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CAPÍTULO 3. PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL: CONDICIONANTES DA

3.1 Participação social no Brasil

A demanda por ampliação da participação da população na gestão da ‘coisa’ pública, incluindo aqui a escola e sua gestão, no Brasil, advém, por um lado, da luta dos movimentos

sociais que ensejavam uma ‘participação’ popular com poder53

de influenciar de fato nos

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Em Weber (1979), resumidamente, o poder significa a possibilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social, mesmo contra toda resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade.

processos decisórios e, por outro, seguindo o receituário da Nova Gestão Pública, os reformadores que a viam mais como uma estratégia de gestão para ajudar no controle dos gastos públicos (escassos) e na fiscalização das ações dos governantes (BORGES, 2003; BUENO, 2004; GOHN, 2001; GOMES, 2009; GUGLIANO, 2004; KRAWCZYK; VIEIRA, 2006, 2008; OLIVEIRA, 2000, 2004).

Podemos dizer que é em meio a essas disputas que a CF/1988 é promulgada,

apontando caminhos para a ‘democratização’ do país. Para alguns autores, como Souza (2004,

p. 37), a CF/1988 “(...) foi pródiga na criação de mecanismos de participação das comunidades locais em alguns fóruns decisórios e no controle dos resultados de certas políticas públicas locais, buscando, ao mesmo tempo, empoderar segmentos da comunidade e promover a accountability dos gestores públicos”. Para Avritzer (2008, p. 1), após a CF/1988,

o Brasil teria se transformado “(...) de um país de baixa propensão associativa e poucas

formas de participação da população de baixa renda, em um país com o maior número de

práticas participativas”.

Para Faria (2008, p. 3), a Carta Magna54 (CF/1988), além de consolidar as instâncias tradicionais de participação (o voto, as eleições e os partidos), ampliou a participação por meio de novos canais institucionais como “(...) referendos, plebiscitos, iniciativas populares

de leis, audiências públicas, orçamentos participativos, conselhos de políticas e outros”,

induzindo a criação dos chamados conselhos gestores55. Estes, no geral, são formados por

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A Constituição Federal, em seu Artigo 194, parágrafo único, inciso VII, sobre a seguridade social, assegura “(...) o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”. O Artigo 198, sobre a gestão da Saúde, afirma que “(...) As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes”, sendo que uma destas diretrizes é o inciso III, que assegura “(...) (a) participação da comunidade”. Já no Artigo 204, inciso II, referente à Assistência Social, é assegurada a “(...) participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. No Artigo 206, sobre a Educação, o inciso VI discorre sobre “(...) (a) gestão democrática do ensino público, na forma de lei. O Artigo 227, parágrafo 1º, do capítulo da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, afirma que “(...) o Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não‐governamentais”.

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Ainda que os conselhos gestores se diferenciem em termos de origem legal, composição, atribuições formais e influência nas decisões estatais, Abers e Keck (2008) identificam que esses conselhos compartilham certas características: são criados por lei e têm certa autoridade formal sobre normas, planos e, ocasionalmente, sobre o orçamento nas suas áreas de atuação; os membros devem ‘representar’ (no sentido de ‘agir em favor de’) grupos do setor privado, sindicatos de trabalhadores, órgãos estatais e associações civis com respaldo social amplo, cuja missão corresponda às finalidades do conselho; o Estado normalmente detém até metade

membros do governo e por membros da sociedade civil com o objetivo principal de discutir/propor/avaliar políticas públicas envolvendo temas variados – saúde, educação, assistência social, criança e adolescente, patrimônio público e cultura, entre outros (GOHN, 2001; TATAGIBA, 2002; ABERS; KECK, 2008).

Embora a lei preconizasse o caráter deliberativo dessas instituições (dos conselhos

gestores), como parte do processo de gestão descentralizada e participativa, “(...) vários

pareceres oficiais têm assinalado e reafirmado o caráter apenas consultivo dos conselhos, restringindo suas ações ao campo da opinião, da consulta e do aconselhamento, sem poder de

decisão ou deliberação” (GOHN, 2001, p. 88). Conforme essa autora, em muitos municípios,

essas instituições têm sido apenas uma realidade jurídico-formal, induzida pelo governo federal para recebimento de verbas.

Essa existência somente motivada pelo aspecto jurídico-formal, pro forma, fez com

que muitas instituições participativas se tornassem “(...) um instrumento a mais nas mãos dos

prefeitos e das elites, falando em nome da comunidade, como seus representantes oficiais, não atendendo minimamente aos objetivos de se tornarem mecanismos de controle e fiscalização

dos negócios públicos” (GOHN, 2001, p. 89). Também Costa e Cunha (2009) avaliam que

esses mecanismos participativos tenham se transformado em uma ficção legal. Segundo os autores, no geral, os conselhos gestores, por exemplo, são órgãos de caráter oficial, onde o Estado fixa sua composição e funcionamento, favorecendo seu engessamento e subordinação

ao poder estatal porque são, em geral, “(...) centralizados no nível do Governo federal, o que

garante a subordinação dos governos e comunidades locais bem como a continuidade de ações cujos recursos podem ser modificados a qualquer momento, segundo os caprichos dos

ministérios que em Brasília cuidam da área econômica” (COSTA; CUNHA, 2009, p. 90).

Além dos ditames da alocação de recursos, da fixação de diretrizes, esses autores destacam outros fatores que contribuem para transformar os conselhos e a possibilidade de participação cidadã em mera ficção legal, como, por exemplo,

(...) a difícil convivência com os partidos graças à atração que os recursos destinados a políticas sociais têm para o exercício do clientelismo; o reduzido nível educacional

das cadeiras; a seleção de membros ocorre de maneiras variadas. Enquanto os conselhos regidos por legislação nacional são normalmente obrigados a realizar eleições abertas, em que organizações de cada categoria escolhem seus próprios representantes, aqueles estabelecidos por legislação local frequentemente permitem que o governo escolha membros que julgue adequados.

e de renda de muitos beneficiários e o puro e simples desinteresse de parte da população em atuar na escolha de representantes ou no controle de suas atividades (COSTA; CUNHA, 2009, p. 90).

Além disso, para Abers e Keck (2008), o modelo organizacional dos conselhos, no geral, não se encaixam no conceito clássico de democracia participativa, primeiro, em função

de que os ‘participantes’ não são cidadãos comuns, sendo antes representantes de

organizações; segundo, porque, além de associações cívicas e grupos de interesse, há

‘representantes’ do Estado nesses conselhos.

Alguns estudos empíricos realizados no Brasil sobre os conselhos (instituições participativas), como o de Abers e Keck (2008), têm encontrado poucas evidências de que eles de fato contribuem para que as vozes dos excluídos social e politicamente sejam ouvidas pelo Estado, visto que: primeiro, quase todos os estudos mostraram que os indivíduos que compõem os conselhos não são representativos das classes populares e, no geral, são pessoas com nível de escolaridade alto, salário acima da média nacional etc.; segundo, os representantes da sociedade civil têm ligações muito frágeis com os grupos populares que deveriam representar; terceiro, o controle de agenda pelos órgãos governamentais reduz, portanto, a chance de que membros da sociedade civil possam mudar o rumo das políticas; quarto, há resistência dos governos municipais em conferir poder efetivo a essas instâncias participativas, mesmo quando eles têm a possibilidade de controlar o processo decisório. Assim, em suma,

(...) as razões pelas quais os conselhos não corresponderam às expectativas dos movimentos sociais que os apoiaram podem ser divididas em duas categorias: ou os representantes da sociedade civil deixaram de refletir as aspirações e de efetivamente representar setores tradicionalmente excluídos da população; ou o Estado resistiu a compartilhar o poder de tomada de decisão com eles (ABERS; KECK, 2008, p. 104).

Além disso, segundo Costa e Cunha (2009, p. 90), não se pode negligenciar que os representantes do governo, designados para participar dos conselhos ou mediar sua intervenção junto ao Poder Executivo, “(...) foram moldados ora pelo insulamento tecnocrático, ora pelo autoritarismo clientelista, o que dificulta sobremaneira sua compreensão quanto à importância ou mesmo ao valor de um processo decisório participativo

e democrático”. Muitos desses representantes do governo nos conselhos são defensores de um

tende a desprezar os pobres e que se apavora diante da possibilidade de perder privilégios, concluem os autores.

Apesar dessas constatações desfavoráveis sobre alguns mecanismos participativos, Abers e Keck (2008, p. 110) defendem que os conselhos contribuem, sim, para a democracia,

pois “(...) podem ser espaços importantes para a produção de novas definições e práticas para

a resolução de problemas na medida em que se torna uma arena peculiar para a interação entre

um conjunto fragmentado de atores sociais com origens e interesses diversos”. Essa posição é

compartilhada por Cunha (2007, p. 159) quando afirma a respeito do

(...) potencial dos conselhos em incluir novos atores e novos temas no debate e na decisão sobre políticas públicas. Isso indica que novos conflitos estão se apresentando nesses espaços, e que eles podem dar não só maior publicidade e transparência a esses embates, mas também produzir impactos positivos seja na estrutura decisória do Estado, seja no seio da própria sociedade.

A importância dessas instâncias participativas também é destacada por Gohn (2001), primeiramente, porque os conselhos devem ser vistos como resultado das lutas populares e de pressões da sociedade civil pela democratização do país e, segundo, por acreditar que os

conselhos “(...) criam condições para um sistema de vigilância sobre a gestão pública e

implicam maior cobrança de prestação de contas do poder executivo, principalmente no nível

municipal” (GOHN, 2001, p. 90-91). Entretanto, a autora ressalta que falta uma definição

mais precisa sobre as competências e atribuições dos conselhos gestores e dos conselheiros. Para outros autores (ABERS; KECK, 2008; AVRITZER, 2007b; CUNHA, 2007; GOHN, 2001), os conselhos gestores e tantas outras instituições participativas criadas no Brasil têm sido analisados, na maioria das vezes, sob a ótica do aumento da participação – focando-se no aumento do número de instituições e, consequentemente, no aumento numérico de pessoas presentes nessas instituições, mas sem problematizar as práticas concretas construídas no interior desses espaços, a dinâmicas de funcionamento, a estrutura organizativa (composição e funções) e, principalmente, sua efetividade deliberativa. Mesmo assim, a existência dessas instâncias tem sido considerada como importante para a democratização da própria democracia (AVRITZER, 2003, 2005; FARIA, 2005, 2007; GOHN, 2001; COELHO, 2004; TATAGIBA, 2002), visto que são espaços importantes de discussão/avaliação/proposição de ações que podem influenciar o sistema político – no qual, de fato, as leis são produzidas e as decisões, tomadas –, além de se constituírem também

como espaços fiscalizadores das ações do governo (AVRITZER, 2002; GOHN, 2001; TATAGIBA, 2002).

Para Costa e Cunha (2010, p. 552), a participação não é um fim em si mesmo, mas um

meio a mais na luta pelo poder. Para esses autores, “(...) a democracia participativa é algo

ainda estranho à realidade social brasileira, decorrendo mais de uma intensa mobilização partidarista por parte de alguns setores, do que de um movimento com raízes culturais

concretas”; ao contrário, tem prevalecido a internalização de valores e crenças de grupos hegemônicos. Porém, os autores destacam que “(...) Não se trata de uma internalização

passiva, mas adaptativa, ou seja, em prol da sobrevivência em um mundo social marcado por

fortes desigualdades na distribuição de renda e poder decisório sobre os assuntos de Estado”

(COSTA; CUNHA, 2010, p. 550).

A democratização da sociedade, do governo e da gestão, como visto, demanda medidas orientadas para a ampliação dos espaços de participação, contrapondo-se aos inúmeros fatores que tendem a desvirtuá-la como os destacados por Costa e Cunha (2010) no segundo capítulo desta tese.

De todo modo, “(...) A participação popular nas decisões referentes à formulação,

execução e avaliação das políticas públicas é considerada, por muitos, como necessária e mesmo indispensável para a consolidação de uma cidadania ativa” (COSTA; CUNHA, 2010, p. 551). No entanto, para estes autores, há quem avalie a participação numa perspectiva mais pessimista e sinalize o seu fracasso na construção da democracia direta por conta das especificidades da democracia liberal praticada no Brasil, fortemente marcada por representações e práticas tradicionais de autoritarismo e cooptação clientelista. De outro lado,

destaca os autores, “(...) posicionam-se os institucionalistas, para os quais, independente da

cultura política dominante, torna-se possível estabelecer e consolidar a democracia participativa por meio do desenho e da implantação de instituições que a favoreçam e

estimulem (AVRITZER, 2008)” (COSTA; CUNHA, 2010, p. 551). Esta última vertente tem

se afigurado, nas palavras dos autores, como a mais aceita e divulgada no Brasil.

Para Costa e Cunha (2010) há um reducionismo no trato da questão da participação na

democracia em nosso país porque não é levado em consideração ou não se reconhece “(...)

Estado nacional, por uma arraigada tradição de autoritarismo patriarcal, por parte das elites

políticas e administrativas” (COSTA; CUNHA, 2010, p. 552), cabendo ao Estado, então, o

estabelecimento dos limites dessa participação, reservando-se o poder de veto sobre as deliberações, acatando-as ou não, de acordo com os seus interesses conjunturais ou estratégicos. Nesse sentido, a defesa da democracia direta, da participação, mais do que uma outorga do Estado, se apresenta como uma bandeira de luta dos grupos sociais engajados na transformação sociopolítica. Assim, para os autores, torna-se fundamental demarcar os limites da participação e de seu efetivo potencial transformador das relações Estado/Sociedade, em um país marcado por forte tradição de autoritarismo e desigualdade.