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José Serra (2005-2006) e Gilberto Kassab (2007-atual)

2. O Sistema Único de Saúde na cidade de São Paulo e sua interface com a

2.4 José Serra (2005-2006) e Gilberto Kassab (2007-atual)

Kayano (2007) fez um balanço da saúde dos dois primeiros anos da gestão Serra/Kassab, que correspondeu aos secretários da saúde Cláudio Luiz Lottemberg, o qual ficou somente cinco meses e foi substituído em maio de 2005 pela Dra. Maria

Cristina Cury, a qual também foi substituída por Maria Aparecida Orsini de Carvalho Fernandes em 2006.

Para a presente dissertação interessa, principalmente, a relação que esse governo vem assumindo com a iniciativa privada, e a aprovação da Lei das Organizações Sociais (OS), que ocorreu durante esta gestão.

Dentre as principais metas da gestão do secretário Lottemberg estavam a valorização dos profissionais da saúde, o fortalecimento da atenção básica, a integração da rede assistencial31, e a ampliação de parcerias com a iniciativa privada.

Quando a secretária Maria Cristina Cury assumiu o cargo, ela tomou como prioridade a implantação da Assistência Médica Ambulatorial (AMA)32 na cidade, apesar de reconhecer a necessidade de mais UBS e dos problemas de articulação entre UBS tradicionais e aquelas com equipes de PSF. No entanto, a relação do Conselho Municipal de Saúde (CMS) com a secretária foi permeado de conflitos, uma vez que o Projeto de Lei das OS havia sido encaminhado para a Câmara Municipal sem aprovação do CMS. Tais divergências resultaram na ausência da secretária às reuniões do Conselho e ela seria rapidamente substituída em seu cargo, conforme já mencionado (Kayano, 2007).

De acordo com a Lei nº 8.080, o Sistema Único de Saúde constitui de um “conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”. O setor privado participaria em caráter complementar, quando a capacidade do SUS fosse insuficiente para garantir a cobertura assistencial da população de certa área. Além do mais, dar-se-ia prioridade a entidades filantrópicas e sem fins lucrativos (Brasil, 1990).

31 A criação de cinco Coordenadorias Regionais de Saúde no município, ao coincidir com as áreas de

abrangência das cinco autarquias hospitalares existentes, procurou ampliar a integração entre rede básica e hospitalar na melhoria do atendimento aos usuários.

32 O projeto da AMA foi aprovado em 2006 e implantado antes mesmo da lei das OS. Ela é instalada

em UBS, pronto-atendimento e pronto-socorro e tem como objetivos facilitar o acesso dos usuários não agendados, que não conseguem atendimento, e também atender pequenas urgências de baixa e média complexidade na clínica médica, pediatria, cirurgia geral e ginecologia. A gestão, contratação de recursos humanos, adequação dos espaços físicos, equipamentos e mobiliários são de responsabilidade das OS e os materiais de consumo de responsabilidade da SMS. Uma das críticas sobre a AMA está na baixa qualidade e resolutividade dos atendimentos oferecidos. A satisfação do usuário pelo “atendimento imediato” pode gerar a falsa sensação de que se está sendo atendido (Kayano, 2007).

Baseado no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, em 1993 foi elaborado junto ao Ministério da Saúde (MS) e ao Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) um documento intitulado Sistema de Atendimento de

Saúde do SUS, o qual propunha uma reforma administrativa de atendimento

hospitalar e ambulatorial de saúde do SUS, tendo como parâmetro recomendações do Banco Mundial de que países em desenvolvimento como o Brasil teriam um sistema de prestação de serviços ineficiente; até aqui não há novidades considerando a longa história de investimentos no setor privado de saúde no país tendo a mesma justificativa de sucateamento e ineficiência do setor público (Fier, 1996).

O anteprojeto de lei e o decreto de regulamentação da OS surgiu nessa época, em 1995, mas foi somente a Lei Federal nº 9.637 de 15 de maio de 1998 que iria dispor sobre a qualificação de entidades como organizações sociais. Em junho do mesmo ano, o Estado de São Paulo fez a Lei Complementar no 846, em que os deputados que se opuseram à parceria com as OS negociaram a não entrega de serviços de saúde já em funcionamento e a restrição dos atendimentos das OS aos usuários do SUS. Em janeiro de 2006 foi autorizada para o município de São Paulo a qualificação das entidades sem fins lucrativos como OS somente para a área da saúde (Kayano, 2007).

As OS são qualificadas como “...pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos”, e como “entidades de interesse social e utilidade pública”. Em outras palavras, as OS ou entidades parceiras, como também são chamadas, são geridas por instituições do Terceiro Setor (Organizações não-governamentais – ONG, cooperativas e entidades filantrópicas), que recebem financiamento estatal (Brasil, 1998; São Paulo, 1998; Junqueira, 2002; Kayano, 2007).

As críticas sobre OS são diversas, tendo sido caracterizadas como uma forma de justificar a privatização da saúde. Segundo Fier (1996) tal proposta faz parte do programa de flexibilização da política neoliberal, em que se reduzem os deveres do Estado e se privatiza parte de suas funções; estabelece um vínculo empregatício regido por leis de mercado; esvazia o papel social que os servidores públicos devem ter, além de abrir espaço a novas fontes de lucro ao setor empresarial.

Neste sentido, o caráter de direito privado das OS estabelece um paralelismo com os princípios democráticos do SUS. Um exemplo é a inexistência de Conselho Gestor e a recusa de muitas OS em abrirem o pronto-socorro para a população, desrespeitando os princípios de controle social e universalidade do atendimento (Junqueira, 2002).

Outra crítica recai sobre o caráter da OS em oferecer maior flexibilidade no contrato de recursos humanos e no estabelecimento de metas e cobranças na relação com o Estado. Esta seria apenas uma forma de justificar uma possível ineficiência do serviço público estatal e de não se prestar contas dos gastos com dinheiro público ao Estado e ao Conselho Estadual de Saúde (Junqueira, 2002).

Por fim, outro ponto crítico estaria na dificuldade da SMS em manter um quadro efetivo de funcionários. Segundo Kayano (2007, p. 24-25), do total de funcionários da SMS (49.288) em 2006, 5.197 eram servidores estaduais atuando na atenção básica, que foram colocados à disposição com a municipalização das UBS. Outros 8.932 funcionários estavam vinculados as OS para trabalhar no PSF e às AMA, reforçando a crítica de um conselheiro municipal de que a SMS estaria permitindo a escassez de servidores para legitimar perante a população a transferência das unidades de saúde para as OS. Atualmente, o contrato realizado para o NASF, que inclui os psicólogos, também é via OS.

O que se constata é que a questão das OS ainda é mobilizadora de tensão entre dirigentes e representantes de funcionários e usuários dos serviços de saúde, dificultando uma boa relação de diálogo e comunicação. O Pacto pela Saúde33, aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde em fevereiro de 2006 e dividido em Pacto pela Vida, Pacto de Gestão e Pacto em Defesa do SUS, tem a função justamente de incentivar o diálogo entre gestores federal, estaduais e municipais, e representantes dos funcionários e usuários, na tentativa de construir acordos envolvendo todas as partes interessadas (Kayano, 2007).

A administração Serra/Kassab tem simbolizado a implantação das OS e a privatização da saúde. A troca de três secretários da saúde foi marcada por divergências e dificuldades de diálogo e acordos entre eles e os representantes dos

33 Para obter mais informação sobre o Pacto pela Saúde ver Kayano (2007) e o Portal da Saúde do

funcionários e dos usuários do SUS. A valorização dos profissionais da saúde, uma das principais metas do primeiro secretário, caiu no esquecimento e o fortalecimento da atenção básica se reverteu em um discurso de ineficiência, dando passagem à privatização do patrimônio público.

CAPÍTULO IV Metodologia

Este estudo trata de uma pesquisa qualitativa, cuja finalidade é entender “como o objeto de estudo acontece ou se manifesta” (Turato, 2005, p. 509).

Segundo Minayo e Sanches (1993), a abordagem qualitativa possibilita a aproximação entre sujeito e objeto, sendo muito proveitosa para explorar as subjetividades, que representam como os sujeitos expressam (descrevem, pensam, opinam e avaliam) suas realidades vividas.

Aceita-se também o conceito de Mendes-Gonçalves (1992), em que a subjetividade não é conceituada como um lugar inacessível ao pensamento e à ação, mas formada pelas relações estabelecidas por cada homem com suas partes e sua totalidade, mediadas por “desejos, afetos, paixões, repulsas, ódios, normatividade e trabalho” (p. 28).

Neste sentido, esse estudo busca analisar as percepções e representações dos psicólogos acerca de suas práticas, fazendo do principal material da pesquisa qualitativa, a saber, o depoimento e a palavra do participante, o conteúdo a ser analisado.

Outra característica importante neste tipo de metodologia é a interação entre pesquisador e objeto, não sendo possível se pensar em neutralidade nesta relação, ainda que não se extinga a capacidade de objetivar dados assim produzidos (Mendes- Gonçalves, 1992; Schraiber, 1993; 1995; 2008).

Como coloca Lourau (1993) e Altoé (2004), o pesquisador está sempre implicado na pesquisa. Quanto à problemática em estudo, ele está constantemente atento a novas informações que possam ajudá-lo a rever seu ponto de vista sobre o objeto. No campo, o simples fato de sua presença já o impede de ser neutro.

O mais importante neste estudo, além de descrever a atuação do psicólogo e construir um perfil deste profissional na UBS, é analisar como ele vivencia seu trabalho cotidiano através das transformações sofridas com a prática clínica institucional. Também é uma forma de analisar como ele representa essa vivência, isto é, percebe, compreende e explica seu lugar nas práticas que exerce,

possibilitando situá-lo como agente implicado em saberes e intervenções (Mendes- Gonçalves, 1992; Schraiber, 1995; Lourau, 1993).

Dentre as abordagens possíveis na pesquisa qualitativa se optou pelo uso de entrevistas semi-estruturadas para a produção de dados, uma vez que se trata de uma técnica flexível, que permite tanto adicionar questões quanto explorar novos pontos necessários conforme os objetivos propostos (Schraiber, 1995).

Entrevista é definida como uma conversa com finalidade feita entre duas ou mais pessoas. Como técnica de pesquisa, ela é realizada por iniciativa do entrevistador, o qual tem como objetivo abordar temas, por meio de um roteiro de questões, que permitam construir informações relacionadas ao seu objeto de estudo. Esta técnica favorece, na interação entre pesquisador e pesquisado, a produção de depoimentos e narrativas acerca do que o estudo pretende. Estas narrativas constituem o material empírico a ser trabalhado (Schraiber, 1995; Minayo, 2008).

Além da entrevista, documentos oficiais das políticas de saúde e textos que documentam a história da profissão em psicologia complementam em triangulação a metodologia, contribuindo na contextualização da atuação em UBS e do próprio espaço de trabalho institucional.