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OBJETIVOS DO ESTUDO

SEÇÃO 1: GESTÃO DEMOCRÁTICA E CONSELHOS ESCOLARES 1.1 – Gestão Democrática da/na escola

Definir o que é gestão democrática escolar não é uma tarefa simples. Seria, talvez, muito mais fácil tratar o tema tomando-se como base a forma como se gerenciam outras atividades humanas. Não poderíamos, por exemplo, trabalhar com categorias similares às que se utilizam no estudo da administração empresarial? Uma das coisas que tornam a questão menos simples do que pareceria à primeira vista diz respeito justamente ao que se entende por educação. Não é possível comparar a educação com outras atividades humanas, especialmente com aquelas que fazem parte do ambiente empresarial, as quais, em geral, envolvem interesses relacionados à geração e administração de riquezas tangíveis.

A educação é um direito essencial de cada indivíduo e representa um ato político. É um direito essencial de cada indivíduo porque se trata de um meio potencialmente apropriado para se adquirir o conhecimento dos demais direitos, sendo, portanto, um passo importante para a sua realização. Essa noção se conecta com outra: a noção de dignidade humana, a qual, por ser inerente a todas as pessoas, implica na igualdade de seus direitos e na sua inclusão no ordenamento jurídico, sem qualquer tipo de discriminação (RISCAL, 2009, p. 31).

Se a educação está associada à dignidade humana pelo exercício e realização de direitos, então seu significado ultrapassa o saber ou o saber-fazer individual. Ao conscientizá- lo de que há direitos e deveres, ela prepara o indivíduo para o convívio em sociedade. Portanto, a educação representa um ato político, que se conecta à realização da liberdade e do bem-estar como construção social (PARO, 2001, p. 2). Segundo Benevides (1998), estas premissas formam a base da educação para a cidadania democrática, que

(...) consiste na formação de uma consciência ética que inclui tanto sentimentos como razão; passa pela conquista de corações e mentes, no sentido de mudar mentalidades, combater preconceitos e discriminações e enraizar hábitos e atitudes de reconhecimento da dignidade de todos, sejam diferentes ou divergentes; passa pelo aprendizado da cooperação ativa e da subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum. Se falamos em ética, trata-se de confirmar valores; nesse sentido, a educação para a democracia inclui o desenvolvimento de virtudes políticas decorrentes dos valores republicanos e democráticos 1

(BENEVIDES, 1998, p. 148).

1 A autora assim define as virtudes republicanas “a) o respeito às leis, decididas em processos regulares e amplamente participativos; b) o respeito ao bem público, acima do interesse privado e patriarcal e c) o sentido da responsabilidade no exercício do poder, com a consciência dos males coletivos que resultam do descumprimento dos deveres próprios de cada um, nas diferentes esferas de atuação do cidadão.”; como virtudes democráticas a autora entende “a) o reconhecimento da igualdade e o conseqüente horror aos

privilégios; b) a aceitação da vontade da maioria legalmente formada decorrente de eleições ou de outro processo democrático, porém com constante respeito aos direitos das minorias” e “c) o respeito integral aos

Mas a dimensão política da educação relaciona-se, também, com a transmissão da magnífica herança de mais de dez mil anos de saberes criados pela humanidade, assim como do desenvolvimento do raciocínio e da capacidade de decidir de forma autônoma2. O sujeito que assim se constitui tem condições de alterar a sua história e a da sociedade em que está inserido mediante a utilização racional (e social) desse conhecimento. Segundo Paro (1998):

A educação, entendida como a apropriação do saber historicamente produzido é prática social que consiste na própria atualização cultural e histórica do homem. Este, na produção material de sua existência, na construção de sua história, produz conhecimentos, técnicas, valores, comportamentos, atitudes, tudo enfim que configura o saber historicamente produzido. Para que isso não se perca, para que a humanidade não tenha que reinventar tudo a cada nova geração, fato que a condenaria a permanecer na mais primitiva situação, é preciso que o saber esteja sendo permanentemente passado para as gerações subsequentes (PARO, 1998, p. 2). De acordo com esse raciocínio, e considerando-se a existência de uma relação de interação entre educando e educador, conclui-se que tal promoção não será necessariamente neutra, pois ao se transmitir conhecimentos, também se transmitem valores, conceitos e visões de mundo. Aqui se evidencia, uma vez mais, a dimensão política do ato de educar, pois a retransmissão sistemática de valores aos educandos cria condições para que se modele a sociedade em torno de um conjunto de concepções (RISCAL, 2009). Consequentemente, quando essas concepções são determinadas por grupos políticos ou segmentos sociais e econômicos, alienando-se os demais, a educação deixa de cumprir seu papel como direito humano e se converte em instrumento de dominação.

As políticas educacionais orientadas à formação de mão-de-obra especializada se inserem nesta discussão, sendo bem extensa a bibliografia sobre as interferências de alguns organismos internacionais não-governamentais (Comissão Econômica para a América Latina, Banco Mundial, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, entre outros) nas políticas educacionais do Brasil, utilizando-se para isso de meios tão diversos como, por exemplo, o financiamento de projetos ou o estabelecimento de parâmetros para avaliações externas. O objetivo dessas ações tem sido, em geral, privilegiar determinados

2 Obviamente a escola representa um papel central na transmissão desses saberes, porém de forma alguma

poderia ser considerada única. Há outras formas que não necessariamente dependem de estruturas formais. É interessante, nesse sentido, mencionar o que Souza Santos (2007) chama de ecologia de saberes, conceito que representa o “reconhecimento da existência de uma pluralidade de formas de conhecimento além do científico” (SOUZA SANTOS, 2007, p. 86) e que implica em uma ruptura com a dualidade imposta por aquilo que o autor chama de “pensamento abissal”: um modelo mental que relegaria à invisibilidade a cultura e os saberes dos sujeitos não hegemônicos. Em contraposição, a ecologia de saberes “expande o caráter testemunhal dos

conhecimentos de modo a abarcar igualmente as relações entre o conhecimento científico e o não-científico, ampliando assim o alcance da intersubjetividade como interconhecimento e vice-versa” (SOUZA SANTOS, 2007, p. 89).

conteúdos curriculares, notadamente os que estão relacionados ao desenvolvimento do mercado e à formação da mão-de-obra (FONSECA, 1998; PARO, 1999; RISCAL, 2009).

Segundo Fonseca (1998), as ações do Banco Mundial, por exemplo, se apresentam ostensivamente sob o discurso da promoção do desenvolvimento humano e social nos países subdesenvolvidos. A prioridade do banco em relação ao ensino fundamental revela, no entanto, uma estratégia de intervenção na agenda educacional dos países com a reafirmação do papel do Estado como provedor dos níveis educacionais mínimos e uma visão homogeneizante da educação como meio de elevação social e de desenvolvimento de mercados em um contexto econômico globalizado. De acordo com Riscal (2009, p. 64), tal concepção torna a educação em objeto da gestão de resultados, conceito originário da administração das corporações privadas. Transforma-se em um artigo de consumo como qualquer outro. Os processos de transmissão de conhecimento são racionalizados e sistematizados, através de técnicas e métodos que mais se assemelham aos de uma linha de montagem:

A educação é vista como um serviço a ser prestado, o aluno é o cliente e os docentes e as equipes escolares são os recursos humanos. O resultado dessa política tem sido a transformação do docente em mero tomador de lições e reprodutor do que está estabelecido em apostilas, que já chegam às suas mãos prontas. O professor é destituído de uma de suas ações primordiais na práxis educativa, que é refletir e elaborar os conteúdos adequados às suas turmas de alunos de acordo com o projeto coletivo da escola. São adotados métodos preestabelecidos de ensino, com apostilas prontas e salas lotadas, pois a atividade educativa deixa de ser um processo de formação intelectual para se tornar um processo meramente (...) de aquisição de informações (RISCAL, 2009, p. 65).

É fácil perceber que esse enfoque priva o aluno da possibilidade de expandir seu conhecimento para além dos limites do “utilitário”: aprende-se o que é necessário e suficiente para tornar-se parte de um contingente de mão-de-obra, de uma massa de produtores- consumidores de bens, negligenciando-se o papel da educação na atualização histórico- cultural dos indivíduos (PARO, 1999, p. 11). Com isso, a comunidade escolar fica alienada dos processos decisórios e o gestor escolar, por sua vez, encontra-se destituído de qualquer relevância do ponto de vista político e pedagógico (RISCAL, 2009, p. 65). Essa desapropriação da comunidade e do gestor escolar configura um ato político para o esvaziamento do papel político da escola.

Repudiar esse verdadeiro suicídio do papel político da escola significa estabelecer princípios de administração escolar que incluam todos os envolvidos (e que chamaremos doravante de “comunidade escolar”: alunos e seus pais/ responsáveis, docentes, funcionários da escola, gestores escolares e membros da comunidade do entorno).

É por meio desse conceito de participação coletiva que chegamos, finalmente, ao conceito de gestão democrática:

A gestão democrática é a concepção de administração da escola segundo a qual todos os envolvidos na vida escolar devem participar de sua gestão e que estabelece que toda a ação ou decisão tomada referente à escola deva ser de conhecimento de todos (RISCAL, 2009, p. 45).

Paro (1998), por sua vez, define-a como um elemento mediador para a realização dos direitos humanos e sociais:

Se os fins humanos (sociais) da educação se relacionam com a liberdade, então é necessário que se providenciem as condições para que aqueles cujos interesses a escola deve atender participem democraticamente da tomada de decisões que dizem respeito aos destinos da escola e a sua administração. Entendida a democracia como mediação para a realização da liberdade em sociedade, a participação dos usuários na gestão da escola inscreve-se, inicialmente, como um instrumento a que a população deve ter acesso para exercer seu direito de cidadania (PARO, 1998, p. 6). A gestão democrática é um dos princípios do ensino público, segundo a LBD no seu artigo 3º. Inciso VIII:

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino (BRASIL, 1996).

Como se vê, o texto da lei não define precisamente as suas normas. Esta atribuição foi, pelo artigo 14, legada aos sistemas de ensino, que devem fazê-lo observando os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do Projeto Pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e local em Conselhos Escolares ou equivalentes (BRASIL, 1996).

Além destes aspectos mencionados na LDB, há outro, que diz respeito à escolha do diretor escolar. De fato, segundo a análise feita por Gomes (2015), por solicitação do Congresso Nacional, da Lei nº 10.172/2001, a gestão democrática da educação:

(...) materializa-se, quanto aos sistemas de ensino, na forma dos conselhos de educação, que reúnem competência técnica e representatividade dos diversos setores educacionais, e, no âmbito dos estabelecimentos escolares, por meio da formação de Conselhos Escolares dos quais participam a comunidade, além da adoção de formas de escolha de direção escolar que associem garantia de competência, compromisso com a proposta pedagógica emanada dos Conselhos Escolares, representatividade e liderança (GOMES, 2015, p. 143).

É visível, portanto, que a discussão sobre gestão democrática de educação inclui três componentes que necessitam ser bem delineados e compreendidos: a direção escolar, os Conselhos Escolares o Projeto Político-Pedagógico. Trataremos destes temas nas seções seguintes.