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A simples constituição de um Conselho Escolar não tem, por si só, o condão de transformar a gestão em democrática. De fato, a realidade escolar mostra algumas experiências que inspiram reflexões sobre quais os elementos necessários para que os Conselhos Escolares cumpram aquilo que deles se espera, isto é, que se caracterizem como espaços de participação coletiva da comunidade escolar na gestão da escola.

Dentre estas experiências, destaca-se a instituição de processos de gestão democrática “proforma” ou de aparências, que tem sido estudada por diversos autores. Neste tipo de situação não existe a recusa ou resistência em sua implantação, porém o processo é caracterizado por práticas que são democráticas apenas no discurso.

Por exemplo, o trabalho de Conceição (2007), ao examinar a implantação, constituição e funcionamento dos Conselhos Escolares de duas escolas de Santa Maria (RS), detectou contradições originárias da falta de conhecimento ou acesso a pontos básicos da gestão escolar, como por exemplo, as contas da escola:

(...) mesmo que a função fiscalizadora das contas da escola seja a que mais os conselheiros atribuem ao Conselho Escolar, em uma das reuniões observadas, na Escola B, percebeu-se o domínio exercido pela diretora quando do tratamento sobre o tema referido. Os demais membros do Conselho não demonstravam conhecimento sobre as contas da escola e nem demonstravam interesse pelo tema que foi apresentado, conduzido e encerrado pela diretora, sem a emissão de nenhuma opinião ou discordância dos conselheiros. (CONCEIÇÃO, 2007, p. 68)

O autor conclui, em seus estudos, que a participação tímida ou inexistente dos representantes da comunidade escolar nas discussões e deliberações acaba por esvaziar o papel dos Conselhos Escolares no estabelecimento de um verdadeiro processo de gestão democrática.

(...) o que os estudos constatam é que os segmentos ocupam lugares importantes de acomodação na estrutura do Conselho Escolar. Os alunos, pais e funcionários ao julgarem os professores como sabedores dos destinos da escola, eximem-se das discussões e das proposições que poderiam originar uma participação efetivamente democrática e os membros do magistério, de posse do conhecimento e dos lugares do saber, conduzem os destinos da escola e preservam a velha estrutura tradicional da instituição escolar. (CONCEIÇÃO, 2007, p. 73)

Segundo Soares, Gomes e Santos (2013, p. 55), os Conselhos Escolares constituem espaços democráticos “para a construção do diálogo, do respeito às diferenças, da gestão de conflitos e do reconhecimento das ações dos sujeitos”. Não pode haver lugar para “donos da verdade” nesses espaços, pois isso configura claramente uma relação de poder e dominação, especialmente quando a parte dominada se compõe dos segmentos que não possuem atuação profissional na escola.

Essa caracterização do Conselho Escolar como espaço plural e participativo se conecta com as dimensões fundadoras do reconhecimento destacadas por Honneth (SOARES; GOMES; SANTOS, 2013, p. 47): a autoconfiança, o autorrespeito e a valorização social: a ausência de uma dessas dimensões nas relações entre os atores enfraquece o Conselho Escolar como espaço para o exercício da democracia, legando-o a uma função decorativa que, para todos os efeitos burocráticos, tão somente cumpre o que estipula a legislação.

Portanto, cabe à direção escolar, em seu papel mediador, identificar as dimensões do reconhecimento nas relações entre os conselheiros e fomentar seu desenvolvimento, em prol de uma efetiva representação da comunidade escolar nos processos decisórios do colegiado, agindo no sentido de garantir que os conselheiros não só tenham direito a, mas que também queiram ser ouvidos.

Ao mesmo tempo, cabe à comunidade escolar avaliar suas escolhas de forma crítica, pois o exercício da democracia passa, também, pelo aprendizado na seleção de seus representantes. A prestação de contas pública e transparente do Conselho Escolar é um instrumento valioso nesse sentido.

Outra situação ocorre quando a democracia deixa de ser vista como um processo construído gradualmente pelo coletivo para se transformar em uma solução miraculosa para os problemas da gestão ou em um recurso demagógico para aproximar os gestores de um perfil mais “moderno”, mais “alinhado às tendências atuais”. Em ambas as situações, transformam-se em um objeto de desejo e consumo, convertendo-se de meio em fim:

A democracia e, em particular, a gestão democrática na educação tornaram-se um cobiçado produto da moda, algo que todas as escolas e secretarias municipais e estaduais de educação almejam adquirir para que possam, publicamente, se apresentar como democráticas. Se continuarmos nesses passos, logo teremos selos que certificarão as escolas democráticas, permitindo que se estabeleça um ranking das escolas mais democráticas. O sucesso da democracia como produto social acabou por contaminar todas as esferas sociais e, hoje, dificilmente se aceita que um diretor de escola ou autoridade educacional afirmem que não adotem a democracia como prática em sua escola. (LUIZ; RISCAL; RIBEIRO JÚNIOR, 2013, p. 24) Em uma época em que a velocidade das comunicações, acelerada pela tecnologia (redes de transmissão de dados em banda larga, cada vez mais velozes, acessíveis através de dispositivos portáteis cada vez mais poderosos e com custo cada vez mais baixo), permite a circulação e consumo de uma verdadeira avalanche de informações, em um volume que impede a sua assimilação por meio dos processos tradicionais de síntese e análise, é a sua utilidade que determina a persistência na mente dos leitores virtuais ou a desaparição no limbo da fugacidade (LUIZ; RISCAL; RIBEIRO JÚNIOR, 2013).

Ainda segundo os autores, em um meio onde o contato é intenso entre um grande número de pessoas (como o são as redes sociais), é grande a sensibilidade das pessoas às opiniões umas das outras, caracterizando aquilo que Riesman chama de tipo social alterdirigido: aquele em que as fontes de orientação são outros indivíduos (LUIZ; RISCAL; RIBEIRO JÚNIOR, 2013), sejam eles pessoas do seu círculo de amizade mais próximo ou personalidades da mídia. Um exemplo típico desse tipo social é encontrado nos “seguidores” de pessoas no Facebook ou Twitter, que dispõem até de recursos para avisá-los em tempo real quando há a postagem nas redes sociais de algum texto ou fotografia dos que são por eles “seguidos”.

Segundo Luiz, Riscal e Ribeiro Júnior (2013, p. 27), o “caráter alterdirigido da sociedade contemporânea permite compreender o entusiasmo manifestado pela democracia entre os agentes educacionais”. Esse entusiasmo se dá, porém, apenas no nível do discurso, para se mostrarem ostensivamente como “seguidores” das tendências mais atuais em educação. Tornam-se, ironicamente, autoritários, pois ao invés de se empenharem em constituir relações democráticas, tratam de promover sua implantação através de ações que alienam a comunidade escolar de sua construção como processo:

Os inúmeros cursos, palestras e atividades desenvolvidas acerca do tema, se por um lado denotam o interesse sem precedentes na educação, pelo alcance do projeto democrático, por outro, parecem indicar que se acredita que basta uma aula ou a participação em uma atividade sobre democracia para que todos, a partir daí, sejam democráticos. (...) A instauração de um sólido processo democrático demanda tempo de amadurecimento e implica uma mudança de práticas e a implantação de estratégias que garantam o direito de participação coletiva. Sem esses requisitos, sob a aparência de democracia, escondem-se práticas tradicionais, viciadas em autoritarismo. (LUIZ; RISCAL; RIBEIRO JÚNIOR, 2013, p. 27)

Um exemplo particularmente grotesco desse tipo de prática é proporcionado pelo Governo do Estado de Rondônia, que impõe limitações importantes à participação dos alunos no Conselho Escolar:

§ 1º Os alunos regularmente matriculados com idade igual ou superior a 12 (doze) anos poderão participar das Assembleias Geral do Conselho Escolar e votar na escolha dos representantes de seu segmento

§ 2º Os alunos regularmente matriculados com idade igual ou superior a 16 (dezesseis) anos poderão se candidatar e assumir como membro titular ou suplente do Conselho Escolar, exceto para o cargo da Comissão de Execução Financeira, devendo ser maior de 18 (dezoito) anos.

§ 3º Não havendo alunos maiores de 16 (dezesseis) anos a representação do corpo discente, no Conselho Escolar, se estenderá aos pais ou responsável legal. (RONDONIA, 2011, p. 24)

Ou seja, uma parte significativa da comunidade escolar não só não possui representação no Conselho Escolar, como sequer pode participar da Assembleia Geral e da eleição de conselheiros. Aos idealizadores deste sistema pseudodemocrático, parece ter

passado completamente despercebida a contradição existente entre a exclusão de uma parte da comunidade escolar do processo decisório e o seu próprio enunciado de “participação”:

Participação – Todos os envolvidos no cotidiano escolar devem participar da gestão: professores, alunos, funcionários, pais ou responsáveis, pessoas que participam de projetos na escola e toda comunidade do entorno da escola (RONDONIA, 2011, p. 6). (grifo meu)

Ou seja, esse “todos” ignora completamente a existência de alunos com idade igual ou inferior a 12 anos. É difícil compreender como pode tal processo de alienação e discriminação ser adequado à formação de sujeitos autônomos, constituindo-se, ao contrário, em um excelente exemplo daquilo que a gestão democrática jamais deveria ser.

Um terceiro exemplo de uma implantação de gestão democrática “de aparências” é mostrada no trabalho de Taborda (2009) que, tendo estudado o processo de implantação dos Conselhos Escolares como Unidades Executoras (UEx) e sua influência no processo de construção democrática nas escolas municipais de Juara (MT), conclui que não houve mudanças estruturais na cultura escolar quanto a processos de deliberação coletiva, tendo sido constituídos mais em função dos mecanismos de gestão de recursos do que em uma necessária articulação da comunidade escolar:

os Conselhos Escolares na Rede Municipal de Ensino de Juara, no decurso de um decênio (1997 a 2007) de existência, ainda não foram apropriados, no interior da escola, como mecanismo da gestão democrática. Sua criação se deu a partir da política de descentralização de recursos suplementares diretamente para as escolas, como forma de estimular o ensino fundamental e fortalecer a autonomia de gestão escolar. Esse estímulo e fortalecimento se voltavam para a integração entre comunidade – escola – poder público, com o empenho da comunidade local na superação dos problemas vivenciados pela escola, por meio de uma gestão baseada na minimização de gastos por parte do Estado. A política de criação destes conselhos não tinha a intencionalidade de promover a gestão democrática mais sim, a de envolver a comunidade escolar e externa no processo de captação de recursos externos e gerenciar os recursos repassados pelo FNDE. O que se percebe, é que, com essa política, a escola pode ter alcançado certo tipo de autonomia, descentralização e participação. Porém, em relação à gestão democrática não houve avanços significativos (TABORDA, 2009, p. 180)

Ou seja, a atuação do Conselho Escolar, na situação descrita pela autora, não se pautou pelo conjunto de funções que caracterizam a sua atuação como genuíno elemento de gestão democrática, mas deu foco em apenas um aspecto, relacionado aos recursos financeiros. Esta é, aliás, uma interessante discussão acerca do papel dos Conselhos Escolares. Segundo Taborda (2009), a ideia de que as escolas públicas criassem suas unidades executoras (UEx) foi apresentada pelo Ministério da Educação, no discurso, como forma de lhes possibilitar maior autonomia financeira, pedagógica e administrativa. Para a autora, porém, trata-se meramente de uma estratégia de otimização do orçamento:

(...) pode-se perceber que a intencionalidade, na criação dessas unidades, era a de promover o desenvolvimento de uma gestão baseada na diminuição de gastos, principalmente, mediante empenho da comunidade local, na superação dos problemas vivenciados pela escola. A participação valorizada é, sem dúvida, a de caráter funcionalista, voltando-se para o emprego adequado dos recursos repassados, alegando que se forem bem administrados pela UEx, esses recursos podem fazer “verdadeiros milagres” (TABORDA, 2009, p. 45).

A criação de unidades executoras serve, portanto, à descentralização da gestão de recursos públicos, delegando-a às escolas. Com isso, porém, corre-se o sério risco de que o foco de atuação dos Conselhos Escolares se desloque para a gestão financeira da escola, em detrimento do seu Projeto Pedagógico. O exemplo já citado de Rondônia, aliás, levanta dúvidas sobre a compatibilidade de um processo autêntico de gestão democrática com a concepção dos Conselhos Escolares como unidades executoras.

É evidente, nos exemplos mencionados, a inexistência de uma ação de mediação com vistas à formação de sujeitos e pessoas autônomas. E, quando isso não ocorre, é preciso descobrir onde reside o problema: se nos meios, nos fins ou em ambos. Em qualquer dos casos, faz-se necessário um reexame das práticas vigentes. Elas asseguram a todos os atores o direito de serem ouvidos, sem nenhum tipo de discriminação? Reafirmam a autonomia do Conselho Escolar? As funções deliberativa, consultiva, fiscal e mobilizadora estão sendo cumpridas de forma transparente e participativa? Se a resposta a alguma dessas questões for negativa, então a credibilidade do Conselho Escolar se coloca em risco, desperdiçando-se, dessa forma, o potencial de um poderoso instrumento de participação democrática na vida escolar.