• Nenhum resultado encontrado

3.3 FERRAMENTAS DIDÁTICAS NA PERCEPÇÃO ESPACIAL

3.3.1 Objetos de visualização como ferramenta didática

De acordo com Carlisle, Tyson e Nieswandt (2015) e Merino et al. (2018), um número considerável de alunos de química precisam desenvolver determinadas habilidades espaciais, para compreender temas que requerem o uso de relações espaciais em uma molécula ou entre um conjunto de moléculas. Estudos apontam que essas habilidades podem ser encorajadas, desenvolvidas e melhoradas através de intervenções com atividades específicas que envolvem, por exemplo, esboçar modelos moleculares em perspectivas diferentes, localizar um plano de simetria, ao mesmo tempo em um modelo 3D e em um esboço 2D de uma mesma molécula ou utilizar um modelo concreto para fazer desenhos com representação de traço/cunha (HARRIS, 2019; KHINE, 2017; WANG, 2017).

Através de Harris (2019), percebe-se a necessidade de inteligência espacial, como uma capacidade de identificar, recuperar e aplicar as informações mais complexas e abstratas para as múltiplas representações de fenômenos tridimensionais reais. Khine (2017, p.5, tradução nossa) define capacidade espacial, como a “capacidade de perceber as imagens visuais com precisão, construir representações mentais e imaginar informações visuais, entender e manipular as relações espaciais entre objetos.” Harris (2019), a semelhança de Carlisle, Tyson e Nieswandt (2015), em uma revisão de literatura, elencam três habilidades relacionadas a essa capacidade, que são: (i) Relação espacial – manipular mentalmente objetos 2D e 3D de forma rápida e precisa; (ii) Orientação espacial – imaginar um objeto em diferentes perspectivas; (iii) Visualização espacial – especifica a capacidade de imaginar, codificar e manipular uma parte das representações 3D em relação a outras partes, transformando-as ou movimentando-as. Isso envolve atividades complexas, combinando múltiplos objetos.

Ao tratar de química orgânica, Harris (2019) aponta a estereoquímica (isomeria cis- trans) como um exemplo onde os alunos aplicam essas habilidades, pois devem ter na mente o arranjo 3D com relação aos átomos na molécula a partir de estruturas 2D. Logo, deve-se fazer uso de algumas representações convencionais a fim de visualizar a tridimensionalidade da estrutura (por exemplo, a representação de Fisher, modelo computacional ou concreto), bem como movimentar mentalmente essas estruturas a fim de verificar suas propriedades e reatividade. Raupp et al. (2010), em estudo anterior, destacam como exemplo o ácido butenodióico, usualmente conhecido como ácido fumárico (na forma cis) e ácido maleico (na forma trans). Esses autores consideram como fator motivacional para os alunos, perceberem que a disposição espacial dos átomos na molécula altera a identidade da substância. Suas representações podem ser apresentadas em conformidade com a figura 9.

Conforme o exemplo citado, Raupp et al. (2010) apontam as seguintes diferenças entre esses ácidos: (i) solubilidade – o isômero cis é mais solúvel que o trans cerca de duas ordens de grandeza; (ii) ligação de hidrogênio – no isômero cis é intramolecular, enquanto no isômero trans é intermolecular; (iii) reatividade biológica – o isômero cis apresenta toxidade e a forma trans participa dos mecanismos de produção de energia celular. A sequência,

Figura 9 – Representação em 3D e 2D do ácido cis/trans-butenodióico, respectivamente

normalmente seguida, para identificar um isômero geométrico, envolve transformar uma fórmula química em uma fórmula estrutural, observar (visualmente) as possíveis configurações tridimensionais e comparar as duas estruturas (RAUPP et al., 2010).

Por causa dessa necessidade de compreender, e fazer mentalmente operações com formas 2D e 3D, a visualização em química vem se destacando como um ramo de pesquisa sobre a aprendizagem pela comunidade educacional (MERINO et al., 2018; RAUPP et al., 2010). Ela ganhou duplo sentido na interpretação de Gilbert (2005): visualização externa – evidenciada pela percepção visual e a visualização interna – as representações resultantes da percepção que são internalizadas na mente. Sua eficácia vem sendo testada por pesquisadores de várias áreas, inclusive da Química (VAVRA et al., 2011). De acordo com esses autores, não existe ainda uma generalização do termo visualização. Porém, algumas de suas definições são pertinentes às propostas desta pesquisa, que utiliza objetos tridimensionais e representacionais em forma de pranchetas de origami arquitetônico.

As definições apresentadas por esses autores ajudam a entender o papel da visualização em química, pois segundo Vavra et al. (2011), referem-se à capacidade de conhecer e compreender as ideias transmitidas através de ações ou imagens visíveis. Eles ainda apresentam três aspectos distintos nos conceitos de visualização, que são:

Objetos de visualização – Objetos podem ser imagens em três dimensões de

modelos tradicionais, diagramas esquemáticos, ilustrações geométricas, [...]

Visualizações introspectivas – são objetos mentais criados pela mente. [...] Visualização interpretativa – envolve a criação de significado de objetos de

visualização ou visualização introspectiva em relação à rede existente de crenças, experiências e entendimentos. (VAVRA et al., 2011, p. 23, tradução nossa)

Pode-se então concluir, que as visualizações foram interpretadas e diferenciadas como sendo: objetos físicos, que inclui as diversas formas de representações como figuras, gráficos e modelos concretos; objetos mentais, que se referem aos construtos da mente como construção de imagens mentais; e processos cognitivos, que envolve a capacidade de interpretar tanto as visualizações físicas como as mentais (inclui as funções cognitivas na percepção visual, manipulação do concreto para abstrair o modo de pensar retratando os fatos).

Uma importante contribuição da visualização em química é seu potencial em auxiliar o aluno na imaginação do aspecto “invisível” dessa ciência, ou seja, seu aspecto submicroscópico, onde estão incluídos os átomos, as moléculas e as geometrias moleculares. Atualmente o professor tem condições de decidir se prefere trabalhar quase que exclusivamente com a linguagem verbal, com os signos da escrita, usando materiais com

pouca ilustração, ou se lança mão das múltiplas ferramentas de visualização para auxiliar no processo ensino/aprendizagem, tornado suas aulas mais criativas, dinâmicas e com maior potencial para uma aprendizagem significativa, oferecidos pelos recursos que estão a sua disposição.

Revisando a literatura, encontra-se um crescente número de publicações nas últimas décadas com trabalhos voltados para visualização (HARRIS, 2019; JONES; SPENCER, 2018; KHINE, 2017; MOHAMED-SALAH; ALAIN, 2016; CARLISLE; TYSON; NIESWANDT, 2015), tendo como objeto didático os modelos concretos, tipo bola vareta, fisicamente manipuláveis, e sobre a verificação da eficiência da visualização no ensino de geometria molecular. Também têm se destacado os trabalhos sobre o desenvolvimento de modelos virtuais 2D e 3D com o auxílio do computador a partir do desenvolvimento de programas para construção desses modelos (MERINO et al., 2018; PAULETTI; CATELLI, 2018). Todo esse esforço tem por finalidade desenvolver recursos visuais que possam ser utilizados para potencializar o ensino de química.

Quando se pretende promover a aprendizagem e melhor compreensão sobre determinado assunto, fazendo uso de objetos de visualização, é importante considerar algumas recomendações orientadoras propostas por Vavra et al., (2011), na sua utilização: eles devem ser relevantes ao objetivo da lição; o conteúdo é mais importante do que o realismo dos desenhos; é necessário um repertório de conhecimentos e habilidades, tipo visualização espacial de objetos em relação espaço tempo; os objetos de visualização devem ser combinados com explicações verbais ou informação textual para compreensão conceitual. Assim o aluno pode ter acesso à informação através do texto, do visual ou de ambos.

Locatelli e Arroio (2011) destacam que ao utilizar objetos de visualização, espera-se que o aluno possua ou desenvolva entre as habilidades espaciais, a capacidade de reconhecer as convenções sobre aquele objeto. Por exemplo: uma bolinha representa átomos, pares de elétrons, íons, molécula? Isso deve estar claro para o aluno, pois sua interpretação dependerá dessas informações. Além das habilidades já citadas, ele deve compreender o objeto representado em 2D ou 3D. Portanto, em sua mente, o aluno deve ter a habilidade de rotacioná-lo em diferentes ângulos e perspectivas, além de imaginar sua reflexão e inversão.

Gilbert (2005) chama esse conjunto de habilidades inter-relacionadas, de metavisualização. Para esse pesquisador, essas habilidades são importantes para o progresso da aprendizagem, pois na química, os modos mais frequentes de representação são o concreto (materiais tridimensionais, como modelos bola-vareta), o simbólico (símbolos, fórmulas, equações, leis, etc.) e o visual (estruturas químicas em 2D, pseudo 3D de computadores ou

virtuais, etc.), que para serem plenamente entendidos é necessário o desenvolvimento dessas habilidades metavisuais (KHINE, 2017). A figura 10 traz a ideia de um pseudo 3D.

Observando as representações da figura 10, fica evidente que é próprio da natureza da química raciocinar com informações visuais. Se não fosse utilizada as habilidades visuoespaciais (CARLISLE; TYSON; NIESWANDT, 2015) não seria possível reconhecer a geometria tetraédrica do metano nas representações. Para entender cada face tetraédrica como triângulos eqüiláteros, dando a impressão de uma forma 3D, deve-se levar em consideração os planos de fuga, originando características visuais onde cada face é percebida com ângulos diferentes. Os diferentes tamanhos dos átomos permitem avaliar a distância entre eles, ou se estão mais próximos ou distantes do observador.

Outra forma para indicar a tridimensionalidade da molécula é, observar o encurtamento das linhas de contorno ou as diferentes convenções para as linhas de ligação. As linhas contínuas estão no plano, a cunha cheia para frente do plano e a pontilhada para trás do plano. Essas representações podem dar uma visão de profundidade, evitando a equivocada sensação de quatro triângulos diferentes em um plano. O que se pretende com isso, é que surja uma imagem 3D (pseudo 3D) em um plano, seja no papel ou em uma tela de computador. Assim, conforme esses autores, uma maneira de reforçar a capacidade dos alunos para construir representações internas é fazer uso de representações externas.

Figura 10 – Representação 3D do metano com destaque ao pseudo 3D relativo aos triângulos equiláteros que formamas quatro faces do tetraedro