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Gerente: obrigações de meio e de resultado

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO GERENTE DE BANCO

3.4 Responsabilidade Contratual e extracontratual do gerente

3.4.2 Gerente: obrigações de meio e de resultado

O gerente, sob o ponto de vista do contrato de trabalho, equipara-se aos demais empregados da instituição financeira, no entanto, tem a natureza de suas obrigações diferente em razão da peculiaridade de sua função: preposto e gestor da empresa em sua unidade de trabalho.

A função de gerente exige qualificação específica do ocupante do cargo, da mesma forma que os profissionais liberais - como médicos, advogados, transportadores, entre outros - para o exercício das respectivas atividades. Dessa forma, as suas obrigações e conseqüentes responsabilidades devem ser analisadas, também, sob o ponto de vista da atividade profissional, verificando se a natureza dessas obrigações é de meio ou de resultado.106

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RHEE, C. H. van. Civil proccedure. European Review of Private Law, Netherlands, n.4, p. 589-611, 2000, p. 605.

106 A responsabilidade profissional é tratada no atual Código Civil cujos arts 1.545 e 1546 tratam

É importante notar que o preciso enquadramento da situação, para que se verifique se a situação é de obrigação de meio ou de resultado, depende da casuística, sendo o parâmetro para distinção justamente a previsibilidade do resultado inadimplência.

Saliente-se, ainda, que, conforme será demonstrado, a fixação da obrigação como de resultado ou de meio apresenta importantes conseqüências na prática forense, pois, nas hipóteses de obrigação de resultado, basta ao prejudicado demonstrar em Juízo o desacordo entre o convencionado e o resultado obtido. Já nas obrigações de meio, a dificuldade de colocação da questão e da aferição da própria responsabilidade do gerente é maior, pois é imprescindível que fique caracterizado um dos elementos da culpa aquilina.

A doutrina brasileira, em relação à obrigação de meio e de resultado, inspirou-se na doutrina francesa. André Tunc, sobre o direito francês, escreveu:

Introduzida por Demogue, na doutrina francesa moderna, modificada por Henri e Léon Mazeaud, que a consideravam uma summa divisio de todas as obrigações, delituais e contratuais, a distinção entre obrigações de resultado e de meios diz respeito ao objeto da obrigação, tendo, contudo, por razão de ser, uma repartição diferente do ônus da prova que incumbe aos contratantes, por ocasião de uma contestação.107

A responsabilidade civil em razão do exercício de atividade profissional de meios ou de resultado é inerente à responsabilidade contratual. Assim, na obrigação contratual de atividades exercidas por profissionais liberais e outros prestadores de serviços, o contratado assume obrigações de meio quando se compromete a atuar com lisura, empenho, correção sem garantir um resultado, são exemplos as atividades dos Código Civil, porém, incorporou o entendimento doutrinário de que tal responsabilidade atende a um princípio geral e se aplica a todos os profissionais estabelecendo o seguinte: “Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.

107 TUNC, André. A distinção entre obrigações de resultado e obrigações de diligência. Revista dos

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médicos e advogados, ressaltando-se que, em alguns casos, esses profissionais tenham obrigação de resultado. Em outros casos, estabelece-se uma obrigação de resultados, como nos casos do transporte da empreitada.

Dedução lógica é que a obrigação de meio ou de resultado condiciona-se à atividade exercida pelo profissional, tendo em vista que suas peculiaridades individuais impõem limites diferenciados de comprometimento.108

À luz dos ensinamentos citados, é possível definir-se:

- na obrigação de meio, o devedor tem apenas a obrigação de usar de prudência e diligência que são normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, no entanto, se vincular a obtê-lo. A inexecução dessa obrigação é caracterizada pela omissão do devedor em tomar as precauções devidas, sem se cogitar do resultado final;

- na obrigação de resultado, o credor tem o direito de exigir a produção de um resultado, sem o qual se terá o inadimplemento contratual. Logo, se inadimplida a obrigação, competirá ao devedor provar que a falta do resultado previsto não decorreu de sua culpa, mas de caso fortuito ou de força maior.

Em síntese, tem-se que, nas obrigações de resultado, o devedor responde sempre pelo mau êxito, salvo nas hipóteses de caso fortuito ou força maior. E nas obrigações de meios, o devedor não responde pelo mau êxito, salvo nos casos de negligência, imprudência ou imperícia. Devendo ressaltar-se, ainda, que a idéia de classificar assim as obrigações surgiu apenas da necessidade de inversão do ônus da prova.

Entendimento esse que é ratificado por Savatier, citado por Theodoro Júnior:

A doutrina, na análise dos tipos de contrato, costuma dividi-los em contratos de resultado e contratos de meio, classificação de relevantes

efeitos no plano material e sobretudo no plano processual, onde opera uma total mudança ao ônus da prova.109

Nas operações de crédito, o vínculo obrigacional entre o gerente e o banco, caracteriza-se por um dever do gerente em atuar com diligência, em todas as fases dessa operação, quais sejam: captação, concessão, manutenção e retorno. Observe- se que o exigido é uma determinada forma de atuação em várias fases de um processo (a concessão do crédito) que terá ao final como resultado o lucro ou o prejuízo; e não a obtenção de um resultado esperado o lucro. Ou seja, o gerente tem com o banco uma obrigação de meio e não de resultado.

Logo, não somente o gerente não pode ser presumido responsável, quando a operação de crédito não cumpre o seu curso normal, como ele também não necessita justificar que dedicou os cuidados dotados das qualidades requeridas. Enfim, se uma obrigação é geralmente executada, é normal presumir que a sua execução foi correta; fato determinante para que o ônus da prova seja imposto ao banco.

A obrigação do gerente, em sua relação obrigacional estabelecida com o banco, é preponderantemente de meio, ou seja, não pode o gerente garantir como resultado da sua atuação a certeza da adimplência dos mutuários.

Note-se que essa situação desvincula a responsabilidade civil do gerente do resultado obtido. Isto se justifica em razão de que o sucesso de uma operação de empréstimo está condicionada à atuação de todos os contratantes: ao gerente compete efetuar uma “boa” concessão e ao mutuário o retorno do capital emprestado.

Existem três variáveis na concessão do empréstimo que definem os seus resultados: a capacidade financeira real do mutuário no ato da contratação, a situação financeira posterior ao empréstimo e a vontade de cumprir com a obrigação assumida. Tem-se então que a primeira é uma variável controlável pelo gerente, enquanto a segunda e terceira independem de seu controle.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Aspectos processuais da ação de responsabilidade por erro médico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 760, p. 40-48, fev. 1999, p. 41.

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Logo, por ser uma obrigação de meio, para se creditar à conduta do gerente o insucesso da operação, deve-se constatar a ausência das precauções devidas na consecução do negócio, isto é, verificar-se se o prejuízo teve, como única causa, a inobservância dos limites de risco de crédito aceitáveis pela instituição.