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Segunda residência e as possibilidades de análises geográficas

2. GEOGRAFIA e TURISMO: reflexões teóricas e revisão de literatura

2.4 Segunda residência e as possibilidades de análises geográficas

Os estudos sobre a segunda residência estão ligados ao lazer e ao tempo livre. Esta temática é abordada em uma visão sociológica por Krippendorf, em uma de suas principais obras, Sociologia do turismo, publicado originalmente em 1984. Krippendorf (2000) realiza uma crítica ao modelo existencial da sociedade industrial: trabalho- moradia – lazer – viagem. O modelo apresentado na Figura 6 analisa de forma sistêmica a sociedade, e consequentemente o lazer, as viagens e o turismo.

Para Krippendorf (2000), o que motiva um indivíduo a viajar, a procurar lá fora o que não encontra dentro de si e no seu cotidiano, não é tanto o resultado de um impulso pessoal quanto à influência do meio social, que fornece a cada um as suas normas existenciais.

A possibilidade de sair, de viajar, reveste-se com toda a evidência, de uma grande importância. Afinal, o cotidiano só é suportável se podemos escapar do mesmo, sem o que o ser humano perde equilíbrio e adoece. O lazer, sobretudo as viagens, deve atrair raios de cor na tela cinzenta da existência. Elas devem reconstituir – reciclar – o homem, curar e sustentar o corpo e a alma, proporcionar uma fonte de forças vitais e trazer um sentido à vida.

(KRIPPENDORF, 2000, p. 40).

O modelo desenvolvido por Krippendorf (2000) demonstra a influência que o sistema de valores criado pela sociedade industrial (ter e ser) exerce sobre o comportamento, o lazer e as viagens do ser humano. Nesta perspectiva, viajar significa ter prestígio social, pois viajar nas férias tornou-se quase obrigatório. Uma das perguntas mais realizadas no período de férias é ‘para onde você vai viajar’? Esse fenômeno de ‘ter’ que viajar nas férias o autor denominou como “maquinaria das férias ou ciclo da reconstituição”.

Os diferentes territórios turísticos gerados pelas práticas sócio-espaciais do lazer e turismo conforme nos relata Krippendorf (2000) em uma abordagem sociológica também são estudados em diferentes perspectivas por outros pesquisadores tanto da geografia como do turismo.

No que tange especificamente ao tema desta pesquisa, Sánchez (1985) argumenta que a dinâmica territorializadora do turismo de sol e praia está ligada ao lazer e à valorização social dos recursos físicos. Corroborando com Sánchez (1985, 1991), Knafou (1997) e Crouch (1999) também estudam o lazer defendendo que a ênfase no indivíduo e em suas práticas sócio-espaciais não permite distinguir onde começa o turismo e onde acaba o lazer como aproveitamento do tempo livre.

Figura 6 – Modelo existencial da sociedade industrial de Krippendorf .

Fonte: Krippendorf (2000, p. 26).

Para explicar a metodologia de análise do turismo de sol e praia, Sánchez (1991) considera-o como uma ação que territorializa os espaços, e verifica duas formas de utilização deste espaço. O lazer ou as atividades ociosas estão no cerne desta relação, que pode estabelecer ou não vínculos territoriais:

Al hablar del turismo como de aquella utilización temporal de un espacio distinto al de residencia habitual, donde se pretende desarrollar un conjunto de actividades "ociosas", aparecen dos grandes tipos de relación con el espacio. En primer lugar, y en sentido más estricto, se da un turismo que no establece vínculos territoriales

permanentes con el espacio de ocio al que se dirige. En segundo lugar, encontramos un turismo permanente en el uso del mismo espacio, lo cual habrá dado lugar a alguna forma de vínculo territorial psicosociológico, generándose lo que se ha denominado como residencia secundaria. Para ello previamente se ha tenido que construir y adquirir o alquilar, un cierto espacio residencial, con la intención de repetir su uso en función de una cierta apropiación de este espacio. Se trata de dos formas de consumir espacio de ocio que se encuentran normalmente en todo ámbito turístico, en nuestro caso litoral, aunque combinadas en grados distintos, lo que a su vez dar lugar a articulaciones espaciales diferenciadas. A pesar de estas diferencias, la metodología de análisis debe ser la misma, por cuanto ambos han acudido al mismo lugar para aprovechar el mismo tipo de ambiente y para satisfacer prácticamente los mismos deseos12 (SÁNCHEZ, 1991, p. 160).

Desta forma, são identificadas por Sánchez (1991) duas situações distintas. A primeira refere-se ao turista que se hospeda em hotéis, pousadas, e outros meios de hospedagem, que não estabelece vínculos territoriais permanentes com o espaço de lazer a que se dirige. E a segunda situação refere-se a um tipo de turismo permanente no uso do mesmo espaço, o qual o autor denomina de vínculo territorial psicológico, que são as segundas residências.

De acordo com Tulik (2000, p. 196):

As residências secundárias são alojamentos turísticos particulares, utilizados temporariamente, nos momentos de lazer, por pessoas que têm seu domicílio permanentemente em outro lugar. Esse conceito está ligado ao imóvel e não à condição da propriedade, ou seja, ao fato de ser próprio alugado ou emprestado. Residências secundárias significam uma relação permanente entre origem e destino, uma vez que se estabelece regularidade entre saídas, chegadas e retornos.

Na mesma linha de investigação, Lundgren (1974) propôs um modelo amplamente conhecido e difundido, que exemplifica de forma histórica como se deu a expansão geográfica das segundas residências, tendo como ponto de concentração as cidades que possuem bom nível de renda. O modelo de Lundgren (1974), conforme mostra a Figura 7, apresenta três etapas, mostrando as principais mudanças nas relações espaciais entre o centro urbano e uma região de segundas residências, tendo como referência a realidade canadense.

12 Ao falar em turismo como uma utilização temporária de uma área diferente da sua residência habitual, que

visa desenvolver um conjunto de atividades ociosas, existem dois tipos principais de relação com o espaço. Em primeiro lugar, e num sentido mais estrito, não há turismo que não estabelece vínculo territorial permanente, com espaço de lazer que se dirige. Em segundo lugar, encontramos um uso turístico permanente do espaço, que têm dado origem a alguma forma de vínculo territorial psico-sociológico, criando o que é denominado como uma segunda residência. Estes tiveram primeiramente que construir, comprar ou alugar, algum espaço residencial, com a intenção de repetir a sua utilização com base em uma apropriação desse espaço. Estas são duas maneiras de consumir espaço de entretenimento, normalmente encontrados em qualquer área do turismo, no caso do litoral, embora combinados em diferentes graus, que por sua vez levam a diferentes articulações espaciais. Apesar dessas diferenças, a metodologia de análise deve ser a mesma, já que ambos chegaram ao mesmo lugar para aproveitar o mesmo tipo de ambiente e para satisfazer praticamente os mesmos desejos. [Tradução Livre].

Figura 7 – Modelo de Lundgren (1974) para a expansão urbana e para as regiões de segunda Residência.

Fonte: PEARCE (2003, p.331) adaptada.

Na primeira fase, a demanda por um centro de tamanho médio ou pequeno gerou uma pequena região de segundas residências, situada de maneira bastante típica, em uma área de relevo acidentado, ou em torno de um lago, rio ou praia. Na segunda fase, a região de segundas residências se expande, sobretudo para fora da cidade à medida que a área urbana cresce, aumentando a demanda por segundas residências. Para Lundgren (1974), nesta fase a expansão interior das segundas residências tem um caráter mais urbano, enquanto a expansão exterior ainda conserva as características típicas do desenvolvimento das casas de férias.

Na terceira e última fase da seqüência, a região ocupada por segundas residências é absorvida pela metrópole em expansão, e hoje já faz parte da cidade propriamente dita, com as antigas segundas residências transformadas em habitações permanentes. Enquanto isso, uma região nova e mais distante de segundas residências se desenvolveu, uma vez que a demanda por acomodações de final de semana ou de férias não diminuiu, mas sim aumentou.

O surgimento das residências secundárias podem se estabelecer em zonas litorâneas, em balneários e regiões de fácil acesso com atrativos paisagístico, como em regiões montanhosas. De acordo com Lohmann e Netto (2008, p. 416) “elas surgem impulsionadas pela pressão urbana de uma metrópole industrial mais próxima, e estão diretamente

relacionadas com a condição econômica da região de origem, pois para se ter e se manter uma residência secundária, é necessário um nível financeiro alto”.

O estudo de Lundgren (1974) destaca que as fases (estável, transição e expansão) nas quais as segundas residências podem encontrar-se estão diretamente ligadas ao tamanho do centro urbano. Lundgren (1974) demonstra ainda que a expansão das segundas residências, na fase III, tem como ponto de concentração as cidades que possuem bom nível de renda.

A temática das segundas residências é bastante evidente em estudos canadenses devido à forte cultura das férias no país. A maioria das famílias de classe média do Canadá tem associação com o termo “cottage” ou chalé, conforme explica Jaakson (1986):

In Canada, by far the majority of second homes have a lake or other waterfront setting. The term cottage has an immediate meaning for the most Canadians, and brings with it widely shared associations. Cottage and lake are almost automatically associated with each other. For generations of middle class Canadian families, the “summer cottage at the lake” was a central part of family life and lore13. (JAAKSON, 1986, p. 371).

Jaakson (1986) estudou amplamente esse fenômeno defendendo que as segundas residências constituem em um importante componente para o incremento do turismo doméstico. Em sua pesquisa, o professor discute o que significa ser um turista de segunda residência: Quais são as atrações dos proprietários de segunda residência? Que significado as segundas residências tem para os seus proprietários? Que tipo de satisfação e utilidades as segundas residências oferecem aos seus proprietários?

Para explicar essas questões, Jaakson (1986) estudou 300 (trezentos) turistas de segunda residência em um período de aproximadamente 20 (vinte) anos. Sendo assim, foi possível estabelecer 10 (dez) elementos para a melhor compreensão da temática. São eles: rotina e novidade; inversão; retorno a natureza; identidade; idealismo; continuidade; trabalho; elitismo; aspiração e tempo e distância.

Outro importante trabalho sobre a temática das segundas residências é o estudo de Strapp (1988). O pesquisador aplicou o modelo de Butler (1980) em Sauble Beach, em Ontário no Canadá, uma região que atrai muitos turistas de “sand and beach” 14, e que também possui uma população de turistas de verão e residentes de finais de semana. O estudo

13No Canadá, a maioria das casas de segundas residência tem um lago ou estão de frente para água. O termo

cottage (ou chalé) tem um significado imediato para a maioria dos canadenses, e traz com ele uma variedade de associações compartilhadas. Chalé e lago são quase automaticamente associados um ao outro. Para as gerações de famílias de classe média canadenses, o chalé de verão no lago era parte central da vida em família.

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de Strapp (1988) é relevante para o aprimoramento desta pesquisa, pois o pesquisador discute algumas deficiências da aplicação do modelo em áreas de segundas residências. Para Strapp (1988) na aplicação do TALC - Tourism Area Life Cycle - em áreas de segunda residência deve-se levar em consideração as diferenças do tempo de permanência gastos no local, que existem entre os turistas, residentes, e turistas de segunda residência:

The method proposed to equate the measurement of turists, cottagers, and resident is to employ the person-day concept. Analogous to the user day or tourist day, the person day is the sum of the number of visitors and residents times their length of stay. It differs from previous measures in the inclusion of residents, as well as second home owners and conventional tourists, in its calculation. To simplify the calculation, population with similar visitation patterns have been aggregated and multiplied by the mean of their time spent15. (STRAPP, 1988, p.509-510).

Em uma perspectiva mais cultural sobre as segundas residências, Girard e Gartner (1993) discutem a percepção dos proprietários de segunda residência em relação às instalações e serviços prestados pela população local e suas atitudes para com os impactos ambientais e sociais com o aumento de turistas de segunda residência no local. A pesquisa de Girard e Gartner (1993) foi aplicada na cidade de Cumberland, em Wisconsin, no condado de Barron, nos Estados Unidos. Foram incluídos também na área de estudo, os municípios de Maple Plain, Lake Land e Crystal Lake, que estão localizados em torno do centro metropolitano de Cumberland. Os entrevistados contribuíram com informações sobre atividades de lazer e recreação, taxa de impostos dos serviços cobrados, serviços de saúde, meio ambiente, aglomeração urbana, e os aumentos no setor do turismo em Wisconsin. Os resultados mostraram que os proprietários de casas de segunda residência podem influenciar nas instalações e serviços prestados pela população local e nos aspectos socioculturais da comunidade.

Girard e Gartner (1993) defendem que é necessária a realização de novos estudos sobre a percepção dos proprietários de segunda residência, uma vez que poucas pesquisas têm sido conclusivas nessa área. Segundo os referidos autores, as segundas residências constituem-se em um importante elemento do turismo interno em algumas áreas rurais e as atitudes dos proprietários das mesmas devem ser avaliadas, juntamente com as dos residentes locais.

15 O método propõe que para demonstrar a mensuração de turistas, ‘cottagers’, e residentes é necessário

empregar o conceito de pessoa-dia. Analogicamente, para o dia a dia do usuário ou turístico, o dia por pessoa é a soma do número de visitantes e moradores vezes o seu tempo de permanência. Ela difere das medidas anteriores na inclusão de moradores, bem como proprietários de segunda residência e os turistas convencionais, no seu cálculo. Para simplificar o cálculo, a população com padrões de visitação semelhantes foram agregados e multiplicados pela média do tempo gasto. [Tradução Livre].

Communities experiencing second home development surges may also be undergoing a sociocultural transformation. Some aspects of their community may change due to the urban influences brought by purchasers of second homes; in that those who come from large metropolitan areas may tend to produce subtle changes in the values held by the permanent residents over time. As a result, focusing on second home owners’ perceptions in terms of impressiveness and quality of community facilities and services, environment, and attitudes toward tourism development, has both economic growth implications for communities wishing to attract more tourism and sociocultural implications for hosts and guests16. (GIRARD e GARTNER, 1993, p.697).

No Brasil, segundo Becker (1995), o surgimento do fenômeno da segunda residência dá-se na década de 1950. Becker (1995) argumenta que o movimento ‘nacional- desenvolvimentismo’ foi responsável pela implantação da indústria automobilística, pela ascensão do rodoviarismo como matriz principal dos meios de transportes e pela emergência de novos estratos sociais médios e urbanos que, aos poucos, começaram a incorporar entre os seus valores sócio-culturais a ideologia do turismo e do lazer.

O veraneio ou o descanso dos fins de semana se transformaram em valor social cuja satisfação levaria o turismo, de um modo muitas vezes predatório e desordenado, a regiões acessíveis a grandes centros urbanos do Centro-Sul, e com atributos ambientais valorizados (zonas costeiras e/ou serranas). (BECKER, 1995, p. 10).

Apoiado em estudos internacionais e nacionais, Assis (2003) analisa as repercussões sócio-espaciais do turismo de segunda residência discutindo primeiramente três questões : a propriedade, a temporalidade e a finalidade das residências secundárias. A partir do exemplo brasileiro da Ilha de Itamaracá, Pernambuco, Assis (2003) argumenta que o tripé tempo-custo- distância pode definir a localização das segundas residências na zona urbana e rural e influenciar na concentração de construções em determinadas áreas.

Para explicar tal fenômeno, Assis (2003) fundamenta sua discussão na teoria das localidades de Christaller (1963) e nos modelos trifásicos de Lundgren (1974) e de Boyer (1980). Todavia o pesquisador adverte:

Estes modelos, apesar de apresentarem um “ciclo de vida” do turismo de segunda residência que é muito comum em diversos espaços do mundo, não podem ser

16 As comunidades que estão experimentando ou sofrendo os surtos de desenvolvimento de segunda residência

também podem estar passando por uma transformação sócio-cultural. Alguns aspectos de sua comunidade podem mudar devido às influências urbanas impostas pelos compradores de casas de segunda residência, nos quais aqueles que vêm das grandes cidades tendem a produzir mudanças sutis nos valores obtidos pelos residentes permanentes ao longo do tempo. Como resultado, o foco na percepção dos proprietários de segunda residência em termos da qualidade das instalações e serviços da comunidade, ambiente e atitudes em relação ao desenvolvimento do turismo, tem implicações no crescimento econômico para as comunidades que pretendem atrair mais turismo e implicações socioculturais para os anfitriões e convidados. [Tradução Livre].

considerados, a rigor, um padrão de reprodução desses alojamentos de finais de semana(...) os modelos nos ajudam a refletir sobre as realidades locais, a formular proposições sobre o futuro; mas não podemos, a partir de pressupostos deterministas, desconsiderar as diferenças espaciais e culturais dos lugares. As distintas realidades geradas pelas residências secundárias ratificam sua complexidade e requerem aos estudiosos desses alojamentos turísticos, cautela nas interpretações e generalizações das conclusões. (ASSIS, 2003, p.118).

Para Assis (2003), as repercussões espaciais positivas das segundas residências estão ligadas principalmente às transformações no campo do trabalho que, na maioria das vezes, proporcionam um incremento das atividades de serviços e comércio, criando maiores oportunidades de emprego e aumento de renda. Ademais, dentre as repercussões espaciais negativas o autor reporta-se ao crescimento desordenado das segundas residências sobre o comportamento dos moradores locais e aos conflitos sócio-culturais entre população veranista e a nativa.