA na cauda) é comumente utilizado em vários estudos para a quantificação do dano ao DNA (MATEO-FERNÁNDEZ et al., 2016; MORAES FILHO et al., 2016; LIMA et al., 2017), este parâmetro também foi escolhido em nosso estudo.

Embora o cromo trivalente seja inicialmente considerado um agente não-tóxico, um estudo realizado em sistemas celulares demonstrou que o composto se liga ao DNA, levando a uma instabilidade genética, com aumento da capacidade de processamento de DNA polimerases, o que, em última análise, poderá levar a um aumento de mutações (LANGÅRD, 1990). Além disso, um estudo apontou que o Cr (III) induz mutação genética em levedura e danos ao DNA em ambas as células de levedura e de Jurkat (linfoma de células T), atuando como agente genotóxico (FANG et al., 2014). Outros estudos relatam que o mecanismo de genotoxicidade do Cr consiste na formação de adutos de DNA, podendo interagir eletrostaticamente com o grupo fosfato presente no

63 material genético (VIJAYALAKSHMI et al., 2002; ZHITKOVICH, 2005) e formação de ligação covalente com o mesmo (SALNIKOW et al., 1992; ZHITKOVICH; VOITKUN; COSTA, 1996; ARAKAWA et al., 2000; O’BRIEN; CERYAK; PATIERNO, 2003), bem como com o nitrogênio endocíclico das bases de DNA, ocasionando instabilidade no material genético (BRIDGEWATER et al., 1994).

A partir da exposição a agentes genotóxicos, como o Cr (III), a célula sofrerá parada do ciclo celular, como ponto de verificação e correção de danos ao DNA. Como consequência dos danos genéticos irreparáveis, a célula será eliminada por meio da ativação de mecanismos de morte, como apoptose (MOBAHAT; NARENDRAN; RIABOWOL, 2014). Vários relatos demonstram o papel crítico da apoptose em desordens induzidas por metais, como neurotoxicidade, distúrbios auto-imunes, toxicidade renal, hepatotoxicidade e carcinogênese (RANA, 2008; TCHOUNWOU et al., 2012; JAISHANKAR et al., 2014). Por outro lado, a ineficência do sistema de reparação poderá desenvolver resistência à morte celular, levando a uma sobrevivência celular a longo prazo, processo comum na carcinogênese (GOLDAR et al., 2015).

Os danos genotóxicos com intensidade superior desencadeiam instabilidade genômica não reparada juntamente com genotoxicidade extensa e, a nível cromossômico/molecular, podem causar mutações no DNA (ZHANG; WALTER, 2014). Isto pode ser decorrente da capacidade de ruptura de cromossomas, rearranjo e perda, não disjunção, amplificação de genes, necrose e apoptose, resultando na formação de MN, principalmente a partir de rupturas cromossômicas ou cromossomos inteiros que falham em serem direcionados ao fuso mitótico, quando a célula se divide (BHATIA; KUMAR 2013).

Os efeitos genotóxicos do pó de Cr (III) atmosférico em linfócitos de ratos foram atenuados após 24 h da exposição aguda, indicando atividade de reparo no DNA lesionado. Evidências sugerem que o mecanismo de reparação por excisão de nucleotídeos (REN) esteja envolvido na remoção de adutos de DNA induzidos por Cr (III), levando à progressão do ciclo celular (O'BRIEN et al., 2005). A via de reparo REN é altamente versátil e responde a uma variedade de lesões que distorcem a hélice de DNA, representando um mecanismo importante para prevenção de mutagênese induzida por Cr e a transformação neoplásica (REYNOLDS et al., 2004).

Os resultados a partir da avaliação mutagênica (evidenciada pela frequência de micronúcleos em eritrócitos policromáticos de medula óssea) apontam que os ratos em

64 exposição atmosférica ao pó de Cr (III) 500 µg/m3 apresentaram elevada (p<0,05) frequência de MN em EPCs (Tabela 1), comparado ao grupo controle negativo. Por outro lado, a menor concentração atmosférica do metal (250 µg/m3) não induziu aumento da frequência de micronúcleos, comparado ao grupo controle negativo. Além disso, o índice de EPC em 500 eritrócitos de medula óssea dos ratos foi significativamente elevado para o grupo exposto a 500 µg/m3 do pó de Cr (III), comparado o grupo controle negativo (Tabela 1).

Tabela 1. Alterações do número de EPCMN e índice de EPC/ENC induzido por Cr (III)

em medula óssea de Rattus norvegicus 24 h após exposição.

Tratamentos EPCMNs Índice EPC/ENC

Controle Negativoa 3,8 ± 1,4 (2,0 – 6,0) 1,04 CFA 50 mg/kg 39,8 ± 11,1* (28,0 – 57,0) 0,85* Cr III 250 µg/m3 2,0 ± 1,5 (0,0 – 4,0) 0,98 Cr III 500 µg/m3 35,6 ± 20,1* (3,0 – 58,0) 1,68*

Valores representam a média ± desvio-padrão do número de EPCMNs e índice de EPC/ENC. aÁgua

destilada, v.o. CFA: ciclofosfamida. Cr III: pó de cromo trivalente. EPCMNs: Eritrócitos policromáticos com micronúcleo. EPC: Eritrócito policromático. ENC: Eritrócito normocromático. ANOVA, pós-teste de Tukey. *P<0,05 comparado ao grupo Controle Negativo.

O monitoramento ambiental para identificar a presença de efeitos pró- mutagênicos e genotóxicos de determinados compostos, certamente não é um terreno novo para toxicologistas. Na verdade, algumas técnicas prevalecem primorosas para determinar danos genômicos causados por contaminantes ambientais. Este é o caso, por exemplo, do teste de micronúcleos e as suas múltiplas variantes, o ensaio de troca de cromátides irmãs, o teste de aberrações cromossômicas e o ensaio cometa, métodos que têm sido utilizados há décadas (POLI et al., 1999; BOLOGNESI; HAYASHI, 2011; BAJPAYEE; KUMAR; DHAWAN, 2013; MARTINS; COSTA, 2015; ARALDI et al., 2015).

O teste de micronúcleos, avaliando a frequência de micronúcleos em diferentes tipos celulares é um dos biomarcadores que melhor se correlacionam com a carga contaminante, como demonstrado em vários estudos com diferentes organismos

65 bioindicadores (LUZHNA; KATHIRIA; KOVALCHUK, 2013). A frequência de micronúcleos fornece um índice útil dos danos genéticos acumulados durante o tempo de vida das células (BONASSI et al., 2007) e representa um índice de resposta integrada da mistura complexa ou não de contaminantes monitorados, que contribuem para o impacto genotóxico (SALEH et al., 2010). Estes micronúcleos são oriundos de mecanismos como quebras cromossômicas (clastogênese) ou perturbações do aparelho mitótico (aneugênese) (SAMANTA; DEY, 2012).

Os micronúcleos são formados ao longo da eritropoiese, que ocorre na medula óssea ou baço de roedores adultos (KRISHNA; HAYASHI, 2000). Eritroblastos que excluem o núcleo após 6 h da mitose final, originam eritrócitos policromáticos (EPC), células basófilas que contém RNA no citoplasma detectável por coloração específica. Os EPC sofrem um processo de maturação, originando os eritrócitos normocromáticos (ENC), com coloração mais opaca (MAVOURNIN et al., 1990). Assim, os agentes clastogênicos e/ou aneugênicos são capazes de originar fragmentação cromossômica ou perdas cromossômicas, durante a divisão celular, que não estarão integradas no núcleo da célula filha, resultando em micronúcleo. A elevada frequência de EPC micronucleados (EPCMN) sugere dano cromossômico (FENECH; MORLEY, 1985). No presente estudo, o pó de Cr III (500 µg/m3) induziu de forma proeminente o aumento da frequência de micronúcleos em EPCs de medula óssea de ratos.

A associação com a ligação fosfodiéster do DNA (adutos de DNA-Cr) é uma das mais abundantes lesões genéticas induzidas por cromo em células de mamífero e esta tese é sustentada como a principal causa de mutagenicidade deste composto (SALNIKOW; ZHITKOVICH, 2008). Estudos anteriores, sugerem que este composto, em sua forma hexavalente, penetra facilmente a membrana celular de eucariotos, sofrendo rápida metabolização à sua forma trivalente, podendo gerar perturbações em proteínas intracelulares (SNOW, 1991; WANG et al., 1997), bem como induzir citotoxicidade e estresse oxidativo em eucariotos (HUANG et al., 2014). Além disso, Fang e colaboradores (2014) demonstraram que o Cr (III) interfere com os pares de bases do DNA, levando à clivagem e degradação do material genético. Estas evidências harmonizam com os resultados deste estudo.

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4.2 Aberrações cromossômicas em ratos expostos de forma aguda ao pó de Cr (III)