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Geometria Molecular: algumas considerações e aspectos teóricos

3.2 O ENSINO DE QUÍMICA E A GEOMETRIA MOLECULAR

3.2.4 Geometria Molecular: algumas considerações e aspectos teóricos

As moléculas não podem ser vistas diretamente. É nesse contexto que se introduz a Geometria Molecular, cujas representações em 3D são utilizadas pelos químicos com o propósito de entender as relações entre estrutura e propriedades moleculares. Como exemplo, têm-se o conceito de isomeria, desenvolvido em 1830 por Berzelius (RAUPP; SERRANO; MOREIRA, 2009) e a tridimensionalidade das moléculas formadas com o carbono tetraédrico proposto, simultaneamente, por vant’ Hoff e Le Bell em 1874 (GARCIA; LUCAS; BINATTI, 2015). Assim, essas relações espaciais, ou seja, o arranjo espacial dos átomos e a ordem como estão ligados (REZENDE; AMAURO; FILHO, 2016; SOLOMONS; FRYHLE, 2005) são fundamentais para o entendimento de reatividade, propriedades físico-químicas e biológicas

(BROWN et al., 2016; MONCADA; BARRAGÁN, 2015; DIAS; SOARES, 2009), presentes em compostos orgânicos ou inorgânicos.

Os alunos em Química, de forma geral, são levados a raciocinar com uma variedade de representações convencionais, quando se refere ao estudo de Geometria Molecular (STULL et al., 2016; CARLISLE; TYSON; NIESWANDT, 2015). Entre elas podem ser citadas as estruturas de Lewis, as formas geométricas previstas pela Teoria de Repulsão dos Pares de Elétrons da Camada de Valência (RPECV), representações traço (no plano) / cunha (cheia – para frente do plano e tracejadas – para trás do plano) e modelos concretos dentre outras. Fato este que exige do aluno o cumprimento da difícil tarefa, porém necessária, de fazer associações entre as distintas representações das moléculas.

Desse modo, os modelos 3D das estruturas podem, além de fornecer a percepção das disposições espaciais (MERINO et al., 2018; PAULETTI; CATELLI, 2018; GILBERT, 1995), mostrar como os diferentes átomos estão conectados e a presença de grupos funcionais que, segundo Leal (2009, p. 20), “[...] amplia as possibilidades de aprendizagem de conceitos tais como polaridade, interações intermoleculares e propriedades físicas das substâncias”. Para isso dispõe-se das contribuições das estruturas de G. N. Lewis (1916) que somadas à abordagem de Repulsão dos Pares de Elétrons da Camada de Valência (RPECV), obtém-se as estruturas espaciais das moléculas com boa aproximação da geometria real evidenciada por métodos de difração ou espectroscopia (MIESSLER; FISCHER; TARR, 2014).

Conforme Filgueiras (2016, p. 1262), Lewis foi o primeiro que, de forma abrangente, passou a pensar em “[...] como e por que os átomos se ligam para formar os compostos”. Ele conseguiu em um único conceito (ligações químicas), mostrar relações entre os diferentes materiais: iônicos, covalentes, moleculares e metálicos. Embora seus conceitos fossem propostos antes dos fundamentos da mecânica quântica para explicar a física dos átomos em 1927 (portanto, não se falava em orbitais atômicos ou moleculares), uma estrutura de Lewis tem utilidades que vão além das descrições do tipo de ligação (POSTMA; ROBERTTS; HOLLENBERG, 2009).

De acordo com Pessoa Jr. (2007, p. 26), a teoria quântica, para moléculas mais complexas que a do hidrogênio (H2), passou por um método de “aproximações sucessivas

para a construção de funções de onda [...]”, denominado de método de Hartree-Fock (1930). Foram propostas duas abordagens para essa teoria9: (i) a de Heitler e London, inicialmente desenvolvida por Slater (1929) e ampliada por Linus Pauling (1931), passando a ser

9 Na TLV, os pares de elétrons se localizam entre dois átomos em uma molécula em orbitais atômicos. Na TOM, considera-se que os elétrons estão distribuídos em orbitais moleculares que se estendem por toda a molécula.

conhecida como “método da ligação de valência” – (TLV) e (ii) e a proposta por Hund e Mulliken (1929), a chamada de teoria dos “orbitais moleculares” – (TOM).

No entanto, para determinar a Geometria espacial das moléculas empiricamente, foram lançadas algumas regras que culminaram em um modelo desenvolvido a partir das sugestões propostas Nevil Sidgwick e Herbert Powell, antes de 1940 e ampliada num contexto mais moderno por Ronald Gillespie e Ronald Nyholm em 1957 (SHIVER; ATKINS, 2008; MIESSLER; FISCHER; TARR, 2014). Essa teoria é conhecida como Repulsão dos Pares de Elétrons da Camada de Valência (RPECV). Na RPECV, os pares de elétrons repelem-se mutuamente, dispondo-se nas maiores distâncias possíveis, em torno de um átomo central, condição que minimiza os efeitos das repulsões eletrônicas. Assim, é possível constatar 13 geometrias distintas, ao considerar nesta contagem todos os domínios de elétrons10, ligantes e não ligantes. Desse modo, de acordo com Brown et al. (2016), a geometria dos domínios de elétrons é chamada de Arranjo e a disposição dos núcleos dos átomos no espaço ligados ao átomo central, de Geometria Molecular.

Destas geometrias, sete possuem seus átomos no mesmo plano: duas lineares (1com dois domínios de elétrons – todos ligantes e 1 com cinco domínios de elétrons – 2 ligantes e 3 isolados); duas angulares (1 de 120° – dois domínios elétrons ligantes e um isolado; 1 de 109,5°– dois domínios elétrons ligantes e dois isolados. Esses ângulos sofrerão distorções, previstas apenas qualitativamente pela RPECV. A intensidade dessa distorção dependerá do tipo de átomo ligado e do número de par de elétrons isolados, pois estes, geram maior repulsão que os pares ligantes); uma trigonal plana (com três domínios de elétrons ligantes); uma plana em forma de T (três domínios ligantes e dois isolados) e uma quadrática planar (quatro domínios ligantes e dois isolados). As seis geometrias restantes que têm seus átomos em disposição tridimensional (não estão no mesmo plano) são: piramidal trigonal, tetraédrica, gangorra, trigonal bipiramidal, piramidal quadrada e octaédrica.

Embora originalmente o trabalho de Lewis, conforme Filgueiras (2016) seja voltado à natureza das ligações (Teoria da Ligação Química fundamentada no par de elétrons, desenvolvida em três artigos: “Valência e Tautomerismo” em 1913; “O átomo e a molécula” em 1916; e “Conferência introdutória: Valência e o elétron” em 1923) e não propriamente

10 São regiões espaciais onde os pares de elétrons podem ser encontrados com maior probabilidade em volta do átomo central, definindo ângulos que formarão geometrias específicas. Assim, os pares ligantes juntamente com os pares isolados, também chamados de número estéreo (MIESSLER; FISCHER; TARR, 2014), contribuem distintamente nos ângulos e comprimento de ligação.

para a geometria das moléculas, é necessário saber desenhar suas estruturas11 antes de usar as regras da RPECV, pois são as ligações químicas, que mantém os átomos unidos em uma molécula. Toma (2013, p. 84) destaca três características das ligações que se relacionam pela eletronegatividade, a saber: polaridade, distância e energia. Ele define eletronegatividade “[...] como a força de atração exercida pela carga nuclear efetiva de um átomo sobre um elétron de ligação”. Assim, juntamente com Geometria, essas energias podem ser utilizadas para predizer se a molécula terá um dipolo permanente ou não, e dessa forma, deduzir seu comportamento e que tipo de interação ela terá em um conjunto de moléculas (CARLISLE; TYSON; NIESWANDT, 2015).

Outro aspecto das ligações que pode ser analisado a partir da Geometria Molecular é a hibridização de orbitais. Considerando o orbital como “[...] uma região do espaço onde a probabilidade de encontrar o elétron é grande” (SOLOMONS; FRYHLE, 2005, p. 19), a abordagem sobre hibridização de orbitais atômicos, por ser mais simples que a TOM (dada à complexidade da representação dos orbitais moleculares e dos seusdiagramas para moléculas com muitos átomos), torna-se mais compreensível e significativa para aluno do Ensino Médio. Assim, a TLV, consolidada pela contribuição de Linus Pauling, ao descrever a hibridização de orbitais atômicos, vem a ser um recurso útil para visualização da geometria molecular (KOTZ; TREICHEL; WEAVER, 2009), pois estes, ao se combinarem, adquirem uma orientação compatível com a Geometria da molécula, diferentemente da orientação espacial dos orbitais puros, como se vê na figura 7.

Conforme Solomons e Fryhle (2005, p. 23), a hibridização é “[...] uma abordagem matemática que envolve a combinação de funções de ondas individuais [...] para obter funções de ondas para novos orbitais [...]” chamados de orbitais híbridos. Por exemplo, para os orbitais s e p individuais, ao se combinarem geram novos orbitais que, embora diferentes,

11 São representações que apresentam os símbolos dos elementos e os elétrons de valência na forma de pontos. Solomons e Fryhle (2005, p. 7) por conveniência, usam “[...] fórmulas de traços, onde cada traço representa um par de elétrons compartilhados por dois átomos.” Afirmam que ambas as fórmulas, comumente são atribuídas a Lewis (por exemplo: H : H ou H – H ). Os livros didáticos também fazem distinção em eletrônica e estrutural.

Figura 7 – Representações das superfícies limites dos orbitais (a) s e (b) p (px, py e pz)

(a) (b) Fonte: Adaptado de Brown et al. (2016, p. 242-244)

conservam características dos orbitais originais em proporções variadas, como: (i) 25% de caráter s e 75% de caráter p (sp3); (ii) 33,33% de caráter s e 66,67% de caráter p (sp2) e (iii) 50% de caráter s e 50% de caráter p (sp). Ao associar as formas geométricas das moléculas à hibridização, pode-se prever os seguintes orbitais híbridos partir dos arranjos: Linear: dois orbitais sp; Trigonal plano: três orbitais sp2; Tetraédrico: quatro orbitais sp3; Bipiramidal trigonal: cinco orbitais sp3d e Octaédrico: seis orbitais sp3d2. As demais Geometrias derivadas desses cinco arranjos apresentarão suas respectivas hibridizações.

Figura 8 – Esquemas de orbitais híbridos (sp, sp2, sp3, sp3d e sp3d2) e suas orientações espaciais. (a) Um dos dois sp. (b) Um dos três sp2. (c) Um dos quatro sp3. (d) Um dos cinco sp3d. (e) Um dos seis sp3d2.

As formas geométricas que foram exploradas na elaboração do origami arquitetônico, correspondem a dez (10) das treze (13) formas previstas na RPECV. Nelas não foram incluídos os arranjos planos dos pares de elétrons, que são: Arranjo linear (geometria linear) e arranjo trigonal plano (geometria trigonal plana e angular). Os modelos utilizados foram agrupados conforme os arranjos dos pares de elétrons apresentados no quadro 3.

Quadro 3 – Arranjo e geometria molecular nas pranchetas

Arranjo Geometria

Tetraédrico Tetraédrica

Piramidal trigonal Angular Bipiramidal trigonal Bipiramidal trigonal

Gangorra Em T Linear Octaédrico Octaédrica, Piramidal quadrada Quadrática planar

Fonte: Autoria própria

Embora, os livros didáticos destinados às escolas públicas se limitem a apresentar as formas linear, angular, piramidal trigonal, tetraédrica, e em alguns poucos casos, estejam incluídas a bipirâmide trigonal e a octaédrica, pressupõe-se que os alunos do Ensino Médio possuem capacidades cognitivas para entender as demais formas da figura 11. A abordagem

(a) (b) (c) (d) (e)

Fonte: Atkins e Jones (2006)

sp3d2 sp3d

dessas formas geométricas pode ajudar o aluno a desenvolver habilidades espaciais, bem como facilitar a transição da aprendizagem do Nível Médio para o Superior. Educadores do Ensino de química (STULL et al., 2016; GARRIDO, 2007; TUDELA, 2007; FILGUEIRAS, 1985; HANSON, 1995) têm verificado que muitos alunos chegam às Universidades apresentando concepções erradas sobre geometria molecular e pouca noção de tridimensionalidade.

Filgueiras (1985) comenta duas distorções conceituais as quais considera bastante comum: primeiro – inversão de raciocínio, ou seja, o aluno prioriza o modelo “abstrato” sobre o “fato”, ao afirmar, por exemplo, que o metano é uma molécula tetraédrica porque seu carbono possui hibridização sp3; segundo – definição da geometria da molécula tomando outra como referência por comparação direta – o aluno afirma que o íon triiodeto tem geometria bipiramidal trigonal (no caso, apenas o arranjo é bipiramidal trigonal) sem os três vértices da base equatorial. Desse modo fica subtendida, na fala do aluno, a existência de uma bipirâmide definida por três pontos.

Conforme Locatelli e Arroio (2011) o professor precisa encontrar caminhos que favoreçam a abstração de conceitos (imaginar) a partir da observação de fenômenos (concreto) que são postos diante dos alunos. Assim, é importante que habilidades visuais sejam desenvolvidas no aluno, para compreender melhor essas relações. Uma forma de auxiliá-los na abstração de conceitos da química é utilizar materiais didáticos que lhes ajudem a perceber os processos químicos.

Mohamed-Salah e Alain (2016) ensinam que o acesso à variedade de modelos representacionais (que pode ser na forma de materiais didáticos) desenvolvidos em diferentes graus de abstração (por exemplo, concretos, fotos, diagramas, gráficos, etc.), e níveis representacionais (como micro, macro ou simbólico), favorecem o desenvolvimento de uma visão mais completa da química. Assim, seria pouco instigante para o aluno, ter acesso apenas ao aspecto factual empírico, sem uma abordagem teórica ou, vice-versa, ter somente a teoria, sem ter contato com algum fato que possa correlacionar ao seu cotidiano ou sensorial, como materiais manipuláveis.