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2. O Sistema Único de Saúde na cidade de São Paulo e sua interface com a

2.1 Gestão Luíza Erundina (1989-1992)

Quando Luíza Erundina assumiu a Prefeitura em 1989, o SUS estava estruturado apenas legalmente, uma vez que a rede de serviços federais (hospitais e ambulatórios) havia sido passada para a Secretaria Estadual de Saúde e os secretários estaduais temiam perder seus poderes com a municipalização e possível fortalecimento da gestão local. O quadro da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) era de deterioração financeira e de recursos materiais e humanos, além de centralização das decisões, e ausência de processo democrático de planejamento das ações (Donnini, 2003).

Algumas medidas foram tomadas de imediato, tais como, a contratação emergencial de funcionários com posterior concurso25; a unificação das redes ambulatorial e hospitalar com regionalização e distritalização da cidade, e a instituição do Conselho Municipal de Saúde e de Conselhos Gestores Locais. A administração democrático-popular, como era chamada a gestão Erundina, tentou garantir os princípios do SUS de universalidade e integralidade expandindo o direito a todos no acesso à saúde e da participação popular nas decisões.

A territorialização tinha como objetivo reconhecer as condições de saúde da área de abrangência de cada UBS e promover a vinculação das equipes de profissionais à população residente. Segundo Lopes (1999, p. 144), esta gestão “priorizou alterar culturalmente o papel da Unidade Básica de Saúde”.

Donnini, 2003; Silva, 2004), que confrontassem o que supostamente poderia indicar uma visão unilateral em relação às gestões mencionadas.

25 Foram realizados 50 concursos públicos e as equipes em UBS e em ambulatórios de especialidade

Em relação à saúde mental, o governo Erundina adotou a proposta do Movimento de Luta Antimanicomial na organização da rede de saúde mental, pensando-a a partir da necessidade epidemiológica de cada região.

O programa de saúde mental adotado por esta gestão tinha duas principais premissas: que o sofrimento psíquico era parte do sofrimento global de pessoas submetidas a desigualdades sociais, e que deveria haver uma política de saúde mental que efetivamente rompesse com o modelo hospitalocêntrico. Além disso, influenciada pelos princípios das Reformas Sanitária e Psiquiátrica, a política na área se centrou na atenção primária à saúde (L’Abbate e Luzio, 2006).

Foi concebida uma nova forma de se pensar e se praticar saúde mental fora do hospital psiquiátrico e utilizando recursos da comunidade, dentro do critério de territorialização. A desmistificação da loucura e as ações sobre a mesma somente teriam sentido e poderiam ser feitas identificando seus determinantes sociais e suas significações em cada localidade (Lopes, 1999).

Uma rede de serviços de saúde26 em espaços públicos e comunitários foi criada e contava com: UBS com serviço de saúde mental; emergência psiquiátrica em pronto-socorro de hospital geral; enfermarias de saúde mental em hospital geral; hospitais-dia para adultos e para crianças e adolescentes; Centros de Convivência e Cooperativa (CECCO), e enfermarias com serviço de saúde mental hospitalar. O novo modelo ainda era composto por um quadro de funcionários formado por psicólogos, psiquiatras e terapeutas ocupacionais, em que ações interdisciplinares e relações com diversos atores (usuários, gestores, instâncias do SUS, dentre outros) exigiam uma postura mais coletiva sobre as intervenções (Castanho, 1996).

De acordo com Lopes (1999), o novo estava mais nas posturas e ações do que na mudança de espaço físico. Mas também se pode dizer que a proximidade com os espaços sociais se caracterizou em busca ativa das demandas, revelando sua complexidade e a impossibilidade de um agir isolado. O estar em relação se fez necessário para a efetividade das propostas.

26 Além de 18 CECCO, foram implantadas equipes de saúde mental em 129 UBS, emergências em

saúde mental em 14 PS Gerais, enfermarias de saúde mental em três hospitais gerais, serviços de saúde mental hospitalar com 70 equipes de saúde mental em enfermarias de hospital geral, unidades de atenção intensiva em Hospital-Dia (HD) para crianças e adultos, ações em saúde mental em seis Centros de Referência de Saúde do Trabalhador (Lopes, 1999, p.146).

O CECCO é um exemplo de equipamento inovador, que exigia nova postura profissional ao transformar o bem público em espaço coletivo e procurar construir o direito à cidadania e difundir novos valores e conceitos sobre a loucura. Constituía-se em um serviço de perfil cultural – não necessariamente da saúde – montado em parques, praças e centros comunitários, onde se desenvolviam práticas diversas (música, artesanato, dança, esporte, passeios, teatro). Também era um espaço de construção de cooperativas, cujo objetivo era ressignificar o processo de trabalho para contribuir na inserção social dos usuários (Scarcelli, 1999; Fernandes e Scarcelli, 2005; L’Abbate e Luzio, 2006).

Outra iniciativa da gestão Erundina, que afetou diretamente muitos psicólogos foi a remoção zerada, que culminou na transferência de profissionais que trabalhavam na Saúde do Escolar – vinculada à Secretaria da Educação – para a Secretaria da Saúde.

A Saúde do Escolar fazia parte de um sistema de assistência, que tinha a participação de vários profissionais, dentre eles, o psicólogo. Este era designado para trabalhar nas clínicas psicológicas, fazendo atendimento de psicodiagnóstico e terapia (ludoterapia, psicomotricidade, psicopedagogia, orientação de pais), e em escolas municipais, onde sem muita clareza de seu trabalho, oscilava entre atividades clínica, pedagógica e/ou institucional (Castanho, 1996).

Da mesma forma que os manicômios, a escola era vista como uma instituição segregadora e se acreditava que havia produção de demanda de distúrbios de aprendizagem e conduta, e distorção nos encaminhamentos escolares, quando a escola buscava legitimar na saúde problemas pedagógicos, econômicos e culturais de crianças e jovens. A transferência de psicólogos à Secretaria da Saúde ocorreu devido a prioridades de gestão e de reestruturação política, administrativa e burocrática, em que a UBS se tornou a principal referência da população e referência/contra-referência de diversas outras instituições de saúde e de instituições sociais no encaminhamento de transtornos mentais, respondendo a demandas da comunidade, de creches, escolas e também promovendo ações dentro destes espaços. Priorizavam-se a orientação de pais, o trabalho com professores e comunicados por escrito, a fim de não centralizar o problema no aluno exclusivamente. Era uma nova forma de intervenção, que colocou um fim na duplicação de serviços, mas também

enfatizou uma tendência a medicalizar os problemas de aprendizagem e gerou críticas nos profissionais, os quais foram obrigados a finalizarem seus trabalhos e se vincularem a outra Secretaria (Castanho, 1996).