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República: a “Democracia Individualista”

O REGRESSO AO INTEGRALISMO

4.2. República: a “Democracia Individualista”

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Ibidem, p. 49.

338 “Uma Representação mais pura e verdadeira nos graus superiores só poderá obter-se, quando a

pureza e a verdade principiarem por existir na base, ou, por outras palavras, quando a engrenagem Constitucional do regimen politico fôr d’ordem a promover e a consentir, na base, o funccionamento d’Instituições locaes, conformes á natureza e ás espontaneas tendencias dos homens responsaveis e propícias por conseguinte á hygiene dos costumes”. Ibidem, p. 51.

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Ibidem, p. 53.

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Analisando, ideologicamente, o novo regime, Paiva Couceiro não se cansou de acentuar (e criticar) a feição individualista da República Portuguesa341. A chamada “Democracia Individualista” - que tem como esteios fulcrais a Liberdade e a Igualdade - parte da consideração da importância dos Direitos do Homem, na definição do espírito de toda a organização política e social. Em primeiro lugar, surge a noção de Liberdade do indivíduo, como princípio de todas as coisas. Liberdade de consciência e de acção, espírito crítico, liberdade do laicismo no ensino. A emancipação total do homem, despido de preconceitos e de convencionalismos. A fé na bondade natural do homem, pregada por Rousseau e que Couceiro contesta, desmentindo o dogma da ingénita bondade humana e assinalando, pelo contrário, o “conflito recíproco”, como estado natural dos seres humanos.

Reiterando a diferença entre a Liberdade revolucionária e a justa independência pessoal, o autor critica o Individualismo republicano por representar “o regimen da Auctoridade dispersa por todos, equivalente á Auctoridade de ninguem e a coacções arbitrarias de uns sobre todos”, quando o regime que propõe, dito “Regimen da Civilisação”, se baseia na Ordem, na direcção politica pelos mais capazes, na metodização das actividades, portanto, na existência da autoridade como poder regulador. Ou seja, “o governo da Civilisação é por natureza um governo d’Auctoridade e não um governo de Liberdade, segundo o conceito metaphysico da Revolução”342, a que falta a força ordenadora e justiceira.

A crítica de Couceiro vai também para o facto de a entronização do Indivíduo pressupor a quebra dos laços históricos e orgânicos relativamente à Família, à Terra, à Comunidade, à Igreja, ao País.

À segunda noção da célebre divisa revolucionária - a Igualdade - segundo a qual “todos os homens são iguais”, opõe Couceiro o princípio da diferenciação e da desigualdade dos seres humanos, à luz das leis da Natureza e das leis do Progresso.

341 “A Republica Portuguesa inspirou-se na Revolução Franceza, devendo pertencer-lhe por esta face

a classificação doutrinária de Democracia Individualista”. Ibidem, p.59.

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A consequência da aplicação dos direitos do Indivíduo como “lei suprema”, conduz ao enfraquecimento e destruição das forças sociais ou económicas que se lhe opõem, ou limitam a sua soberana liberdade, sejam a Igreja, a Família, o Município ou os Sindicatos profissionais e outros agrupamentos orgânicos, ao arrepio e desprezo das Tradições, “fio continuo das Immortalidades Nacionaes”. À luz desta lógica, a Sociedade não tem o direito de constranger a liberdade individual de cada homem, desligado absolutamente do seu semelhante.

Em suma, para o autor, “a Democracia Individualista, com as suas deidades Liberdade e Egualdade e as suas concomitancias d’atheismo e materialismo, constitue o melhor dos planos inclinados para conduzir insensivelmente as Nações ao desmoronamento e á impotencia completa”343.

A República como “ideia” foi, para Paiva Couceiro e como se verifica, uma completa oposição aos princípios e valores que sempre defendeu. Os princípios e valores da geração integralista, mais ideia menos ideia.

E como prática, ou como “facto”? Também não foi melhor.

Após um período propagandístico em que o entusiasmo do povo foi demolidor, a hora do poder republicano chegou mas, passada a fase da alegria congratulatória e das manifestações intermináveis da música e dos foguetes, “haveria de tornar-se na hora das sêdes insatisfeitas, das reivindicações tumultuarias e das gréves imperiosas”344.

“Incompetência”, “falta de prática administrativa”, “sectarismo fundamental”, “destempero, favoritismo e prepotência” são alguns dos epítetos que Couceiro adesiva à situação republicana, que acusa de erguer uma guerra contra a religião católica e de a elevar à categoria de instituição e objectivo nacional primeiro. Sob a capa de assegurarem a liberdade de consciência, os republicanos terão alegadamente expulso da escola a religião, dos cemitérios a cruz e de toda a administração oficial os símbolos e o culto de Deus.

Na mesma linha de inspiração “francesa” e de divinização do Indivíduo e dos seus direitos, Couceiro critica ferozmente os ataques republicanos à Família, por

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meio da lei do divórcio e da protecção da prole extramatrimonial, e à Propriedade, que deveria ser o mais poderoso incentivo do trabalho e da economia. De igual modo, verbera os abusos da justiça, em nome de princípios politicos (republicanos), os desregramentos das finanças e da economia e o abandalhamento da disciplina militar, surgido no pós 5 de Outubro.

O autor acaba por estabelecer um pormenorizado contraponto entre as ideias e intenções da República e a sua prática e resultados345.

Refere Paiva Couceiro que, se em matéria religiosa, a República se apresentou como tolerante laicismo, veio a revelar-se “seita inquisidora, despótica e pontificante d’anti-religião, visando a promover a Impiedade, a Blasphemia e uma vil Apostasia da Sociedade no seu conjuncto”.

Já quanto ao aspecto moral, apresentou-se como regime de austeridade e honradez (“onde está um republicano está um homem honrado”), acabando por revelar-se um misto depravador de retórica e audácias, “guindando ás eminencias sociaes a Mentira, a Impudencia, a Prevaricação e o Charlatanismo”.

Em matéria social e disciplinar, à prometida reabilitação da dignidade humana, “dentro de uma nova Ordem e de uma nova Justiça”, respondeu a República com uma sistema de vida colectiva em que as regras são abolidas e “se obliteram vernizes de civilidade, achincalham hierarchias e desconhecem venerações, respeitos e obediencias”.

Se em matéria intelectual, a República se apresentou como regime de alta cultura, detentor de Verdades imortais, impregnado de filosofias e razão pura, veio a revelar-se “mero apostolo de tacanhas negações atheistas (...) de um supposto Scientismo moderno”.

Por outro lado, se em matéria de economia e finanças, a República se apresentou como regime de reconstituição fazendária e alívio de encargos dos contribuintes, acabou por degenerar num “banquete das oligarchias de bom alimento”, explorando, metódica e impiedosamente, a “capacidade tributaria do

344 Ibidem, p. 74. 345

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cidadão portuguez”. A propriedade e o capital, a agricultura e a indústria foram, paradoxalmente, fustigados pelo peso crescente dos impostos e pela desorganização do trabalho.

As prometidas facilidades de vida e de benefícios para os menos afortunados, revelaram-se causadoras de temíveis carestias dos víveres, antes e durante a I Guerra Mundial.

Em matéria militar, reinou a indisciplina e a insubordinação, enquanto na área colonial, ao contrário da prometida descentralização administrativa e de fomento, resultou na aceitação acomodada da penetração pacífica pelo Estrangeiro, abrindo as portas à sua influência económica no nosso país.

Do ponto de vista político, se a República se apresentou como reformadora e construtora de uma Pátria em novas bases, “veio a revelar-se genuino instrumento revolucionario, usando os poderes do Estado para destruir as forças unificantes da Ordenação Social, das Tradições, da Egreja e da Disciplina Militar”.

A “dictadura demagogica” terá esmagado, “em nome da Liberdade revolucionaria”, todas as liberdades públicas sem excepção.

A República foi, em resumo e em quatro palavras acusadoras, na opinião do autor de A Democracia Nacional, “a Perversão e a Miseria, a Bancarrôta e o Desprestígio”. E um enorme esforço para conservar o regime, perenizando o poder. Perenizando-se no Poder. “A Republica Salvadora falliu lamentavelmente”346 - decretou, peremptório, Paiva Couceiro, em 1917. “A Sociedade Portugueza está indubitavelmente desorganizada e enferma. Sem significação, sem consistencia e sem objectividade no seu conjuncto, parece arvore a que as raizes morreram”, acusa, dramaticamente, em A Democracia Nacional347, para, meia dúzia de anos depois, já em fase de declínio da I República, na Carta aos meus Amigos... ser ainda mais duro e implacável, num quadro absolutamente catastrofista: “O que se encontra no momento sob a nossa vista são governos instáveis, e anarchicos, sujeitos a influencias revolucionarias e a interesses particulares. Administração prevaricante. Impostos espoliadores. Bens nacionais em liquidação. Colonias em risco de

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expropriação pacifica. Moeda amesquinhada e oscilante. Finanças em falencia. Faltas de trabalho. Emigração d’homens e capitaes. Producção improgressiva e escassa. Indice de mortalidade em crescimento, e a raça definhando. Moral publica diminuida. Predominantes, o jogo, especulação, egoismos, e indiferenças pela Cousa Publica. Amolecido, e quebrantado o sentimento nacional. Miserias e privações. Venalidades e turbulencias. Incertezas e aprehensões pelo futuro. Desprestigio e descredito completo, por dentro e por fóra. Sem metaphora, nem redundancia, isto chama-se um Paíz em plena dissolução” que tem de ser atalhada348. Couceiro impiedosamente demolidor. Se isto foi e é a República - comenta - há que substituir o Estado Republicano, culpado de todas estas misérias, já que “a reconstrucção nacional tem de iniciar-se pela reconstrucção do Estado Nacional”349.

Para a superação do Estado Liberal e Republicano, Paiva Couceiro contribuiu com algumas ideias e propostas, parte delas com evidentes afinidades com o pensamento integralista. Ficam de seguida algumas linhas gerais da sua ideologia monárquica, patriótica, tradicionalista, anti-liberal, anti-parlamentar, anti- constitucionalista, entre outras características.