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____________________________________________________________________________________ 46 3 REACÇÃO AO IDEÁRIO REPUBLICANO

3.1. O tradicionalismo integralista 1 Genealogia do Integralismo Lusitano

3.1.2. Vectores Ideológicos do Integralismo Lusitano

3.1.2.1. A Monarquia Integral

O Integralismo construiu assim uma alternativa coerente ao liberalismo republicano, dotada de um programa político com o qual pretendia abater o regime fundado em 5 de Outubro.

Foi Pequito Rebelo quem nas páginas da Nação Portuguesa (1ª série) e nas vésperas da Grande Guerra, traçou um quadro sintetizador do projecto integralista, nos seus diversos domínios, ao estabelecer a diferenciação entre a República Democrática e a Monarquia Integral, como o tipo de regime político, económico e social do novo tradicionalismo.

Os traços essenciais dessa dicotomia: à pretensa soberania popular, opunha a Nação organizada e hierarquizada segundo a tradição; ao sufrágio universal opunha a representação corporativa (e o corporativismo constituiu o elemento central da sua alternativa ao liberalismo) dos núcleos tradicionais: a

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família, os municípios e as profissões; ao Parlamento contrapunha uma Assembleia Nacional representativa daquelas “forças vivas”, com um carácter consultivo e técnico; à centralização do Estado liberal, opunha a descentralização anticosmopolita e ruralizante120.

Pequito Rebelo definiu a Monarquia Integral como o “regime em que as autoridades politicas e sociais coexistem dentro das respectivas autonomias, unificadas por um poder supremo cujo orgão é um rei hereditário e tendo por fim a hierarquia de todos os fins sociais, subordinados ao interesse nacional”.

A organização do Integralismo, em 1921, definia o movimento como “Nacionalista, por princípio, Sindicalista (corporativista) por meio, Monárquico por conclusão”121.

A favor da monarquia, segundo os integralistas, militava a “experiência histórica”, a doutrina e o facto de ser uma instituição que assegurava a lei científica da continuidade.

O nacionalismo integralista, tradicionalista, contra-revolucionário, orgânico, antidemocrático e anti-individualista propunha a Monarquia Integral assente sobre os seguintes vectores:

3.1.2.1.1. Organização Social

O Integralismo Lusitano parte do pressuposto de que os direitos da sociedade precedem as liberdades individuais, fundamentando-se nas ciências experimentais, na psicologia, na doutrina de S. Tomás de Aquino e nos “factos” da História122.

Em primeiro lugar, na organização social, está a Família, primeiro elemento constitutivo da Nação, “célula social fundamental” (estava para o campo social como a célula estava para o ser vivo, segundo Almeida Braga), “cujo fim geral

120 PINTO, António Costa, Os Camisas Azuis..., p. 29.

121 Cf. Integralismo Lusitano, Instruções de Organização Aprovadas pela Junta Central, Lisboa, 1921,

p. 5.

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CUNHA, Norberto, Ibid, p. 15. Seguimos este autor na inventariação sumária dos principais aspectos caracterizadores do Integralismo Lusitano.

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é a conservação, a propagação da espécie”123. Atribuindo à família (e bem assim ao município, os dois pilares maiores da Monarquia Integral) um importante papel na reconstrução social, o Integralismo determinava-lhe relevantíssimas funções: de integração (operando a perfeita integração de todos os seus membros), de continuidade (garantindo a subsistência moral e material de cada membro e a multiplicação das famílias), de conservação e de propagação da espécie (pela hereditariedade) e de diferenciação, “fazendo a útil organização das desigualdades internas”, segundo Pequito Rebelo.

A forma mais perfeita de cumprir estes requisitos seria o regime da família monogâmica, paternal, indissolúvel, com uma base económica “inalienável e indivisível”, compreendendo terra e casa, “com a unidade e coacção integrante garantidas pelo pátrio poder esclarecido pelo conselho materno estendendo-se a todos os filhos coabitantes sem distinção de maioridade”, ainda nas palavras do autor de Pela Dedução à Monarquia. A restauração e revalorização da família tradicional (“A primeira base da boa organização nacional”, segundo Monsaraz) seria feita com o restabelecimento da vinculação da terra, “para dar à família uma base de continuidade territorial fixa”. De destacar assim o propósito integralista de revogação das leis liberais e republicanas sobre a família, que alegadamente terão contribuído para a dissolução da célula familiar: desde a legislação que aboliu a propriedade vinculada (1834), às leis republicanas que permitiram o divórcio e estabeleceram a obrigatoriedade do registo civil, cujas consequências foram a rebelião do indivíduo contra a sociedade. Refazer a família tradicional e com ela o edifício social, era voltar à situação anterior ao liberalismo, ao fortalecimento das instituições locais e municipais, “que, em rigor, não eram mais do que associações de famílias”124. No tocante à família, o Integralismo não admite o divórcio, não acolhe o voluntarismo individual, não aceita a contratualização. A vontade do indivíduo não conta: a família é um “facto” anterior ao sujeito; antes da Ilustração, a família era o sujeito dos direitos, que depois passaram para essa “abstracção” criada pelo liberalismo –o indivíduo.

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Num patamar superior e numa espécie de agregado de famílias, apareceria a Povoação, “um aperfeiçoamento em relação à família”, como quer Pequito Rebelo. Seria uma unidade integradora mais vasta de famílias, com diversas funções sociais e económicas.

Surge depois a Freguesia, que tem por base a aptidão natural dos portugueses para as formas rurais e associativas e a “feição sedentária do recuado substracto étnico da população portuguesa”125, como queria Sardinha. Aí se enquadram as citânias, origem das “vilas” e posteriormente das freguesias, células anónimas da Pátria, aproveitadas pelos romanos para montar a sua máquina administrativa.

A freguesia é pontada como a génese do Município, que os integralistas consideram como comunidades rurais anteriores à romanização, convertidas por esta em corpos administrativos, para efeitos fiscais e tributários.

“Um grande agrupamento de famílias, reunidas por aldeias ou casais, e ligadas por interesses económicos, laços morais e preceitos de lei, dentro duma determinada área de território” é como é definido o município na Cartilha

Monárquica126, em que se defende que foi por intermédio dos municípios que os primeiros reis de Portugal “organizaram a Nação”.

A sua decadência está ligada à concentração absolutista iniciada pelos legistas e pela Renascença e intensificada após a Revolução Francesa e o Liberalismo, com a prevalência dos “imortais princípios” de 1789 sobre as “velhas liberdades orgânicas”, transformando os municípios, por inspiração do centralismo francês, em meras instituições administrativas intermédias na arquitectura do Estado, ou “corpos administrativos” codificados em diversos diplomas da Monarquia Constitucional e da República. Nessa óptica liberalista e centralista, o município era encarado como uma instituição administrativa inferior do Estado e uma mera associação de pessoas que habitam numa determinada circunscrição administrativa.

124 CUNHA, Norberto, Mentalidades e Cultura Portuguesa..., p. 84. 125

Ibidem, p. 128.

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Os Integralistas pugnavam pela “restauração” do municipalismo, nas condições históricas do seu aparecimento, dando-lhes autonomia, respeitando os seus (antigos) privilégios e restituindo-lhes atribuições, posteriormente centralizadas nos Governos e seus delegados. “Só a Monarquia é capaz de realizar nos municípios as quatro condições que são da sua própria natureza: autonomia económica, descentralização administrativa, independência da politica, fixação na terra das actividades produtoras”127.

O agrupamento de municípios – assim restaurados orgânica e corporativamente, garantindo o reforço das liberdades e direitos locais - gerava uma circunscrição chamada Província, organizada segundo as afinidades daqueles nas produções, nos costumes, na índole, na natureza do clima, nos “acidentes da terra”, na situação geográfica, na linguagem e nas tradições.

Do agrupamento familiar, ampliando-se na freguesia, no município, na província, e coroando a organização social, formou-se a Nação, lugar sagrado onde se realiza “a unidade moral e histórica na consciência da mesma tradição, no fundo comum da raça, na identidade da língua e religião”, como sintetiza Alberto Monsaraz128. A Nação concebida nestes termos antecedia o Estado - este instituiu- se como garante dos direitos da sociedade e da Nação, os valores maiores da organização social integralista. À soberania popular da Democracia, opõem os integralistas a majestática soberania da Nação, entidade “eterna e múltipla, na pluralidade dos seus poderes e na solidariedade tradicional entre o Passado e o Futuro, através do Presente”129. Para o Integralismo, como lembra Leão Ascensão, a Nação é uma grande família perpetuada no tempo pela comunhão de afectos, de sofrimentos e alegrias, de dores e esperanças, na comovida lembrança dos Mortos e na ânsia de transmitir aos vindouros, engrandecida, a herança dos Antepassados.

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Ibidem, p. 9.

128 Ibidem, p. 13.

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