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O olhar geográfico sobre as cidades coloniais barrocas de Minas Gerais – uma periodização necessária

Este capítulo aponta para os elementos constituintes da universalidade excepcional das cidades coloniais barrocas de Minas Gerais, superficialmente tratados tanto no turismo quanto no próprio processo de patrimonialização e gestão que as consagram33. Para tanto, torna-se preponderante uma periodização, que nos possibilita entender Ouro Preto e Diamantina na perspectiva da dialética espacial, ou seja, do espaço para além da dimensão concreta do mundo, o espaço-tempo. Consideramos, inicialmente, que o barroco e o urbanismo barroco que se desenvolvem nessas cidades não são apenas atributos formais de uma época, materialidade do mundo ou emergência de uma lógica local, mas produtos de um

devenir universal ininterrupto. Como em movimento, faz-se necessária tal periodização como

recurso de método para o entendimento da lógica que enreda essas cidades (e mercantilizadas por isso) como Patrimônio Cultural da Humanidade, no presente. Só com uma periodização somos capazes de apreender tais cidades especiais para além do visível e captar a simultaneidade espaço-temporal apregoada.

A negligência à periodização sobre Ouro Preto e Diamantina representaria o descompromisso com o método adotado na tese, quando a dialética possibilita-nos entender que a universalidade sempre existe em relação à particularidade, a tratar o espaço geográfico como espaço-tempo, a compreender que a distinção entre representação e conceito, entre o mundo da aparência e o mundo da realidade, entre a práxis utilitária cotidiana dos homens e a práxis revolucionária da humanidade, a “cisão do mundo”, é o modo pelo qual o pensamento capta a “coisa em si”. Como a dialética é o pensamento crítico que visa a captar a coisa em si (KOSÍK, 1976), esta última deve ser apreendida em seu movimento – daí a necessidade de uma periodização. E não apenas por isso. Nossas concepções do homem e de nós próprios enquanto indivíduos variam com as circunstâncias em que nos encontramos e mesmo com o objeto dos nossos estudos. Fatos e situações inéditas levam-nos a lançar um novo olhar indagador sobre séculos passados. Fatos e situações, embora definitivamente fixados em si

33 Sobre esse processo, trataremos no capítulo 04, sendo a UNESCO e os “arquitetos do mundo” seu grande favorecedor, com todos seus mecanismos.

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mesmos, continuam para nós a sua evolução incessante, sem que se possa prever quando irá ou poderá o historiador ou o geógrafo estabelecer a tal respeito a verdade objetiva e definitiva de forma que a concepção do homem histórico evolui a do homem atual (FOULQUIÉ, 1966, p. 89).

Essa periodização nos remete a cinco indissociáveis momentos e “eventos”34 dos

mais marcantes da geografia histórica não apenas de Ouro Preto e Diamantina, pois nos dá subsídio para compreender o movimento e a formação socioespacial da mineração, os quais estão estritamente vinculadas as cidades coloniais mineiras, de modo que o barroco é a expressão ressignificada em cada uma das cinco fases, que serão analisadas ao longo da tese. Consideramos impossível entender a atual dinâmica urbano-territorial dessas cidades sem a atenta reflexão sobre o que tratamos como os momentos mais significativos da formação dos núcleos da mineração brasileira, uma vez que a valorização econômica vigente está calcada na alegação do valor simbólico que representam e no capital simbólico que agregam ao longo de sua história. A reflexão geohistórica sobre o simbolismo destas antigas cidades subsidiará, então, a crítica à negligência da necessária interface planejamento/preservação, que desenvolveremos a partir do quinto capítulo da tese. Logo, os cinco momentos significativos da periodização da formação das cidades coloniais da antiga zona mineradora são:

1. As cidades coloniais como particularidade de um devenir universal – o barroco emerge enquanto “evento” global que ganha uma feição particular, nos núcleos da mineração no Brasil do século XVIII, envolvidos pela dinâmica da economia mundial e da economia-mundo (BRAUDEL, 1995) que favorecem a gênese do patrimônio no Brasil [o que abordaremos neste segundo capítulo].

2. As cidades coloniais como territórios de identidade, quando o barroco é reconhecido como símbolo cultural do novo Estado-nação, na década de 1930, com o Governo de Getúlio Vargas e a criação do SPHAN35; o que significa a fase da produção simbólica

do patrimônio no Brasil [foco do terceiro capítulo].

3. As cidades coloniais como territórios de identidade do capital, com a incipiente projeção mercantil do barroco, nos anos de 1960, fase do “empreendedorismo urbano” (HARVEY, 2005) e da concomitante elaboração de cartas internacionais que apontam para a possibilidade de mercantilização dos centros históricos, internacionalmente, o que leva à projeção inicial do patrimônio no Brasil (análise do terceiro capítulo). 4. As cidades coloniais como cidades-patrimônio-mercadoria na fase da banalização

pela cenarização progressiva do patrimônio que conduz à reinvenção do barroco e à

“recolonização” dos centros históricos, após a década de 1990, induzindo a uma nova dinâmica territorial nas “cidades históricas”, que urgem serem entendidas como totalidades urbanas inseridas na “totalidade-mundo” (discussão a partir do quinto capítulo).

34 Como afirmamos no capítulo primeiro, de acordo com Santos (2002), um evento é, simultaneamente, a matriz do tempo e do espaço; um evento não se repete, são, pois, todos novos. Na verdade, os eventos mudam as coisas, transformam os objetos, dando-lhes, ali mesmo onde estão, novas características. “Os eventos são idéias e não apenas fatos. Uma inovação é um caso especial de evento, caracterizada pelo aporte a um dado ponto, no tempo e no espaço, de um dado que nele renova um modo de fazer, de organizar ou de entender a realidade”

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5. As cidades coloniais barrocas – como possibilidade de vir a ser - de empoderamento dos bens materiais e simbólicos por parte da população (quinto e sexto capítulos).

É por meio da paisagem que o geógrafo deve desvendar o mundo, buscar as desigualdades escancaradas no território. Ou seja, as paisagens refletem as relações sociais históricas. Contudo, o trabalho geográfico não pode permanecer na análise do passado, mas buscar no mesmo os elementos que fundamentam o presente; para tanto, os conceitos geográficos favorecem o entendimento desse movimento. Como a dinâmica de um lugar se expressa no território através de um sistema indissociável e contraditório de objetos e ações (SANTOS, 2002), esse olhar deve reconhecer o papel dos objetos no movimento histórico do território e da paisagem. No limite, consideramos que a histórica ressignificação do barroco mineiro leva ao ordenamento total do território urbano nas cidades-patrimônio.

Logo, paisagem, território e lugar representam conceitos interdependentes, integrantes do espaço geográfico, enquanto um híbrido. Essa interdependência favorece-nos escapar de uma análise focada em particularidades isoladas e puras, que representa a tragédia mais fundamental do espírito científico em Geografia. Tais conceitos, interdependentes, quando particularizados são constituintes de múltiplas relações nas quais se imbricam homens, produtos, coisas que se destacam no mundo sensível e que ainda guardam seu espírito. Como diz Simmel (1996), o detalhe aspira a se tornar um todo, enquanto que o seu pertencimento a um conjunto mais amplo lhe concede apenas o papel de membro, mesmo integrando o todo. Apenas o olhar indagador, compromissado com a busca da “verdade” é capaz de ultrapassar a sensibilidade do mundo e entender essa parte que não se faz fora da universalidade em movimento. Integramos, estamos contidos nesse movimento ininterrupto, juntamente às nossas criações, crenças e aspirações. As cidades barrocas, a arte e o urbanismo, turistificados, na contemporaneidade, em Minas Gerais, são entendidos, nesta tese (com o aporte teórico da Geografia, da História, da Filosofia, da Antropologia e da Sociologia), como produto universal do espaço total, que consagra a cidade colonial brasileira da antiga zona da mineração.

Assim, sempre que observamos uma paisagem e não mais um conjunto de objetos, temos uma tendência que modela a representação do mundo, através da busca de seu significado, da sua essência, do espírito da paisagem. Seria, pois, a paisagem, uma particularidade que agrega o universal, representa o geral em um determinado momento, sintetiza, pois, também, todas as singularidades locais – é o contexto em que a arte e o urbanismo barroco se inserem. A paisagem não existe para todos, poucos a identificam como parte do espaço forma-conteúdo; assim se perfaz a necessidade de se aguçar um olhar capaz de interpretá-la. O amontoado de objetos pouco nos diz da lógica do processo criativo

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universal, atrelado ao desenvolvimento da acumulação capitalista. Não há como negar que a paisagem, enquanto formação concreta, é produto, também, do espírito, quando o sentimento se torna, por sua vez, uma realidade objetiva, “tão pouco dissociável da primeira quanto as vibrações do ar que nos chegam aos ouvidos não podem ser dissociadas do som com o qual, em nós, elas se tornam realidade” (SIMMEL, 1996, p. 23).

Heidegger (1987) deixa uma questão importante para que indaguemos a essência das coisas, o conteúdo de verdade (authenticité) que podemos captar, na perspectiva da Geografia, a partir da paisagem urbana histórica. Ele indaga como é possível saber algo da verdade própria de uma coisa, quando não conhecemos a própria coisa, para decidirmos que verdade lhe pode e deve ser atribuída. Assim, devemos entender a impossibilidade de avaliar ou interpretar as paisagens sem indagarmos a sua constituição histórica (pois, assim teremos as evidências de sua valorização simbólica e econômica) – o que se pretende nesta primeira parte da tese, com o desenvolvimento de uma análise geohistórica da cidade colonial barroca da antiga zona da mineração: cidades-arte de persuasão, cidades-símbolo do Estado-nação e cidades-patrimônio-mercadoria na fase de banalização pela cenarização progressiva do patrimônio cultural brasileiro.

Para Heidegger (1987), não podemos ir direto à própria “coisa”; não porque ficariamos detidos no caminho, mas porque as determinações a que chegamos e que atribuímos às próprias coisas – espaço-tempo, o “isto”, a paisagem – se separam como determinações que não pertencem à própria coisa. Assim, a paisagem é o suporte de propriedades e a verdade que lhe corresponde tem o seu lugar no enunciado, na proposição, que é uma ligação entre um sujeito e um predicado.

Não quer dizer que se um movimento não pode ser constatado, que já tenha acabado. Segundo Heidegger (1987), pode estar, também, na situação de ilusório repouso. O que em algum momento nos aparece como passado, como acontecimento que já não existe, pode ser repouso aparente. O repouso do acontecer não significa a ausência de história, mas ao contrário, uma forma primordial de sua presença. O que apresentamos como passado é, sobretudo, o que em algum momento foi atual, que provocou movimentos e sensações, o que pertence sempre à história, mas não é a autêntica história. O que é passado não pode esgotar o acontecido, mas representá-lo, por vezes, em um movimento contínuo – assim tentaremos apreender o barroco como produto e produtor das transformações contínuas nas cidades referenciadas. O barroco como acontecido e acontecimento provoca, pois, movimentos, ainda exerce seu domínio; seu conteúdo representa um característico repouso do acontecer; o repouso, pois, é o movimento que se detém em si mesmo e que é, muitas vezes, mais inquietante que o próprio repouso (HEIDEGGER, 1987).

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Heidegger (1987) afirma que a determinação da individualidade de uma coisa é, do ponto de vista do conteúdo, dependente do modo como é concebida a universalidade do universal, para a qual o singular é um caso particular e um exemplo. É o que identificamos nessas cidades coloniais tidas por universais pela UNESCO36; só o são por sua particularidade e irreplicabilidades pretensas, que se manifestam no mundo concreto. Consideramos que a paisagem estigmatiza a evolução das bases econômicas e ideológicas sobre o território, na organização social, o que, no limite, aponta para a interação, o entendimento da transformação cultural, econômica e política do mundo que nos rodeia. A paisagem agrega o resultado de interações sociais e ecológicas sui generis em cada parte do globo. Assim, compartilhamos da idéia de Gandy (2004), que enfatiza a proposição de que a paisagem é parte integrante da história cultural de um determinado lugar, fruto de tensões sociais e privações materiais, o que não é diferente na paisagem urbana mineira. Como produto de uma cultura social, essa paisagem faz-se resultado, também, da ideologia. Nessa lógica, a ideologia designa um emaranhado de signos e idéias, que inscreve modos de pensamento dominantes na realidade objetivo-material e confirma a reprodução de certo tipo de interações sociais. “Podemos afirmar, assim, que a paisagem é, por essência, política: toda mudança social constitui, na verdade, um desafio às concepções preexistentes da natureza e às suas representações simbólicas na paisagem”. (GANDY, 2004, p. 80). A paisagem urbana histórica, em Minas Gerais, deve ser apreendida na perspectiva da dialética espacial, como forma-conteúdo, uma dimensão do espaço-tempo, produto material, simbólico e ideológico que atravessa os momentos da história universal e que é sintetizado no barroco.

Para Goulão (1996, p. 64), o barroco, nos últimos anos, passou de um simples adjetivo à expressão de uma filosofia totalizadora da história – eis a universalidade das cidades objeto da tese, o enunciado que deveria ser difundido pelos e para os que usufruem ou trocam essas cidades, como mercadorias. O barroco não pode se limitar ao olhar que busca apenas o decorativismo enquanto manifestação paisagística material, deve-se buscar o espírito barroco na conjunção da essencialidade de uma época, do transcurso que nos remeta a lógica global de sua fixação ao território – uma arte em movimento contínuo. O barroco será analisado como centro do desengano do poder humano e do sentido da vida, como matéria simbólica de controle e de persuasão, tudo explícito no território, regendo as cidades e a sociedade da mineração, ontem e hoje. “Seria assim ao nível da sensibilidade, mais do que ao nível das formas, que encontraríamos a explicação para a afinidade e coincidência da cultura barroca com a cultura indígena. Convém recordar que a estética barroca é a estética da

36 Será analisado, no capítulo 04, os critérios de universalidade e autenticidade propalados pela UNESCO, para as cidades-patrimônio do mundo.

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estranheza por excelência – no intuito de assombrar e de maravilhar, é capaz de assimilar todos os particularismos e exceções” (GOULÃO, 1996, p. 64).

Concebemos que o exame do mundo em qualquer escala particular revela, de imediato, toda uma série de efeitos e processos que produzem diferenças geográficas nos padrões de vida, nos usos de recursos, na apropriação do território, nas relações com o ambiente e nas formas políticas e culturais a serem interpretadas a partir da paisagem. Assim, as cidades coloniais brasileiras e a arte que emerge de seu ordenamento podem ser inseridas no que Harvey (2004) considera como a longa geografia histórica da ocupação humana da superfície da terra e da evolução distintiva de formas sociais inseridas integradamente em lugares com qualidades todas suas, o que tem produzido um extraordinário mosaico geográfico de ambientes e modos de vida socioecológicos.

Essas cidades devem ser concebidas como um “palimpsesto” – “composto de acréscimos históricos de legados parciais sobrepostos em múltiplas camadas uns sobre os outros, tal como ocorre com as diferentes contribuições arquitetônicas de diferentes períodos que se distribuem em camadas nos ambientes construídos de cidades contemporâneas de origem antiga” (HARVEY, 2004, p. 111). O significado universal de Ouro Preto e Diamantina, geográfica e historicamente, só tem sentido na perspectiva de leitura do espaço geográfico como “acúmulo desigual do tempo” (SANTOS, 2002) ou como um “mosaico geográfico” (HARVEY, 2004), o que, no limite, permite falar não em authenticité, mas em uma autenticidade já híbrida, como será analisado no capítulo 4.5.

É um mosaico geográfico uma criação aprofundada pelo tempo e gerida por múltiplas atividades humanas. Porém, não podemos desconsiderar que as chamadas cidades históricas mineiras, como mosaicos geográficos, são produzidas, sustentadas, solapadas e configuradas por meio de novos processos políticos e econômicos e socioecológicos do presente – sendo o barroco a centralidade dos novos discursos e ações do presente. Para Harvey (2004), tem tanta importância considerar de que modo as diferenças geográficas estão sendo produzidas no aqui e agora quanto tem relevância recorrer a matérias-primas histórico- geográficas que nos vieram de outros ciclos de atividades. O ambiente urbano nas cidades- patrimônio mineiras é reformulado em prol de especuladores que procuram maximizar ganhos ao ressignificarem as próprias cidades. Assim, justificamos esta primeira parte da tese, que já aponta para os cinco distintos e imbricados momentos de ressignificação do barroco como matéria e espírito de uma presença-ausência e projeção de tais cidades; cinco momentos distintos que guardam “verdades” construídas sobre a denominada “cidade histórica mineira”, que deve ser interpretada como totalidade urbana e não focada nos limites dados pelo tombamento. O barroco é um dos principais motes propulsores do movimento territorial

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urbano total, nas cidades analisadas. Lembremos que Argan (1995) já se posicionava contra a noção de “cidade histórica” intacta e contrário a divisão entre a “zona histórica” e a “zona moderna”, por gerar um sentido antihistórico à zona moderna e um direcionamento prevalente histórico à área antiga.

Afirma Heidegger (1993) que só o conhecimento é verdadeiro, de forma que conhecer é julgar e em todo julgamento, deve-se distinguir a ação de julgar enquanto processo psíquico real e o conteúdo julgado enquanto conteúdo ideal. Só teremos uma “verdade” sobre as cidades barrocas se logramos, tivermos provas de que, em toda a sua história, sua presença foi e o que poderá ser; análise possível através da periodização apontada. Sem essa prova, as sentenças construídas sobre o mesmo (sua authenticité criada) será apenas uma afirmação fantástica que não pode receber nenhuma legitimidade. “Toda verdade é relativa ao ser da presença na medida em que seu modo de ser possui essencialmente o caráter de presença. Será que essa relatividade significa que toda verdade é subjetiva?” (HEIDEGGER, 1993, p. 296).

Nesse sentido, a arquitetura barroca – símbolo paisagístico máximo da mercantilização das cidades objetos dessa tese – é a expressão pura da fundação do homem moderno, caracterizado pela subjetividade, ao mesmo tempo trágica e vigorosa, que o século XVII cuidou em afirmar, como aponta Brandão (1999). O espaço barroco (retratado na paisagem urbana), produto da saga material do homem moderno, se volta para a dimensão existencial humana, sendo representação do ritmo material e conflituoso da própria existência, dialeticamente. “É por isso que o espaço barroco se torna verdadeira expressão da moderna situação do homem no mundo” (BRANDÃO, 1999, p. 136).

É sobre essa materialidade, que retrata a conflituosa existência do homem no mundo moderno, onde Ouro Preto e Diamantina são representantes de tal lógica, que trataremos no tópico que se segue, a fim de entender os valores pouco valorados na mercantilização que consagra tais núcleos no presente. Cada coisa, cada lugar, todas as lógicas, são interpretadas conforme a formação individual de cada sujeito, isso faz com que um arquiteto ande por Ouro Preto e Diamantina analisando as formas e as funções urbanas, especialmente do centro; um historiador observe-as destacando sua ânsia historiográfica, sua curiosidade pela interpretação de um passado que se faz presente nas formas; um engenheiro interrogue como pode uma produção urbana tão arcaica subsistir na história; o geógrafo exclame a importância de se pensar tais cidades enquanto totalidades urbanas capturadas pelo movimento globalizante, para assim mensurar as desigualdades da sociedade do presente rebatidas sobre os territórios de identidade, num movimento ininterrupto do passado ao

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presente e a caminho do futuro, ou seja, as vê como partes integrantes do espaço total em transformação incessante.

Partiremos para a análise das cidades coloniais barrocas de Minas Gerais como particularidades de um devenir universal. Entretanto, seus significados, seus edifícios, seus símbolos, em síntese, sua materialidade e seu espírito são passíveis de apreciações, comparações, descortinam, a cada momento, horizontes sobre as novas necessidades e desejos sociais, que as transformam, as reconfiguram, as remetem a novos sentidos – daí a necessidade da busca de sua gênese, cujos significados são pretensamente consumidos, hoje. Se, ao analisarmos uma cidade, temos uma primeira impressão de imobilidade predominante, o que se explica ao mesmo tempo pela “natureza inerte das coisas físicas e pela estabilidade relativa dos grupos sociais”, como aponta Halbwachs (1990), a pesquisa astuta pode induzir ao contrário, à cidade fruto da história em movimento, de um processo ininterrupto, que nos remete à superposição de objetos, técnicas, idéias, desejos, medos e ações. Objetos superpostos e refuncionalizados que Santos (2002) trata como “rugosidades”: forma, espaço