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CAPÍTULO 2. GESTÃO PÚBLICA ORIENTADA PARA RESULTADOS: CONCEPÇÕES

2.1 Nova Gestão Pública: contextos

A gestão orientada para resultados (GopR) ou modelo gerencial aplicado à gestão pública44– que visa, segundo os gestores públicos que a tem adotado, à melhoria na prestação de serviços públicos que mais interessam aos cidadãos e à sociedade – poderia ser resumida

na seguinte proposição: tornar a ação governamental mais eficiente e o “(...) mais próximo

possível dos beneficiários, para eliminar as deficiências da máquina burocrática centralizada e garantir o gasto criterioso e eficiente dos recursos públicos” (BROOKE, 2010, p. 205).

O modelo gerencial aplicado à gestão pública está fortemente presente na retórica dos movimentos pela reforma do Estado (New Public Management – NPM) que tem início na década de 1980 nos países anglo-saxões, particularmente nos Estados Unidos da América (EUA) e na Inglaterra, e que se propaga para outros países, inclusive da América Latina, como é o caso do Brasil a partir dos anos 1990 (ABRUCIO, 1997, 1998, 2007; BRESSER- PEREIRA, 1998a, 1998b; BROOKE, 2010; GOMES, 2009; COSTA, 2010a, 2010b; MOTTA, 1987).

Para Abrucio (2007, p. 11), a GopR se desenvolve em um cenário caracterizado por

“(...) escassez de recursos públicos, enfraquecimento do poder estatal e de avanço de uma

ideologia privatizante”. Para este autor, foram os conservadores ingleses e os republicanos americanos que introduziram no setor público, num primeiro momento, um modelo gerencial puro, em que prevalecia o ângulo meramente economicista, visando cortar custos.

primordial na produção de uma política pública que os atores que implementarão as ações participem da fase da formulação, principalmente quando da tomada de decisões relativas à implementação da política.

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Para Costa (2010b, p. 139), a GopR “(...) não nasceu apenas das cabeças bem pensantes do neoconservadorismo ou do neoliberalismo que inspiraram as plataformas políticas do thatcherismo ou da reaganomics nem da prática dos burocratas a serviço de um e outra, ou dos organismos internacionais que seguiram seus preceitos” e, menos ainda, deveria ser tratada como uma questão meramente técnica e pragmática de boas práticas de gestão. Ao contrário, para este autor, a GopR é fruto do amadurecimento de ideias que vinham sendo

gestadas no meio acadêmico desde os anos de 1950 e seriam tributárias “(...) das heranças da

nova economia institucional ou do neoinstitucionalismo econômico, da Teoria da Escolha Racional e de sua aplicação no esquema agente x principal, abordagens que muitas vezes se

justapõem, se complementam e se confundem” (COSTA, 2010b, p. 139).

Nesse sentido, o autor destaca que a NPM “(...) pode aparecer, ao mesmo tempo, como um movimento de renovação da administração pública, de caráter pragmático, como uma ideologia a serviço do mercado e da livre-iniciativa ou como uma filosofia administrativa” (COSTA, 2010b, p. 153). Isto porque a própria administração pública se apresenta não só como teoria, como técnica e como prática; e muitas vezes, em nome da eficiência, faz valer prática por técnica, técnica por teoria e teoria por ideologia. Identificar e discernir essas diferenças são tarefas difíceis e complicadas e nem sempre exitosas, destaca o autor.

Por seu turno, para Paula (2005, p. 38), o modelo de GopR “(...) emergiu como o

modelo ideal para o gerenciamento do Estado reformado pela sua adequação ao diagnóstico da crise do Estado realizado pela aliança social liberal e por seu alinhamento em relação às recomendações do Consenso de Washington para os países latino-americanos”, que poderiam

ser assim repertoriados: “(...) reduzir significativamente as atividades do governo, reduzir as

expectativas dos grupos sociais, aumentar os recursos e os ingressos à disposição do Estado (inclusive com a reforma patrimonial) e, finalmente, reorganizar e simplificar as instituições

governamentais” (COSTA, 2010a, p. 247).

Embora se fale, genericamente, em modelo gerencial, na visão de Abrucio (1997, 2007) não houve um modelo gerencial único e aplicado de forma uniforme na gestão pública,

visto que o mesmo “(...) vem sofrendo uma série de mudanças e sendo adaptado aos países em

que fincou raízes. Mas mesmo assim não é possível dizer que o managerialism se constitui num novo paradigma, no sentido de Thomas Kuhn, ou seja, um modelo que substitui por

completo o antigo padrão burocrático weberiano” (ABRUCIO, 2007, p. 37). Ao contrário,

segundo esse autor, as discussões acerca do modelo gerencial tendem a ser complexas e, cada

vez mais, ganham rumos novos, operando transformações no chamado ‘gerencialismo puro’,

proporcionando respostas diversas à crise do modelo tradicional de gestão (burocrático weberiano). Em suas palavras,

A discussão em torno do modelo gerencial se tornou complexa e ganhou novos rumos a partir da metade da década de 80. Basicamente, duas transformações foram operadas no gerencialismo puro. Uma ligada à dinâmica intra-organizacional, priorizando os conceitos da flexibilidade, planejamento estratégico e qualidade. A outra transformação foi mais radical e muito mais importante para remodelar o

managerialism. Trata-se da adoção de serviços públicos voltados para os anseios dos

clientes/consumidores. É neste ponto que o modelo gerencial traz à tona o aspecto público da administração pública, sem no entanto abandonar o conceitual empresarial vinculado à eficiência e à busca da qualidade dos serviços (ABRUCIO, 1997, p. 12).

Corroborando a ideia de que o modelo de gestão (gerencial) das empresas privadas tem contribuições a dar à gestão pública, Osborne e Gaebler (1994, p. 22), após apresentarem algumas diferenças45 entre o setor privado e o setor público, apostam numa reinvenção do governo e da gestão pública ao assumir a gestão orientada por resultados. E é esta perspectiva de gestão gerencial que, segundo Abrucio (2007), tem orientado, no geral, a administração pública em muitos países, incluindo o Brasil: traduzir os objetivos da ação pública, ainda na fase de elaboração, em resultados a serem alcançados.

De forma esquemática, Gomes (2009, p. 69) lista as principais características da GopR:

- Alinhamento de expectativas de forma clara e transparente, entre todos os agentes políticos, externos e internos, sobre quais são as diretrizes e os objetivos da organização, por meio da tradução destes em resultados e metas a serem atingidas, o que inclui a definição de indicadores para sua apuração;

- Concessão de autonomias aos executores/implementadores das políticas públicas;

45 Segundo Osborne e Gaebler (1994, p. 21-22), “(...) O governo é uma instituição fundamentalmente diferente

da empresa. Os empresários são motivados pela busca do lucro; as autoridades governamentais se orientam pelo desejo de serem reeleitas. As empresas recebem dos clientes a maior parte dos seus recursos; os governos são custeados pelos contribuintes. As empresas normalmente trabalham em regime de competição; os governos usam habitualmente o sistema do monopólio. Os autores destacam que decisões dos governos devem ser tomadas sob um regime democrático enquanto os empresários decidem sozinhos ou, com os acionistas das empresas e sempre a portas fechadas; enfim, o objetivo de ambos é diverso, ou seja, o governo procura fazer ‘o bem’ e a empresa ‘fazer dinheiro’". Essa última afirmativa, em meu entendimento, precisa ser problematizada visto que muitos políticos e governantes, financiados pelos setores privados, se candidatam e são eleitos justamente para garantir os interesses dos seus financiadores. Nesse sentido, as relações entre o setor público e o privado se misturam, contradizendo as observações dos citados autores.

- Contratualização de resultados, autonomias e sanções;

- Avaliação dos resultados e retro-alimentação do sistema de gestão para eventuais correções de rota, constituindo assim uma ferramenta gerencial;

- Fortalecimento de uma modalidade de accountability – cujos principals são tanto os cidadãos em relação aos políticos, quanto estes em relação à burocracia – baseada no desempenho mensurado a partir de indicadores de resultados;

- Modificação do comportamento autoreferido da burocracia, substituindo-o pela atenção a metas claras e contratualizadas.

De modo geral, reduzir gastos e aumentar a eficiência na prestação dos serviços parece ser o mote do gerencialismo (managerialism) e da NPM aplicado ao setor público, alterando o modelo de gestão tradicional considerado ineficiente, leia-se “(...) modelo weberiano, classificado como lento e excessivamente apegado a normas” (ABRUCIO, 2007, p. 10), de estrutura rígida e centralizada, preocupado mais com o cumprimento dos regulamentos e procedimentos administrativos e com a observância das normas legais. Se no modelo tradicional a gestão pública se dava por meio de regras e normas rígidas e por uma estrutura de autoridade hierárquica, o modelo GopR pressupõe relações mais flexíveis, mais participação e mais autonomia decisória dos diversos níveis da hierarquia administrativa. Em síntese,

(...) a nova concepção de gestão pública tem como princípios, além do fortalecimento da participação com o entorno social da organização, a redução dos níveis hierárquicos de autoridade e a valorização das potencialidades técnicas dos membros da organização. O novo modelo de gestão de políticas públicas pressupõe a descentralização da autoridade, a desregulamentação das atividades (os gestores operam não apenas por meio de regras e normas, mas utilizando heuristicamente seus conhecimentos) e num contexto de autonomia de modo que os gestores possam pôr em prática políticas específicas em sua esfera de atuação, de modo eficaz e sem problemas de continuidade (SIMAN, 2005, p. 284).

Nesse sentido, Gomes (2009, p. 7) afirma que “(...) os objetivos e resultados claros permitiriam maior accountability, uma vez que o estabelecimento de indicadores de resultados e de metas traria mais transparência e permitiria relações mais inequívocas de controle e sanção. Esta maior susceptibilidade ao controle público contribuiria também para a

eficiência”.

A ineficiência na gestão pública, segundo Motta (1987, p. 49), tende a ser justificada

pela “(...) crença de que os dirigentes públicos agem ineficientemente por falta de bom senso e por desconhecimento de princípios elementares de gerência moderna” e que as mesmas

poderiam ser corrigidas por meio de pequenas reformas organizacionais e treinamento dos gestores. Assim,

Consultores externos, nacionais e estrangeiros, têm a tendência de pensar que os dirigentes públicos podem ser significativamente mais eficientes do que são, simplesmente se lhes forem concedidos algum treinamento ou oportunidade de melhorar seu conhecimento gerencial. Analogamente, funcionários e técnicos de nível superior que trabalham diretamente subordinados a esses dirigentes também pensam que poderiam ser mais eficientes que seus chefes imediatos se estivessem na posição deles. Essa crença decorre do fato de que consultores externos, funcionários e técnicos de nível hierárquico superior tendem a analisar e avaliar o desempenho de seus superiores em uma perspectiva essencialmente técnica (MOTTA, 1987, p. 49- 50).

Para este autor, essas ideias são reducionistas por desconsiderar outras dimensões da gestão, como a dimensão política e, principalmente, por propor reprodução de práticas de gestão que não considera o contexto sociopolítico e cultural em que ela acontece.