• Nenhum resultado encontrado

A Geografia da Monarquia do Norte

____________________________________________________________________________________ 80 3.2.2 A acção contra-revolucionária, em nome da Carta.

3.3.2.1. A Geografia da Monarquia do Norte

Entretanto, a Junta tratou logo de estender, militarmente, o seu domínio e soberania a toda a província de Entre-Douro-e-Minho e depois a todo o norte. Nuns lugares por revolta local, noutros por imposição das forças militares idas do Porto, a restauração monárquica rapidamente se alargou a várias zonas do Norte do país, nos dias imediatos, concretamente a norte do Vouga e a Viseu. Porventura, terá sido fácil reimplantar a monarquia na maior parte das povoações de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Beira Alta porque as respectivas populações se mantinham fiéis ao ideal monárquico. “Só assim de compreende que muitas cidades e vilas tenham logo aceite a restauração da Monarquia”, como defende Veríssimo Serrão275.

Em oito cidades - Viana do Castelo, Braga, Guimarães, Porto, Bragança, Vila Real, Lamego e Viseu - bem como em numerosas vilas, a bandeira azul e branca da monarquia haveria de flutuar durante alguns dias ou semanas, substituindo a bandeira verde-rubra da República. Por exemplo, e até próximo do final de Janeiro, a soberania monárquica haveria de impôr-se em Cabeceiras de Basto, Fafe, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Barcelos, Valença, Régua, Matosinhos, Amarante, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Vila da Feira, Espinho e tantas outras localidades do litoral e interior norte do país.

A oeste, como refere Damão Peres276, o curso do Vouga marcava a fronteira entre as duas zonas politicas em que se dividira a nação portuguesa. Aveiro

274 Os decretos foram depois coligidos e publicados no Diario da Junta Governativa do Reino de

Portugal. Colecção Completa. Nºs 1 a 16 - 19 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 1919, Porto, J. Pereira

da Silva, s.d.

275

Cf. História de Portugal (1910-1926), vol. XI, p. 226.

____________________________________________________________________________________ 129

persistia republicana. O domínio monárquico não conseguia alcançar, nem transpor aquela cidade. A falta de Aveiro e de Coimbra tornou mais difícil a situação nos distritos nortenhos onde a Monarquia fora tão facilmente instalada. No extremo norte, a então vila de Chaves, manteve-se igualmente incólume ao domínio monárquico, mercê da tenaz resistência de conhecidos vultos republicanos como o coronel Ribeiro de Carvalho277, António Granjo, Jaime de Morais e Agatão Lança.

Em Lisboa, o Governo de Tamagnini promulgava um decreto de suspensão das garantias constitucionais e o ministro da Justiça declinava a solidariedade até então dada aos monárquicos. Era a declaração do estado de sítio. As posições endureciam. O Governo, sob forte pressão da opinião pública, lançou então um apelo vigoroso chamando às armas, para defesa da República, os civis e os estudantes que voluntariamente quisessem combater. E foram muitos os que entusiasticamente se alistaram em batalhões para defender as instituições republicanas.

Porém, a 22 de Janeiro os acontecimentos precipitaram-se. Enquanto no Campo Pequeno e no Depósito de Adidos, numerosos voluntários civis e estudantes recebiam instrução militar, desfilando depois, em imponente manifestação de ardor patriótico, até ao Terreiro do Paço, dando vivas à República e exigindo a libertação dos presos politicos que haviam entrado em movimentos anti-sidonistas ou na revolução democrática de Santarém, as forças monárquicas lisboetas, em situação de desespero e receando o ataque dos republicanos, revoltaram-se e, ao anoitecer, entrincheiravam-se no alto de Monsanto, no episódio que ficou conhecido miticamente como a “Escalada de Monsanto”278. Associaram-se à revolta o

277 Augusto César Ribeiro de Carvalho deixou importante testemunho sobre os acontecimentos de

Chaves na obra A Rebelião Monárquica em Traz -os -Montes. Relatorio sobre os Acontecimentos

Politico-Militares do mês de Janeiro de 1919 na Area da 6ª Divisão do Exército, Chaves, Tip.

Mesquita, 1919.

278 Cf. MARQUES, A.H. de Oliveira, História de Portugal, vol. II, p. 278. Ao todo, deviam-se ter

concentrado em Monsanto cerca de 1100 pessoas: 600 a 700 cavaleiros, 200 infantes e à volta de 200 civis, apoiados por 28 peças de artilharia. Cf. ALLEGRO, José Lusitano Sollari, Para a História da

Monarquia do Norte, p. 186. Escreveram sobre este acontecimento, entre outros, Sollari Allegro (Para a História da Monarquia do Norte), Rocha Martins (A Monarquia do Norte), Teófilo Duarte (Sidónio Pais e o seu Consulado), Gonçalo Pereira Pimenta de Castro ( A Revolta de Monsanto de Janeiro de 1919, Porto, 1920), Veríssimo Serrão (História de Portugal, vol. XI), Carlos Ferrão (Em Defesa da República, Inquérito, 1963) e Raúl Rego (Horizontes Fechados, 1969).

_______________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________ 130

regimento de Cavalaria 9, Lanceiros 2, algumas baterias de artilharia, fracções de Cavalaria 4 e 7, Infantaria 1 e 30, bem como alguns grupos de civis, como os monárquicos integralistas Pequito Rebelo, Alberto Monsaraz279, Hipólito Raposo280, Joaquim Leitão e João de Azevedo Coutinho, sob o comando supremo de Aires de Ornelas. Contudo, o Rei D. Manuel, do exílio, desaprovou o movimento, acoimando- o de “um crime que se cometeu contra todas as minhas instruções e ordens”281. Foram centenas os realistas que subiram para defender o seu ideal a Monsanto, um local com a dupla vantagem de ser uma posição atacante de Lisboa e um bom local de resistência contra as arremetidas das tropas governamentais.

De Monsanto, e após hastearem a bandeira azul e branca e terem proclamado a Monarquia na manhã de 23, bombardearam a capital, intimando o Governo à rendição. O duelo de artilharia durou todo o dia e saldou-se por vários mortos e feridos.

No entanto, durou pouco a sublevação. Ao clamor do perigo, as forças republicanas tocaram a reunir, ultrapassando divisões internas e conseguindo que guarnições “neutrais” fossem entrando no combate pelo seu lado. Assim, pela tarde do dia 24 de Janeiro, um ataque geral das forças fiéis ao regime implantado em 1910 - essencialmente a artilharia e batalhões de marinheiros, seguidos de inúmeros populares armados, sob o comando do tenente-coronel Ernesto Maria Vieira da Rocha - levou ao desalojamento dos revoltosos e à rendição das hostes monárquicas, exaustas por um longo combate sem possibilidade de substituição dos efectivos e esgotadas de munições e de víveres. Ao fim de 39 cadáveres e 330 feridos, nas contas de Rocha Martins. Foi relativamente fácil dominar a rebelião monárquica lisboeta, porquanto a maioria das guarnições da capital permaneceu fiel ao republicanismo. O povo urbano acorreu para defender a “sua” República, demonstrando que as massas lisboetas continuavam indefectivelmente

279 Pequito Rebelo e Alberto Monsaraz, que lutaram “com denodo”, foram feridos “gravemente” em

Monsanto. Cf. Leão Ramos Ascensão, O Integralismo Lusitano, p. 58.

280

Hipólito Raposo deixou um testemunho dessa experiência no seu livro Folhas do Meu Cadastro, Vol. I (1911-1925), pp. 45-79.

281

Citado Pelo Marquês do Lavradio, nas suas Memórias, p. 253. O Rei acrescentou: “Tenho muito dó do Ayres, que foi levado por uma onda nefasta, depois de ter prestado relevantes serviços”.

____________________________________________________________________________________ 131

republicanas, como o haviam sido em 1910 e em 1915, reagindo à ditadura de Pimenta de Castro. Politicamente, a vitória republicana teve naturais reflexos, com o retorno em grande à esfera do poder das forças partidárias da chamada “República Velha” e o combate ao hibridismo e às meias tintas do executivo de Tamagnini, que acabou por se demitir, a 26, sendo substituído por José Relvas em 28 de Janeiro. O republicanismo voltava à ribalta, através de um governo que incluía representantes dos tradicionais partidos politicos e até, pela primeira vez, um socialista, na pasta do Trabalho. A principal preocupação do governo era combater a Monarquia restaurada no norte, sendo confiado ao general Alberto Ilharco o comando das operações militares.

No Norte, as coisas ainda estavam complicadas e o domínio monárquico manteve-se por mais cerca de uma vintena de dias, relativamente ao colapso de Monsanto.

Liberto do perigo monárquico insurreccional, do Algarve até Aveiro, o Governo começou a organizar o ataque contra a Monarquia do Norte, mandando assaz considerável força militar de todas as armas para a zona do Vouga, que progressivamente foi avançando para norte. Por vezes depois de ásperos combates entre republicanos e realistas, por toda a parte se ia reimplantando a República, içando a bandeira verde-rubra. A partir de finais de Janeiro, a resistência monárquica foi sendo batida em Águeda, Estarreja, Oliveira de Azeméis, Ovar e Lamego. Enquanto recuavam as fronteiras da Monarquia do Norte e os combatentes republicanos se aproximavam perigosamente, na sua própria capital, o Porto, começavam a registar-se sinais de perturbação, com manifesto descontentamento da Guarda Real, designação da anterior Guarda Republicana. Na origem deste estado de espírito, estiveram os desmandos e violências cometidos no chamado período do “reino da Traulitânia” sobre os presos politicos republicanos e as cruéis perseguições e vinganças exercidas pelos monárquicos sobre os seus adversários ao longo dos dias da restauração monárquica. Por fim, em 13 de Fevereiro, os

_______________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________ 132

capitães Sarmento Pimentel282 – o pivot da revolta da Guarda Real e primeiro comandante da guarda do quartel do Carmo – e Jaime Novaes e Silva, comandante da guarda real do quartel de S. Brás, fizeram eclodir um movimento revolucionário, saindo do quartel com os oficiais e soldados que os quiseram seguir e, após algumas horas de tiroteio e o apoio da artilharia da Serra do Pilar, que rompeu fogo contra o Quartel-general, acabaram por sufocar a resistência monárquica (constituída apenas por 10 praças de cavalaria e 40 soldados de infantaria, com duas peças) reimpôr o domínio republicano. Os ministros da Junta que se encontravam no Porto: Silva Ramos, Luís de Magalhães, o Conde de Azevedo e o Visconde de Banho, foram detidos. Paiva Couceiro estava algures, junto das forças militares que ainda combatiam perto de Vila da Feira. Presos os membros do Governo monárquico, ocupados locais emblemáticos como o Quartel-general e o Governo Civil, com o povo a dar vivas entusiásticos à República, como antes tinha dado à Monarquia, a revolução republicana estava consumada. E caída a Monarquia no Porto, ela estava virtualmente vencida em todo o Norte, onde dominara durante escassos 25 dias. Como referiria o Conselheiro Luiz de Magalhães, proclamava-se a restauração da República com a singularidade de isso “ser realizado pelas mesmas forças que, pouco mais de tres semanas antes, haviam, sem disparar um tiro, re- implantado a Monarquia”283. Não deixa de ser curioso!... O entusiasmo popular teve exactamente o mesmo comportamento: em 19 de Janeiro, vibrou pela restauração monárquica; em 13 de Fevereiro, vitoriou calorosamente o regresso da República.

Naturalmente, ainda persistiram algumas bolsas monárquicas no Norte, durante mais alguns dias284, mas nada mais havia a fazer, do lado monárquico. A aventura havia terminado. Os membros da Junta Governativa tinham-se entregado às autoridades republicanas e Paiva Couceiro - que se encontrava em operações na

282

José Maria Ferreira Sarmento Pimentel, quando cadete, batera-se na Rotunda, em 5 de Outubro de 1910, pela instauração da República. Embora continuando republicano, notabilizara-se como opositor ao Partido Democrático e apoiou convictamente Sidónio Pais, colaborando ainda activamente com a Junta Militar do Norte.

283

MAGALHÃES, Luiz de, Perante o Tribunal e a Nação, p. 38.

284 Para David Ferreira, “passados dois dias, as instituições republicanas vigoram novamente em todo

____________________________________________________________________________________ 133

região de Estarreja aquando da restauração republicana e que também pensava entregar-se no Porto mas foi demovido desses intentos pelos seus correligionários - voltava ao exílio. Era a sua sina de incurável combatente monárquico. Outros seus sequazes fizeram o mesmo, internando-se em Espanha, nos dias 19 e 20 de Fevereiro, perdidas todas as esperanças e ilusões no ressurgimento da Monarquia.

Estrondosamente derrotados os monárquicos, mortos irreversivelmente os sonhos realistas, em 1919, as forças partidárias da “República Velha” aproveitaram a embalagem para exigir a dissolução do parlamento dezembrista, ainda dos tempos de Sidónio, bem como o desmantelamento de todas as forças armadas suspeitas de anti-republicanismo, nomeadamente a policia. O Governo acabou por decidir desarmar a policia e dissolver o Parlamento, restabelecendo “em pleno vigor, e para todos os efeitos, a Constituição Politica da República Portuguesa de 1911” e convocando as eleições para o dia 13 de Abril seguinte, pelo decreto n.º 5165, publicado no Diário do Governo de 21 de Fevereiro285. Entretanto, instalou-se no país um espírito de revanchismo sobre o funcionalismo ou a oficialidade monarcófilos, saneados sumariamente, ao mesmo tempo que jornais realistas eram suspensos e apontados a dedo os colaboracionistas com o sidonismo e a conspiração monárquica de 1919. Por todo o país, as represálias republicanas vieram ao de cima, após as humilhações sofridas durante a Monarquia do Norte286.

332. Já para Damião Peres, “no território da Monarquia do Norte, algumas terras persistiram resistindo. Vila Real, até 17, e outros lugares até 19”. Cf. História de Portugal (Suplemento), p. 216.

285

As eleições foram adiadas para 11 de Maio e nelas o Partido Democrático obteve o maior número de votos, vindo a ser eleito o coronel Sá Cardoso.

286

Durante o “Reino da Traulitânia”, a crer no horripilante relato de Campos Lima, foram cometidas barbaridades, violências e torturas físicas e psicológicas sobre os republicanos, em todo o país, mas especialmente no Porto, no Éden -Teatro e no Aljube. Ficou célebre o corpo de voluntários da Segurança Pública aquartelado no Éden - a S.P, comandada por oficiais do Exército. A “nova Inquisição” ao serviço da reacção monárquica e clerical, desencadeou uma autêntica máquina de perseguição e guerra aos republicanos, a crer nas declarações e nos testemunhos reproduzidos em

O Reino da Traulitânia, pp. 49-90. Sollari Allegro minimiza essa realidade, enquanto Luiz de

Magalhães alude apenas à “lenda de atrocidades”, à “consciente deturpação dos factos para fins politicos, uma pura fábula, uma mistificação grosseira, armada para justificar as represálias do terrorismo jacobino...”. Afinal, o Tribunal Militar apenas condenou dois ou três trauliteiros “e por delictos leves não commetidos alli”. Cf. Perante o Tribunal e a Nação, pp. 64-72. Na província, também houve perseguições dos monárquicos aos republicanos durante a Monarquia do Norte. Para o caso de Fafe, ver Artur F. Coimbra, “A Monarquia do Norte em Fafe: os Reflexos na Administração e na Imprensa Local”, in Dom Fafes, n.º 5, Ano V, 1998, pp. 41-58.

_______________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________ 134

Todos aqueles que não inspirassem confiança aos republicanos, eram ameaçados ou despedidos.

Como resultado das vitórias republicanas em Lisboa, no Porto e no norte do país, as prisões encheram-se de personalidades monárquicas, havendo relatos de maus-tratos e violências exercidos sobre os prisioneiros. Em Março, foram criados e regulados os tribunais militares – em Lisboa e no Porto – para julgamento dos militares e civis implicados na restauração da Monarquia e que envolveu perto de duas mil pessoas, entre oficiais, sargentos, cabos, soldados, policias e numerosos civis. Pelo seu envolvimento no movimento monárquico, foram expulsos do exército mais de 500 oficiais e condenados a penas diversas de prisão celular, seguida de degredo ou apenas degredo, os principais cabecilhas da restauração monárquica de 1919287. Houve também condenações a prisão correccional e a presídio militar, bem como numerosas absolvições.

Julgados à revelia, o comandante Paiva Couceiro e o capitão Sollari Allegro, acusados de serem os preparadores do movimento de 19 de Janeiro, foram condenados a 8 anos de prisão maior celular, seguidos de 12 anos de degredo, ou, em alternativa, a 25 anos de degredo em possessão de 1ª classe, que naturalmente não cumpriram, por estarem exilados em terras de Espanha. Virá ainda a talhe de foice referir que, por decreto de 29 de Abril de 1921, foi interditada a residência em Portugal continental pelo prazo de oito anos a nove cidadãos, entre os quais os referidos Henrique Mitchel de Paiva Couceiro e António Adalberto Sollari Allegro.

Entrado em crise e após a demissão dos ministros dezembristas, o ministério de José Relvas havia-se demitido colectivamente a 27 de Março de 1919, perante Canto e Castro. O democrático Domingos Pereira assumiu o ministério, quatro dias depois, e dele não participava qualquer sidonista. A quase totalidade dos ministros militava mesmo nos partidos que sempre se haviam oposto intransigentemente ao governo do assassinado caudilho. Era o derradeiro estertor da “República Nova” planeada por Sidónio Pais.

287

____________________________________________________________________________________ 135

A República de 5 de Outubro de 1910 – a nova “República Velha” – retomava, soberana e segura, o seu curso!

_______________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________ 136 3.4. A práxis legislativa e político-social