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3. TERRITÓRIO, MEIO AMBIENTE E TURISMO NO LITORAL DE SERGIPE

3.1 O processo de ocupação territorial

A ocupação da faixa litorânea do Brasil vem ocorrendo desde o período colonial, inicialmente para as atividades portuárias com um caráter primário de exportação. Em um segundo momento houve uma intensificação no uso dos ecossistemas litorâneos, principalmente os ambientes lagunares e estuarinos, em função das atividades industriais e urbanas. (AB’SABER, 2001).

Dantas (2009) argumenta que a configuração da estratégia de ocupação do litoral brasileiro foi adotada pelo colonizador europeu com os objetivos de atender a demanda do comércio ultramarinho e de fortalecer a política de defesa do território:

Em virtude das variáveis tecnológicas e socioeconômicas envolvidas na época colonial, os litorais se constituíam como ponto privilegiado de ocupação e penetração do continente. Pautado em núcleos urbanos litorâneos, com seus portos e fortes, configura-se processo que, conforme Vidal de La Blache (1995) convida o interior a se abrir, mediante penetração baseada em vias naturais condutoras ao mar: os estuários fluviais, os rios e, na falta destes pontos de penetração, outros de menor resistência. Nestes termos, as cidades litorâneas tropicais passam a desempenhar papel fundamental no processo de ocupação do território, e deixam, até mesmo, marcas visíveis na estruturação da rede urbana e da paisagem percebida até meados da primeira metade do século XX. (DANTAS, 1989, p. 43).

O padrão colonial de assentamento do litoral brasileiro é denominado por Moraes (2007) de bacia de drenagem, pois reproduz um desenho na estruturação da rede de circulação no qual todos os caminhos demandam a um eixo principal, e este finaliza seu percurso num porto marítimo, geralmente situado numa baía ou num estuário.

A instauração de cidade primaz, situada junto ou próxima ao mar, dispondo de forte e porto era imprescindível no estabelecimento de contatos com a Europa (troca de bens materiais e imateriais), no domínio da hinterlândia e na defesa de ataques inimigos de índios e/ ou europeus. Os espaços litorâneos, enquanto bordas continentais, constituem também as áreas de trânsito entre as produções da hinterlândia e as eventuais vias marítimas de sua distribuição. (CORRÊA, 1989).

De acordo com Moraes (2007), a ocupação do espaço litorâneo brasileiro durante o período colonial foi formado por quatro conjuntos principais:

1) Litoral oriental da zona da mata nordestina, área polarizada por Olinda e Recife ; (...)

2) Recôncavo baiano, área polarizada pela cidade de Salvador, sede do governo geral durante boa parte do período colonial; (...)

3) Litoral fluminense, área polarizada pela cidade do Rio de Janeiro, que conhece grande crescimento ao abrigar a corte portuguesa no início do século XIX; (...) 4) Litoral paulista, área polarizada por Santos/ São Vicente, que por sua vez se articulam com sistema paulistano no planalto (o qual envolve uma rede de povoações e caminhos demandando diversas direções no interior). (MORAES, 2007, p.34).

Os eixos de ocupação territorial do litoral brasileiro no período colonial podem ser adequadamente visualizados na Figura 8. O mapa mostra a supremacia das cidades de Recife e Olinda, Salvador, Rio de Janeiro e Santos em relação às demais. O conjunto mais expressivo das cidades portuárias foi estruturado como uma rede de circulação em um padrão descontínuo, onde se identificam zonas de adensamento e núcleos pontuais de assentamentos entremeados por vastas porções não ocupadas pelos colonizadores. As cidades litorâneas portuárias contribuíram significativamente no processo de ocupação do território do litoral brasileiro e deixaram marcas na paisagem e na estruturação da rede urbana.

Esta estrutura é mantida e fortalecida no século XIX com a incorporação de inovações tecnológicas, como a navegação a vapor associada à estrada de ferro, ambas permitindo fortalecimento das cidades litorâneas na lógica da organização do espaço. Todavia, no final do século XIX e início do século XX, esta estrutura de organização do litoral é marcada pela implementação das práticas marítimas modernas pela elite do Brasil, como por exemplo, os banhos de mar com fins terapêuticos. (DANTAS, 2004).

A origem do banho de mar nas praias brasileiras está associada ao período em que a corte portuguesa estava instalada no Rio de Janeiro. Vale ressaltar as recomendações dadas a D. João VI para o banho de mar como cura para uma doença que afligia Sua Majestade. Nas cercanias da residência real, o Paço da Quinta da Boa Vista, foi instalada uma “Casa de Banhos”, com vestiário e lugar de repouso para o rei em suas incursões à praia de São Cristóvão. (ANDREATTA, CHIAVARI e REGO, 2009).

Figura 8 – Ocupação do Espaço Litorâneo Brasileiro durante o Período Colonial

Fonte: Moraes, 2007. Organização: Letícia Lima

Este fato modificou a percepção e atitude das pessoas em relação ao mar. Tal movimento é seguido e potencializado pela vilegiatura marítima e, mais recentemente, pelo turismo litorâneo associado ao banho de sol, ambos representativos de um estilo de vida cujos

desdobramentos reduzem a importância dos banhos de mar com fins curativos dando lugar às práticas de lazer (URBAIN, 1996).

Os estudos de Dantas (2004, 2009) afirmam que a mudança de comportamento nos ambientes litorâneos brasileiros sofreu uma adequação ao fluxo de informação originária dos países desenvolvidos. Argumenta-se que a urbanização da orla marítima das cidades e a incorporação das práticas marítimas por determinados segmentos da sociedade brasileira foram influenciadas por inovações advindas da Europa Ocidental e da América do Norte.

O banho de mar com fins terapêuticos e a vilegiatura representam a consolidação das primeiras práticas marítimas modernas no país em evidência. Em virtude de transformações socioeconômicas implementadas, sobretudo no final do século XX, tais práticas evoluem com a eclosão, de um lado, da vilegiatura praticada pelas classes médias e, de outro, do turismo litorâneo nacional, indicando quadro reforçador de demanda tradicionalmente externada pelas classes mais abastadas. (DANTAS, 2009, p. 23).

Essa demanda majoritariamente turística, originária de um turismo balneário nascido do turismo de massa dos países desenvolvidos, penetrou primeiro no Rio de Janeiro e em seguida difundiu-se em outras cidades litorâneas do Brasil. Sobre este aspecto Gomes (2002), Claval (2004) e Dantas (2004) afirmam ter ocorrido no Brasil, uma mudança de atitude da sociedade local em relação aos espaços litorâneos, em consonância com a racionalidade higienista e a descoberta das benesses dos banhos de mar e com o desejo elitista de morar na praia, ocasionalmente (vilegiatura - segunda residência) ou permanentemente (habitação - residência principal), como já visto no capitulo anterior.

Com relação ao fenômeno das segundas residências no litoral brasileiro, Moraes (2007, p. 38) argumenta que estas “podem ser apontadas como o fator numericamente mais expressivo e impactante da urbanização litorânea, pois ocorrem ao longo de toda a costa, revelando um dinamismo que se mantém mesmo em período de crise acentuada”.

Há que se considerar ainda a industrialização. No período pós-guerra houve uma consolidação do domínio econômico urbano-industrial no Brasil. Os setores ligados ao transporte marítimo sejam pela incorporação de insumos ou pela exportação da produção localizaram suas plantas industriais prioritariamente na zona costeira.

A industrialização não pode ser desprezada na avaliação dos vetores da veloz e intensa ocupação da costa brasileira nas ultimas décadas. Apesar de sua presença se manifestar de forma pontual e concentrada, de certo modo acentuando o padrão histórico de assentamento (pois, salvo raras exceções, a indústria vai localizar-se na periferia das capitais e nas zonas de adensamento populacional) (MORAES, 2007, p. 38).

A atividade industrial contribuiu na conformação das atuais regiões metropolitanas da zona costeira, pois o dinamismo da atividade estimula a formação de um amplo setor gerador de serviços e de produtos conexos, atraindo assim, fluxos migratórios para os locais das instalações industriais. Apesar da constante pressão industrial são encontrados na zona costeira brasileira áreas de ocupação bastante incipiente, pois estas ainda não se submeteram à lógica do mercado capitalista das terras.

A crescente urbanização do litoral brasileiro tem se consolidado enquanto fenômeno de valorização da costa por razões históricas, econômicas, culturais e ambientais, as quais representam espaços de lazer, recreação e de múltiplas possibilidades de usos. Por conta disso, a urbanização do litoral brasileiro vem se consolidar pela implantação de loteamentos, condomínios verticais e horizontais para fins de segunda residência e de complexos hoteleiros e resorts para o mercado turístico nacional e internacional em áreas privilegiadas pela beleza cênica (DIEGUES, 2001).

Como se pode observar, a zona costeira brasileira é considerada uma área de contrastes, configurando-se, por isso, em um campo privilegiado para o estudo de diferentes estratégias de gestão ambiental. Em algumas porções do litoral são encontradas áreas com intensa urbanização, atividades portuárias e industriais relevantes, bem como, exploração turística em larga escala, como no caso das metrópoles e centros regionais litorâneos em grande parte localizadas em áreas estuarinas e baias, considerados centros difusores dos primeiros movimentos de ocupação do Brasil, por constituírem-se naturalmente, áreas abrigadas.

Em outras porções, os espaços litorâneos do Brasil são permeados por áreas de baixa densidade de ocupação e ocorrência de ecossistemas de grande significado ambientais, que, no entanto, vem sendo objeto de acelerado processo de ocupação, demandando ações preventivas e de direcionamento das tendências associadas à dinâmica econômica emergente, a exemplo do turismo e da segunda residência.

Nas duas situações, os elementos comuns são: a diversidade dos problemas, a fragilidade dos ambientes e a complexidade de sua gestão, responsáveis por uma demanda enorme de estudos e pesquisas, além de mobilização dos diversos atores envolvidos e de intervenções integradas. A atividade turística destaca-se na perspectiva de futuro, porque é um dos setores produtivos que mais cresce na zona costeira na atualidade. A importância do setor pode ser mensurada com a ação do Estado na tentativa de ordenamento através de um dos maiores planos estatais da atualidade, o PRODETUR-NE (MORAES, 2007).

O litoral nordestino apresenta cerca de 3.300 km de praias e predomínio de clima tropical, além de paisagens cênicas exuberantes, conferindo-lhe atratividade turística de destaque. Além disso, beneficia-se do turismo predominante no mundo, o modelo sol e praia. Na tentativa de explorar esse modelo territorial e na busca de desenvolvimento econômico através da atividade turística foram implantadas no Nordeste duas políticas de turismo a partir da década de 80: a política de megaprojetos turísticos e o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste, o PRODETUR-NE (CRUZ, 2000).

O turismo de sol e praia é apontado como um dos principais vetores econômicos na Região Nordeste implicando na adoção de políticas econômicas que culminaram no fortalecimento da lógica de organização e ocupação do espaço costeiro da Região Nordeste. Percebe-se a concentração de recursos públicos, investimentos privados e fluxos turísticos principalmente nos Estados de Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, promovendo assim, uma fragmentação da região do “Nordeste turístico”, associado às imagens representativas da maritimidade nas capitais e metrópoles litorâneas nordestinas. (DANTAS, 2006).

Cruz (2000, p. 78) explica que a política de megaprojetos e o PRODETUR-NE “obedeceram a um modelo longitudinal de urbanização turística, e que a localização da infra- estrutura acompanha a disposição espacial dos atrativos, nesse caso, fundamentalmente a praia”, seguindo o exemplo das praias mexicanas de Manzanillo, Acapulco e Cancún.

Os estudos realizados por Cruz (2000), Coriolano (2004), Rodrigues (2006), e Dantas (2008) confirmam a inserção e trajetória dos investimentos do PRODETUR-NE no litoral do Nordeste brasileiro e enfatizam o fortalecimento da lógica de organização e ocupação do espaço litorâneo, consolidando a implantação de infra-estrutura básica e turística, valorizando e transformando a paisagem litorânea.

No caso específico do litoral sergipano, o processo de ocupação territorial está basicamente dividido em três fases. A primeira fase se dá com a investida dos jesuítas, sob o pretexto de catequizar os índios. O segundo momento ocorre a partir da instalação definitiva dos portugueses em terras de Sergipe D’el Rey, e a terceira acontece com a expansão para o agreste em busca da procura de minas de prata, salitre e da captura de índios (DINIZ, 1981).

A ocupação do litoral sergipano teve início no final do século XVI com a finalidade de estabelecer a continuidade territorial entre Salvador e Olinda, principais centros urbanos no período colonial, como demonstrou a Figura 8. Outros fatores decisivos para a ocupação foi a tentativa de restringir a presença e influência da ocupação francesa sobre os indígenas e submeter ao império português as tribos que dominavam o litoral sergipano e assim,

confirmar o domínio da posse da terra através do povoamento do território (VILAR e VIEIRA, 2004).

As principais atividades econômicas que se destacaram no processo de formação territorial do litoral sergipano foram a cana-de-açúcar e a pecuária que se estabeleceu em todo o Estado. No século XIX a necessidade de conectividade e fluidez da atividade agroexportadora de Sergipe viabilizou a construção de portos e embarcadores para a consolidação econômica do Estado. Desta forma, Aracaju e o restante do litoral sergipano passaram por processos semelhantes, embora com intensidade diferente, arquitetando uma via estuarina que conectava as cidades localizadas nos fundos dos vales fluviais com a foz e com o mundo (FONSECA, VILAR e SANTOS, 2009).

O isolamento relativo dos espaços costeiros ao longo de grande parte da história territorial sergipana é algo também a ser ressaltado, ainda que poucos estudos tenham dado a devida ênfase a esse fenômeno. As conexões territoriais das praias e do litoral strito senso era muito pequena na medida em que se privilegiava a segurança do interior e não havia a valorização social da praia como objeto de uso variado, como se observa hoje, principalmente associada ao turismo, ao lazer e ao fenômeno da segunda residência (VILAR, 2005, p.3417).

A partir do início do século XX, a estrutura territorial dos ambientes litorâneos sofreu transformações sensíveis em sua dinâmica geográfica. O domínio dos meios de transporte terrestre, num primeiro momento a ferrovia e posteriormente o protagonismo das rodovias, evidenciam uma nova lógica de organização e estruturação do território litorâneo sergipano.

Fica evidente que o litoral de Sergipe sofreu transformações marcantes em sua dinâmica geográfica ao longo da história. A Rodovia SE-100, as pontes, as atividades econômicas e os empreendimentos imobiliários são considerados os principais indutores de ocupação atual da região. A indústria, a urbanização, o turismo e a valorização social das praias também intensificam uma ocupação mais recente.

O processo de ocupação territorial do litoral Sul Sergipe é semelhante ao do litoral brasileiro e sergipano como um todo, predominando a “dominação colonial” e a “domesticação dos estuários” (BERTRAND, 2000). Os elos geográficos, no período colonial foram estruturados através de uma bacia dentrítica, cuja conexão se dava entre o interior e o litoral, ou seja, no sentido oeste-leste. Os embarcadouros da Capivara e do Crasto, situados em Estância e Santa Luzia do Itanhy, respectivamente, registram-se como via estuarina e contribuíram para dar suporte e fluidez à economia agroexportadora de Sergipe na época. (DINIZ, 1987).

De acordo com Vilar e Vieira (2004), a desconexão territorial entre os litorais sergipanos vai sofrer a primeira grande mudança na primeira metade do século XX, quando se

começa a abrir as estradas e Aracaju se consolida como o grande centro administrativo do Estado. Até esse momento, havia uma maior vinculação de Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba com Salvador do que com a capital sergipana. No litoral Sul, somente São Cristóvão mantém uma vinculação fluvial e terrestre com Aracaju, desde o século XIX. Há uma série de registros históricos que demonstram essa mudança no desenho territorial dos municípios do litoral Sul.

A partir da década de trinta, começou a se desenvolver uma região mais densa de estradas de rodagem. A penetração, em larga escala, do automóvel, sobretudo a partir de 1940, acentuou a importância de Aracaju na região. Todas as linhas-tronco do Estado foram construídas a partir da Capital para o sudoeste, oeste, noroeste e norte, formando uma rede radial de estradas, modelo tipicamente ‘colonial’, que facilitava a penetração e a drenagem dos recursos da vasta hinterlândia (DINIZ, 1987, p.74).

O município de Santa Luzia do Itanhy, localizado no Litoral Sul, destaca-se pelo povoamento mais antigo de Sergipe, e também por dar origem às cidades de Estância e Indiaroba, que surgiram a partir do seu desmembramento. Todavia, Estância obteve maiores vantagens econômicas, já que a sua localização e a proximidade com a Bahia favoreciam as principais rotas comerciais e colocaram-na em destaque, a partir do século XVIII. São Cristóvão tem igual importância histórica, fundada no século XVI, foi capital da província até o século XIX, é a quarta cidade mais antiga do país, e foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1967.

A Praça São Francisco, em São Cristóvão, congrega um dos mais importantes conjuntos de atrativos históricos, culturais e arquitetônicos que compõem a paisagem histórica e turística de Sergipe. Nesse complexo arquitetônico destacam-se: os casarios, a vista da Igreja e do Convento de São Francisco, onde funciona o Museu de Arte Sacra e o Museu Histórico de Sergipe. Em 2010, o reconhecimento do valor universal da Praça São Francisco lhe conferiu a condição de Patrimônio da Humanidade, pela UNESCO. Este título contribuirá com o fortalecimento dos destinos turísticos ofertados nos roteiros de Sergipe.