• Nenhum resultado encontrado

2. GEOGRAFIA e TURISMO: reflexões teóricas e revisão de literatura

2.5 Geografia do turismo no Brasil: o estado da arte

No Brasil é somente a partir da década de setenta que se publicam os primeiros estudos geográficos sobre o turismo. Em 1976, Kleber M. B. de Assis apresentou um trabalho de fôlego sobre a geografia do turismo, intitulado o Turismo Interno no Brasil. Este trabalho foi apresentado ao concurso de Livre Docência ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Neste período, muitas pesquisas preocuparam-se com o estabelecimento de modelos e tipologias do espaço turístico, pois estava em alta a aplicação de métodos quantitativos na geografia.

Seguindo a mesma tendência, Langenbuch (1976; 1977) publica os seguintes artigos:

Apuração e Análise do Movimento Turístico de Áreas Receptoras a Partir de Dados de Contagem Diária dos veículos: o Caso do Litoral Paulista e Os Municípios Turísticos do Estado de São Paulo: Determinação e Caracterização Geral. O Centre de Documentation

Regard sintetiza assim a obra de Langenbuch (1976):

Étude des flux de touristes se rendant sur le littoral de l'etat de São Paulo, Brésil, a partir de comptages quotidiens de vehicules: méthode de denombrement (importance et variations des mouvements de touristes, conditions, motif et duree du séjour); méthode de traitement statistique de ces donnees; interpretation geographique des resultats17.

17 Estuda o fluxo de turistas que visitaram o litoral do Estado de São Paulo através da contagem diária dos

veículos: método de enumeração (tamanho e variação de movimento de turistas, condições do padrão e da duração da estadia); método de tratamento estatístico destes dados, e a interpretação geográfica dos resultados. [Tradução Livre].

Na perspectiva ambiental destacam-se os trabalhos de Barbieri (1979) sobre o fato climático nos sistemas territoriais de recreação, apresentado ao Departamento de Geografia da FFLCH-USP, tendo uma parte publicada na Revista Brasileira de Geografia no mesmo ano, e o estudo de Buss (1987) acerca da classificação ambiental do sul catarinense para fins turísticos, apresentada como Dissertação de Mestrado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujos resultados principais foram publicados na revista Geosul.

O trabalho de Buss (1987) salienta a importância de três conceitos básicos que alicerçaram e orientaram o desenvolvimento de sua pesquisa: a classificação, o ambiente e o turismo. As considerações metodológicas da referida professora demonstram que é possível estabelecer diferentes tipos de ambientes turísticos:

A prática da atividade turística é resultante da ocorrência de diferenciação de áreas, basicamente fundamentada nos aspectos naturais e tendo a eles associada à necessidade de uma infra-estrutura mínima. Tal raciocínio ocorreu para que o trabalho fosse norteado pelos seguintes pressupostos: a) Através de uma análise classificatória, aplicada separadamente para dois conjuntos de variáveis - naturais e de infra-estrutura - e possível a identificação de ambientes favoráveis a implantação e ao desenvolvimento turístico; b) Embora grande número de variáveis naturais possa ser objeto de um único esquema de classificação, é possível estabelecer diferentes tipos de ambientes turísticos, individualizados pela ocorrência de variáveis mais representativas. (BUSS, 1987, p. 106).

Nesta mesma linha de pesquisa, mas com enfoque técnico e com vistas ao planejamento e avaliação de impacto ambiental, há de se considerar ainda o trabalho de Góes (1987) sobre o potencial turístico do litoral alagoano. Góes (1987) classificou o litoral alagoano em dez ambientes através da construção de mapas digitais com o intuito de monitorar a evolução ambiental e os seus impactos.

Uma referência obrigatória nas pesquisas da geografia do turismo no Brasil é o conjunto de trabalhos da professora Adyr Balastreri Rodrigues (1988; 1991; 1996; 1997; 1997a; 2006). Esta geógrafa da Universidade de São Paulo (USP) está preocupada principalmente com os impactos sócio-ambientais do turismo no litoral e com as discussões teórico-metodológicas da geografia do turismo. Rodrigues (1991) aprofunda suas reflexões sobre o espaço turístico em dois trabalhos: Enfoque geográfico do espaço do turismo:

algumas reflexões e Turismo e espaço: rumo ao conhecimento transdisciplinar.

Rodrigues (1996 e 1997) reúne em uma parte da obra importantes reflexões sobre o modelo sol e praia. Na pesquisa, contribuíram também dos seguintes pesquisadores: Benevides (1996), Marcelino (1996), Almeida (1996) e Segui Llinas (1996), além da própria geógrafa que discute o histórico da política nacional do turismo destacando o PRODETUR- NE (Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste).

Marcelino (1996) discute os aspectos referentes ao uso e ocupação do espaço litorâneo e à segregação social e espacial relacionadas à atividade turística no Rio Grande do Norte e Almeida (1996) analisa os novos territórios turísticos do litoral cearense, questionando os novos espaços e cenários futuros produzidos pelo turismo de sol e praia

Rodrigues (1996) e Benevides (1996) criticam o modelo territorial sol e praia implantado no Nordeste brasileiro pelo PRODETUR-NE. Rodrigues (1996, p. 152) alerta que a política do PRODETUR-NE está desarticulada com outros planos de desenvolvimento do turismo implantados no mesmo período, não havendo “preocupações com a ordenação e a gestão do território, não expressando o interesse pela estruturação das formas e ações em nível espacial”. Em outras palavras, a questão geográfica é apenas aparente:

Mais grave ainda é o descaso como planejamento territorial, ignorando-se as especificidades regionais desconhecendo-se o lugar, que expressa o desenrolar solidário da vida cotidiana – por si só recurso turístico de primeira grandeza – porque pressupõe autencidade (RODRIGUES, 1996, p. 151).

Benevides (1996), por sua vez, discute de forma geral alguns aspectos e dimensões do turismo no Estado do Ceará e o papel do PRODETUR-NE como um “novo” instrumento de desenvolvimento regional através de ações coordenadas pelo poder público. As conclusões de Benevides (1996) já denunciavam que a estratégia de planejamento territorial do PRODETUR-NE, como política de governo, poderia suscitar uma transformação profunda no comportamento e nas expectativas da população receptora, com a entrada e previsão dos investimentos:

[...] da antiga “metáfora do sol” no Ceará, onde até o tempo nublado é saudoso no linguajar popular de origem rural como “tempo bonito”... O sol, de antigo portador da inclemências e flagelos das secas, passa a ser veículo irradiador de novos e bons tempos de prazeres e lazeres de águas tropicalientes[...] (BENEVIDES, 1996, p. 173-174).

A temática sol e praia também tem destaque nos trabalhos de Cruz (2000). A geógrafa Rita de Cássia Cruz trata de discutir as políticas regionais de turismo e o (re) ordenamento dos territórios no litoral do Nordeste brasileiro. A pesquisadora preocupa-se em desvendar a política de megaprojetos turísticos e o PRODETUR-NE, questionando a expansão das fronteiras espaciais do turismo:

As políticas de megaprojetos e PRODETUR-NE são exemplos nacionais de um processo mundial de expansão das fronteiras espaciais do turismo, da apropriação privada de espaços movida pela atividade turística, da transformação do espaço em mercadoria, do triunfo do valor da troca em relação ao valor de uso do espaço e de uma integrante supremacia do turismo – na competição com outras atividades produtivas – que tem por finalidade a construção e reconstrução do espaço para o seu uso. (CRUZ, 2000, p.156).

A geografia do turismo, considerada uma especialização da geografia, preocupa-se cada vez mais em desvendar o espaço turístico e suas especificidades. Mais recentemente, a disciplina tem enfocado o sujeito, recorrendo-se à percepção geográfica que remete ao imaginário coletivo, buscando apoio na Psicologia e na Antropologia Social.

Nessa linha de investigação e com vistas às tendências do desenvolvimento sustentável, Coriolano (2004) defendeu a Tese Turismo, territórios e sujeitos nos discursos e

nas práticas políticas, no Núcleo de Pós Graduação em Geografia (NPGEO) da Universidade

Federal de Sergipe (UFS). Coriolano (2004) estuda o Estado do Ceará analisando o turismo contemporâneo, tendo como elementos chaves os sujeitos, os territórios e a política. Além disso, a autora examina as relações socioeconômicas e as políticas produtoras de territorialidades, vinculando-se à área da organização e dinâmica dos espaços regionais.

Coriolano (2004) optou por uma metodologia embasada nos estudos etnográficos seguida de revisão bibliográfica, conceitos relativos ao território, desenvolvimento regional, lugar, lazer, turismo e a questão do discurso sobre o turismo, dentre outros derivados da geografia e do próprio turismo. Um outro ponto de destaque da obra é a discussão sobre o propósito do turismo comunitário. Segundo a referida autora, o segmento mostra indícios de novas formas e adaptações do turismo como atividade capitalista voltada mais ao homem do que ao capital.

Outra contribuição relevante da autora supracitada refere-se à reflexão sobre as teorias geográficas que buscam explicar o espaço turístico. Quanto a isso Coriolano conclui:

A maioria das teorias estruturalistas, funcionalistas e sistêmicas não chega a explicar as contradições, as inter-relações econômicas, sociais e políticas da produção dos espaços turísticos, dos serviços e desse lazer. Não basta conhecer a forma, a estrutura, a função e o sistema turístico, mas explicar e teorizar, identificando as determinações, contradições e negações. As metodologias positivistas não oferecem possibilidade para a produção de uma inteligibilidade do mundo e particularmente do turismo. E ainda porque produzir teorias geográficas ou para o turismo implica superar a aplicação de matrizes, modelos e teorias importadas e explicar a realidade com novos arcabouços teóricos. (CORIOLANO, 2004, p. 257).

Coriolano et al. (2005) critica a formação dos territórios turísticos, argumentando que estes “são a um só tempo o lugar das estratégias para o capital, do espetáculo e do embevecimento dos visitantes e das resistências dos residentes. Nem todos os residentes resistem, a maioria se adapta ao sistema de produção do turismo”. A geógrafa argumenta que um território “turistificado” é um lugar onde ocorrem conflitos:

A geografia estuda a dimensão territorial do turismo, entendendo território como um espaço de relações e poder, como lócus de conflitos, que necessita de controle social. Diz-se que um território está ‘turistificado’ quando foi alvo da interferência de políticas públicas e privadas, apresentando atividades hegemonicamente priorizadas aos turistas e não aos residentes. (CORIOLANO, 2005, p. 119).

A dimensão territorial do turismo no litoral e a “turistificação” dos lugares é também verificada na pesquisa de Lima (2006). A pesquisadora aborda o crescimento do turismo e dos serviços que ele requer para a sua reprodução, sua utilização para promover o desenvolvimento local e regional, bem como, sua capacidade de criar e requalificar espaços com repercussões nas forças geográficas. Dessa forma, Lima (2006, p.44) ressalta a “relação entre urbanização e turismo como realidades afins, uma vez que o turismo se expande significantemente com a produção de bens e serviços”.

Lima (2006) realizou uma análise da dinâmica espaço-temporal no litoral Sul de Pernambuco baseado no modelo evolutivo de Butler (1980). A pesquisadora optou por trabalhar sob dois enfoques geográficos. O primeiro está embasado na dinâmica urbana e regional, articulada ao modelo de relações espaciais centro-periferia explorando as redes de relações dos padrões territoriais do turismo. E o segundo, na natureza evolutiva ou dinâmica das destinações turísticas.

A dissertação de Lima (2006) realiza ainda uma breve discussão sobre os modelos espaciais aplicados aos estudos da geografia do turismo nos últimos anos e avalia a contribuição da geografia para os estudos do turismo argumentando que:

A geografia do turismo surge como um novo ramo do conhecimento geográfico, o qual, por sua vez, origina novos campos de investigação, a fim de estudar a função turística e toda sua complexidade. Os métodos da ciência geográfica contribuem para a definição, ou mesmo construção do seu objeto científico submetendo-o a operações de análise e síntese, através de seus conceitos e modelos. (LIMA, 2006, p.37).

Outro elemento abordado nos estudos de geografia do turismo é a produção da segunda residência. Nesta temática, um dos primeiros estudos de destaque é a Dissertação de Mestrado de Seabra (1979) intitulada A Muralha que Cerca o Mar - Uma modalidade de Uso do Solo Urbano.

A pesquisadora Scroferneker (1983) segue a tendência de Seabra e apresenta ao Programa de Pós Graduação de Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul a Dissertação de Mestrado Uma Tipologia Turística de um Modelo de Avaliação Qualitativa do Espaço Turístico. Scroferneker (1983) discute a segregação espacial dos loteamentos para segunda residência e o papel do Estado ao fazer investimentos públicos em infra-estruturas para servir os loteamentos. O trabalho de Scroferneker (1983) tem como objetivo elaborar uma tipologia de turismo que permita a construção de um modelo de avaliação qualitativa do espaço turístico, considerando o papel

exercido pela variável renda na qualificação deste espaço. A pesquisadora realiza uma retrospectiva sobre a evolução do turismo, inclusive no Brasil e no Rio Grande do Sul, definindo o turismo e seu campo de abrangência. Na pesquisa, Scroferneker (1983) identifica os fatores indispensáveis para elaboração de uma tipologia, onde se considera: a) a combinação das variáveis tempo, distância e custo/renda; b) a atuação dos motivos que induzem ao turismo. E por último, a proposta da tipologia é apresentada destacando entre os tipos de turismo, aquele que permite a construção de um modelo capaz de melhor expressar a qualidade do espaço ocupado. Tem-se então, a proposição de alguns indicadores, considerados significativos para avaliação da qualidade do espaço, com intuito de definir o padrão de renda do público que o consome.

Uma referência recente para os estudos dos espaços litorâneos, bem como a segunda residência, são as obras de Dantas (2006, 2008, 2010) que analisam as transformações urbanas e o efeito social causado pela moda de morar na beira-mar. O pesquisador dedicou-se em desvendar a vilegiatura marítima no Nordeste brasileiro especificamente nas regiões metropolitanas e nos municípios litorâneos dos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia.

Dantas (2008) argumenta que a lógica de incremento do turismo no litoral do Nordeste é alavancada pelo PRODETUR-NE. Segundo este geógrafo, tal lógica transforma as zonas de praia em mercadoria nobre, resultando na modificação radical da paisagem litorânea. O referido autor demonstrou o perfil da demanda turística e da hospedagem, e concluiu que a segunda residência nas metrópoles nordestinas é a expressão da valorização dos espaços litorâneos e da crescente urbanização das zonas de praias. Vale ressaltar que Dantas (2008) propõe uma atenção mais apurada das análises urbanas empreendidas pela geografia:

Com a vilegiatura marítima, associada na contemporaneidade ao turismo litorâneo, as zonas de praia das cidades litorâneas tropicais são redescobertas. Se anteriormente falávamos de eclipse parcial do mar, atualmente ele é descortinado em sua totalidade. A cidade e seus citadinos redescobrem parte esquecida em suas geografias, denotando necessidade de releitura de arcabouço teórico metodológico até então empregado na análise urbana. Resta-nos, suplantar tradição nos estudos empreendidos (DANTAS, 2008, p.9).

Em relação à maritimidade nos trópicos, Dantas (2010) apresenta um estudo em torno da geografia do litoral conduzindo a uma reflexão sobre a importância adquirida pelo mar e o marítimo na atualidade, principalmente nos países tropicais e em via de desenvolvimento.

A análise empreendida no trabalho ora elaborado auxilia na compreensão dos elementos delineadores do Nordeste turístico. Enfoque fundamentado no imaginário social nordestino permite apreender como uma região não turística, em período de tempo tão curto, aproximadamente dezessete anos, transforma-se em ponto

privilegiado das destinações turísticas internacionais e, principalmente nacionais. (DANTAS, 2010, p. 116).

No âmbito da sustentabilidade ambiental destaca-se mais recentemente a obra Redes de monitoramento socioambiental e tramas da sustentabilidade de Rosemeri Melo e Souza (2007). Melo e Souza (2007) aborda as dimensões da sustentabilidade, os parâmetros e os indicadores biofísicos, tendo a comunidade pesqueira de Piaçabuçu, em Alagoas, como área de estudo. Melo e Souza (2008) discute ainda a hermenêutica da sustentabilidade na perspectiva dos gestores ambientais, bem como alguns instrumentos de gestão ambiental aplicados em comunidades litorâneas, a exemplo do Programa de Gerenciamento Costeiro (GERCO) e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

Na fase atual, observa-se uma forte preocupação com o cenário ambiental e todas as questões referentes ao desenvolvimento de atividades que o impactam. A produção e o consumo do espaço turístico do litoral brasileiro, a avaliação custo-benefício da implementação dos equipamentos turísticos, bem como o papel do Estado, principalmente em áreas litorâneas são temas que demonstram a atualidade e a dinâmica dos estudos de geografia do turismo no Brasil.

Essa tendência também é verificada em Sergipe. A geografia do litoral ocupa um espaço importante na análise geográfica sergipana, seja do ponto de vista físico, principalmente geomorfológico, seja como uma visão mais humana do processo de ocupação territorial da produção do espaço litorâneo e da formação de territorialidades associadas a uma série de vetores geográficos (VILAR, 2008). A seguir enveredamos pelos principais estudos referentes à zona costeira sergipana e às atividades realizadas neste espaço territorial.