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GERENTE: LIMITAÇÕES AO DEVER DE REPARAR

4.1 Excludentes da responsabilidade civil dos gerentes

4.1.2 O risco da atividade econômica

As instituições financeiras desenvolvem uma atividade econômica que tem por essência o risco. No capítulo primeiro, demonstrou-se exaustivamente, a existência de riscos, em suas mais diversas formas, no negócio bancário.

A relevância do risco para o sistema financeiro mundial é de tal magnitude que o Comitê da Basiléia, objetivando o seu gerenciamento, fixou normas que são adotadas por todos os países membros. No Brasil, tais determinações materializaram-se na criação da Central de Riscos do Banco Central (um mecanismo auxiliar de controle de risco de crédito que expõe a situação de cada tomador no sistema) e na exigência de provisão para devedores duvidosos, entre outras medidas.

As instituições financeiras para minimizar os impactos negativos da ocorrência da inadimplência recorrem, de forma preventiva, à prática de uma gestão de riscos, utilizando a implantação de sistemas de controles internos para previsão de eventos associados aos riscos nas operações de crédito.

Por outro lado, os bancos realizam cessão de créditos com empresas não financeiras, constituídas especificamente com a finalidade de adquirirem créditos. Isto lhes permite venderem seus créditos inadimplentes, sendo ilustrativo o caso da Empresa de Gestão de Ativos (EMGEA), criada pelo Governo Federal para adquirir créditos “podres” (expressão utilizada no jargão bancário para créditos ruins), das instituições financeiras federais. Essa transferência eliminou a necessidade de provisão desses créditos e conseqüentemente elevou a liquidez dessas instituições.

Ainda como forma de mitigação de prejuízos, as instituições, tentam estabelecer o seu limite de aceitação de riscos fixando limites e normas para a concessão de créditos que devem ser obedecidos por seu preposto, deixando implícito que fora desses limites existe uma transferência dos riscos da atividade para o concessor da operação.

Os riscos envolvidos na atividade econômica bancária são diversos e, conforme já estudado, podem ser classificados em riscos de crédito, de mercado, legal e operacional. A natureza desses riscos relaciona-se principalmente às operações de

crédito, entretanto, como será demonstrado a seguir, resultam de eventos, que em sua maioria, não têm a participação do gerente de concessão de créditos.

Os riscos de mercado são causados, em grande parte, por fenômenos econômicos, e decorrem de fatores como taxas de juros, taxas de câmbio, preços de ações e de commodities. Os riscos legais decorrem da inadequação das leis na resolução de assuntos legais envolvendo bancos, dificuldades na execução de garantias. Como exemplo adicional, tem-se a revisão judicial de contratos, discussão sobre a legitimidade de juros e principal, sistemas de amortização, entre outros. São riscos fundamentais, impessoais em origem e conseqüência.

Riscos operacionais têm como origem problemas de funcionamento de sistemas de informática, transmissão de dados e de sistemas internos de monitoramento de regras. Podem surgir em dois diferentes níveis: o primeiro é o nível técnico, que ocorre quando o sistema de informação é deficiente, ou pela ausência de ferramentas adequadas para a mensuração do crédito. Atente-se para o fato de que, esses riscos, embora surjam de eventos individuais, têm como origem, a instituição, não se podendo, também nesses caso cogitar-se de culpa do gerente.

O risco de crédito surge de eventos individuais. Tem como subtipos o risco de inadimplência, degradação de garantia, concentração de crédito, degradação de crédito e risco soberano.

Risco de inadimplência é o risco de uma contraparte em cumprir algum acordo, ou contrato, segundo o que estaria previsto. Risco de degradação de garantia implica nas perdas, em função das garantias oferecidas por um tomador, deixar de cobrir o valor de sua obrigação em função da desvalorização desse bem no mercado, ou dilapidação do patrimônio empenhado pelo tomador. O risco de concentração de crédito é a possibilidade de perdas em função da concentração de empréstimos e financiamentos, seja em setores da economia, ou empréstimos para um único cliente ou grupo econômico.

Risco de degradação de crédito decorre da perda pela queda na qualidade creditícia do tomador de crédito. Risco soberano é o risco de perdas envolvendo transações internacionais - aquisição de títulos, operações de câmbio.

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Esses riscos podem ser de ordem interna, ou seja, resultantes da ação direta do gerente ou da instituição; ou de ordem externa, como conseqüências de atitudes do tomador do crédito ou de terceiros envolvidos. Dessa forma, na primeira ordem estão os riscos de inadimplência e de concentração de crédito. Enquanto, os da segunda ordem, seriam os riscos de degradação de garantia, degradação de crédito e soberano.

Com feito, a participação do gerente nos riscos de crédito restringe-se apenas aos de ordem interna, isto é, àqueles em que o gerente tem participação ativa no evento gerador: o risco de inadimplência e de concentração de crédito.

Por conseguinte, dos inúmeros riscos relacionados à atividade bancária, apenas dois subtipos devem sua origem a eventos gerados no âmbito da atuação gerencial, enquanto os demais se originam de eventos externos aos agentes, ou se devem a fenômenos conjunturais do mercado financeiro.

Com tal argumentação, não se pode admitir, das instituições financeiras, uma separação dos riscos e benefícios na exploração econômica. Sendo a regra geral que os bancos assumem integralmente os riscos da atividade econômica. Restringindo a responsabilização do gerente, nos casos de prejuízos decorrentes dos riscos de inadimplência e que preencham os requisitos para uma responsabilização subjetiva.

No âmbito da responsabilidade civil, inexiste uma construção doutrinária ou jurisprudencial sobre o tema. Porém, no Direito do Trabalho, tem-se discutido sobre a possibilidade da transferência do risco da atividade econômica do empregador para o empregado.

O Artigo 2o da CLT estabelece que a empresa assume os riscos da atividade econômica: “Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

O gerente é um empregado detentor de cargo de confiança e possuidor de alçada para efetuar negócios dentro da empresa, portanto, em nome da empresa. No caso específico dos bancos, o gerente não é o responsável primeiro e direto pelo empréstimo concedido e, por ventura, inadimplido. Ele não atua em nome próprio. É a

empresa que opera negócios, fazendo-os através de prepostos-empregados, que são regularmente nomeados por atos de autoridades competente, investidos, portanto, de um poder delegado e cumprindo suas atribuições sempre em nome da empresa.

A empresa se faz representada no exercício de suas funções pelo empregado nomeado. O pessoal é a extensão da pessoa jurídica. Logo, a responsabilidade pelos riscos do negócio de uma instituição financeira, como de qualquer outra empresa, não pertence aos empregados, e sim, à própria empresa. Sobre os empregados não pode ser imputada, aleatoriamente, a responsabilidade, simplesmente porque são conhecidos prejuízos decorrentes de negócios operados e porque houve falhas operacionais na concessão.

A jurisprudência não é unânime ao julgar as reclamações oriundas de descontos por danos, havendo decisões que não admitem o desconto, mesmo que previsto no contrato de trabalho, sob o fundamento de que o risco da atividade econômica é do empregador.

Ilustrativo desse entendimento é o seguinte trecho, extraído do voto condutor do acórdão 01035.028/97-2 (RO ) do TRT 4a Região:“...O risco do negócio é do empregador e não se pode permitir que em situações normais de trabalho ele transfira ao empregado todo e qualquer prejuízo decorrente de sua atividade econômica”. Observe-se, nesse entendimento, que os riscos da atividade econômica alcançam exclusivamente o empregador.

A análise dos riscos da atividade econômica, no âmbito da justiça laboral, permite as seguintes deduções:

a) O empregador assume integralmente os riscos da atividade econômica. Nesse caso, ao gerente, não restaria nenhuma responsabilidade pelos prejuízos advindos da inadimplência das operações por ele concedidas, pelo fato de que, os danos seriam provenientes de empréstimos ou financiamentos, concedidos em nome do empregador e dentro da abrangência de sua atividade empresarial que é, dentre outras, a de conceder créditos.

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Logo, inexistiria a possibilidade de serem efetuados descontos no salário do empregado a título de ressarcimento. E, a assunção integral do risco pelo empregador isentaria por conseqüência o gerente de responsabilização civil em face dos danos.

b) O empregador assume parcialmente os riscos da atividade econômica. Nessa hipótese, apenas as operações concedidas dentro dos parâmetros estabelecidos e cercadas das cautelas necessárias estariam dentro do risco da atividade econômica do empregador.

O gerente estaria passível de sofrer descontos salariais nos casos de culpa. Ficando isento de tais descontos nos casos de imprevisão contratual, mas existindo ainda a possibilidade de ser demandado judicialmente na esfera cível.

Por conseguinte, no Direito do Trabalho ou na responsabilidade civil, o cerne da questão, de quem assume os riscos da atividade econômica está na comprovação de que o risco excessivo foi delimitado de maneira clara e precisa pela instituição financeira.

Dessa forma, na análise do caso concreto, na análise do mérito da culpa do gerente, faz-se mister a verificação do nível de confiabilidade das ferramentas postas à disposição do concessor de crédito, para deferimento da operação inadimplida.

Nesse desiderato, deve-se atentar para o fato de que o insumo básico do mercado financeiro é a informação. No entanto, em geral, as informações necessárias para se conceder um empréstimo são insuficientes ou incompletas; além disso, os gerentes podem ter acesso a diferentes tipos de informações que, às vezes, são complementares ou contraditórias.

Esse fato caracteriza o que a teoria econômica conceitua como assimetria de informações e que origina dois tipos de problemas encontrados no mercado financeiro: o risco de crédito e a seleção adversa. Problemas que, embora deflagrados na atuação gerencial, têm sua origem nos sistemas operacionais do banco.151

151 PRADO, Renata G. Almeida. Gerenciamento de riscos de crédito em bancos de varejo no Brasil.

O processo de mensuração de crédito, oportunamente discutido no segundo capítulo, mostra que houve uma evolução histórica no uso de técnicas estatísticas; que o uso das informações obtidas dos demonstrativos financeiros e dos hábitos e características dos clientes é relevante na inferência do comportamento futuro das organizações, mas também constata que a tendência é de serem incluídas variáveis que não pertencem ao domínio do tomador, tais como políticas públicas taxas de juros, sazonalidade, entre outros.

Os componentes desses sistemas, porém, são dinâmicos e precisam ser revisto com o passar do tempo, em função das mudanças nos pesos dos índices utilizados, o surgimento de novos índices e a simulação de cenários futuros.

Os processos sistêmicos de avaliação, mais recentes, utilizam modelos estatísticos baseados na análise discriminante e são utilizados como parâmetros para a concessão ou não do crédito, não o sendo para a auxiliar a mensuração do risco associado a essa concessão.

Os processos de mensuração não são únicos nem infalíveis, isto é, não existe um modelo padrão para todas as instituições, tampouco tais modelos conseguem eliminar totalmente o risco de inadimplemento nas operações. Dessa forma, apenas a análise de cada caso concreto, e a verificação individual de cada método de mensuração, é que serão capazes de fornecer ao julgador, subsídios para um juízo de valor sobre a existência, no âmbito da instituição financeira, de um balizador aceitável para o risco excessivo do banco.

O processo de concessão e mensuração do crédito tem como resultado uma decisão pessoal do gerente pautada em critérios, objetivos e subjetivos, definidos e disponibilizados pela instituição. Sendo inequívoca, portanto, a participação do banco em todos os eventos geradores da inadimplência, mesmo naqueles onde caiba uma responsabilização ao gerente.

Assim, o julgador na análise do caso concreto, naqueles que configurem responsabilidade civil do concessor do crédito, deve optar por uma responsabilidade mitigada do gerente, buscando um ponto de equilíbrio entre a causa danosa e a distribuição da reparabilidade entre os agentes.

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