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Pressupostos para uma responsabilidade civil do gerente

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO GERENTE DE BANCO

3.6 Pressupostos para uma responsabilidade civil do gerente

Toda relação jurídica, lícita ou ilícita, é uma relação social, porém nem toda relação social é uma relação jurídica. As relações jurídicas são relações sociais qualificadas pela incidência de uma norma que as faz penetrar no mundo do Direito. A doutrina tradicional separa alguns fatos sociais e os erige, em pé de igualdade, ao patamar de fontes criadoras de obrigações.

Importa salientar, no entanto, que os fatos considerados fontes de obrigações não ocupam lugares iguais em uma "linha horizontal”, mas cada qual se põe em um degrau acima do outro, na medida em que aumenta o grau de intensidade do contato social mediante a intervenção da vontade.

Pontes de Miranda afirma que nem todos os fatos jurídicos são idênticos; donde o problema inicial de distingui-los e de classificá-los. Dessa forma, classifica as fontes jurídicas conforme a amplitude com que o ordenamento valoriza a manifestação de vontade das partes expressa no ato. Se ele lhes confere ampla autonomia, especialmente no que tange à escolha dos efeitos do ato, este configura um negócio jurídico; se a vontade das partes que o ordenamento valoriza é tão-somente a vontade de praticar o ato, uma vez que seus efeitos jurídicos são impostos pela lei em caráter obrigatório, há um ato jurídico em sentido estrito; e, finalmente, se o ordenamento não

114 AZEVEDO, Antônio Ivanir de. Responsabilidade civil do administrador. Revista dos Tribunais, São

valorizar nem mesmo a vontade de praticar o ato, considerando relevante apenas o resultado da atividade volitiva, há um ato-fato.115

Os fatos para terem relevância jurídica em matéria de responsabilidade civil, requerem a existência de pressupostos, cujo estudo é o objeto desse capítulo.

Pressupostos da responsabilidade civil são as circunstâncias de fato e de direito sem as quais a ação de responsabilidade não pode ter existência jurídica nem validade formal.

3.6.1 Ação ou Omissão do Agente

Toda manifestação exterior de vontade, voluntariamente concebida de forma unilateral ou por recíproco acordo de vontades, produz o que se convencionou denominar de ato jurídico. Para visualizar a produção do ato jurídico, o agente deve assumir a atitude de desenvolver determinada conduta, ou, contrariamente, abster-se de praticá-la.

De tal conduta, poderá surgir uma obrigação originalmente lícita, decorrente da assinatura de um contrato, ou ilícita, como o acidente causado por determinada pessoa na condução de veículo. Lesionado o bem que se encontra tutelado, antes de ocorrer a apuração da existência e do quantum desse prejuízo, é mister apurar a efetividade ou não da conduta que lhe tenha dado causa.

Afinal, tem-se como inconcebível a idéia de responsabilização sem a concreta configuração de uma conduta humana que, por ação ou omissão, se consubstancie numa contrariedade ao ordenamento jurídico pré-estabelecido. Não sendo outro motivo, mas exatamente nessa conduta que configura, para Stoco, o "elemento primário de todo ilícito".116

115

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, parte geral, t, Il. São Paulo: Ed. RT, 1983, p. 183.

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O ato ilícito também produz efeito jurídico, que, embora diverso do pretendido pelo agente, é imposto pela lei. A sua desconformidade com a lei acarreta a violação de direito de outrem, em virtude de ato do agente causador do dano. Pode-se dizer que o ato ilícito é um ato do homem que transgride um dever jurídico imposto por lei, mas esse conceito, que fornece uma idéia do que é o ato ilícito comparado com o ato jurídico e comparado com os outros fatos que repercutem no direito, precisa ser mais definido nos seus elementos essenciais, quando se trata de lhe dar um lugar na dogmática. 117

Por isso, em referência às ações do homem, reconhece Beviláqua que:

Entre as ações humanas, que produzem efeitos jurídicos, sem que o agente os tivesse, determinadamente, pretendido obter, ou sendo indiferente que os tivesse visado, estão, de um lado, os atos ilícitos, omissivos ou comissivos, e, de outro, certos atos a que se ligam conseqüências estabelecidas pela lei independentemente da intenção com que foram realizados, como, por exemplo, a mudança de domicílio. 118

Nesse sentido e sobrelevando o aspecto comportamental, afirma Dantas119 que nunca o ato ilícito é uma simples declaração da vontade. Firme-se muito bem este ponto: enquanto os atos jurídicos são declarações da vontade, ex.: prometer, fazer, estar disposto a contratar, faz-se tal coisa, assim como se quer dizer suas declarações de vontade que produzem efeitos aquisitivos ou extintivos do direito, o ato ilícito nunca é uma declaração da vontade. Ele é um ato voluntário de conduta - o homem que diz que causará a outrem um prejuízo, não está cometendo um ato ilícito; essa ameaça pode repercutir na ordem jurídica, dando lugar a que a pessoa tome tais ou quais precauções e, por conseguinte, o direito dela tome conhecimento.

Mas não é isso que é um ato ilícito: o ato ilícito é sempre um comportamento, ativo ou comissivo, um comportamento positivo que infringe um dever jurídico e não que prometa ou ameace infringi-la, de tal sorte que desde o momento em

117

DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. Rio de Janeiro: Ed Rio, 1979, p. 352.

118

BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 4. ed. Brasília: Ministério da Justiça: Serviço de Documentação, 1972, p. 224.

que um ato ilícito foi praticado, está-se diante de uma conduta, diante de um processo executivo, e não diante de uma simples manifestação de vontade. Ato ilícito, que interessa para que se imponha a responsabilidade civil, é todo ato praticado em violação a um dever legal, desde que cause dano a outrem. O direito não se preocupa com a ilicitude que não causa dano a terceiro.

Segundo Azevedo,120 no sistema jurídico pátrio, os elementos que integram o ato ilícito são de duas ordens: os de natureza objetiva e os de natureza subjetiva.

Os elementos objetivos são: a) a contrariedade ao direito; b) o prejuízo ou dano sofrido;

c) a relação de causa e efeito entre o ato e o prejuízo. São elementos de natureza subjetiva:

a) a imputabilidade; b) a culpa.

A contrariedade ao direito é o fato de acarretar o ato ilícito à lesão de interesse protegido por uma norma jurídica, deduzindo-se então que não são ilícitos os atos que ferem interesses que não se encontrem sob a tutela do direito.

3.6.2 Autoria e responsabilidade pelo ato

A autoria do ato nada mais é do que a definição da origem do ato, com a identificação do praticante da ação ou da pessoa que o cometeu.

No âmbito da relação contratual entre o Gerente e o Banco, a responsabilidade pelo ato é a obrigação que pode restar ao gerente, autor ou não do ato,

120 AZEVEDO, Vicente de Paulo Vicente de. O fundamento da responsabilidade civil extracontratual.

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e que poderá levá-lo a responder civilmente por possíveis conseqüências decorrentes de seu cometimento, como a obrigação de reparar danos causados à empresa ou a terceiros. Essa responsabilidade não deriva, necessariamente, da autoria do ato, podendo, inclusive, ser alheia a ela.

A responsabilidade pelo ato e suas conseqüências derivadas vão depender de uma série de fatores exógenos, dentre os quais pode-se citar:

- a competência funcional na qual está investido o empregado; do nível de instrução e preparação recebidas da empresa, que o tenha habilitado ou não para a prática do ato;

- de ter sido o ato cometido em observância ou cumprimento a recomendações ou ordens superiores recebidas;

- de múltiplas circunstâncias factuais que possam ter recomendado a adoção e a execução do ato, ou possam ter induzido o empregado ao seu cometimento;

- de usos e costumes consolidados na empresa, de política operacional difundida entre os empregados;

- de pressões exercidas pela empregadora sobre seus empregados, como a cobrança de resultados;

- da representação na qual estava investido o autor do ato ou quem por ele seja o responsável, da abrangência da responsabilidade em função de atos cometidos por empregados subalternos;

- de fatores externos ou internos que, direta ou indiretamente, exerceram influência sobre a decisão de agir ou omitir-se.

O que se deflui, então, é que o autor do ato pode ou não vir a ser responsabilizado pelo ato cometido, o que distancia os conceitos de autoria do ato e de responsabilidade do ato.