• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II REVISÃO DA LITERATURA

2.5 GLOBALIZAÇÃO E SEUS EFEITOS NAS EMPRESAS E NO TRABALHO

TRABALHO.

Segundo Catani, Oliveira e Dourado (2001), o processo de reestruturação produtiva, caudatária do capitalismo global, gera cenários complexos e contraditórios, com influência no mercado de trabalho, suscitando debate sobre a formação profissional para enfrentamento desses cenários.

A problemática da globalização e preparação para o trabalho não é nova. A investigação de suas origens talvez seja capaz de propiciar descobertas que remontem a passados longínquos. Abordaremos nesta seção dedicada a globalização, emprego e educação, dentre outras obras, referências contidas em “História Documental”, de lavra do pesquisador Delgado de Carvalho,

contendo fragmentos de documentos históricos para mostrar que a integração de povos, trabalho e instrução se remetem a priscas eras.

Em carta de 1684, Philipp W. Von Hornick, auxiliar do Rei Leopoldo I, da Áustria, assim aconselhava sua majestade em matéria de economia, trabalho e educação:

... primeiro lugar, examinar solo do país com o máximo cuidado e não deixar fora de exame possibilidades agriculturais nem um canto do terreno... e em segundo lugar, todos os produtos encontrados num país, se não podem ser utilizados no seu estado natural devem ser trabalhados no país, visto que manufaturados o seu valor ultrapassa a matéria-prima, duas, três, dez, vinte ou mesmo cem vezes, e o desprezo disto é um sacrilégio para um administrador prudente....

Em terceiro lugar, para a observância das duas acima mencionadas regras, será necessária uma população para produzir e cultivar a matéria-prima e trabalhá- la. Por isso, atenção deve ser prestada ao povoamento que deve ser tão considerável quanto o país comporta, sendo isto a maior preocupação de um estado bem organizado, embora infelizmente muito freqüentemente descuidado, de todos os modos, a população deveria ser desviada da ociosidade para profissões remuneradas, instruída e estimulada em toda sorte de invenções, artes, comércio e, se necessário, instrutores deveriam ser trazidos de países estrangeiros para este fim (HORNICK, 1684, citado por CARVALHO, 1976, p. 103).

Tratando de economia política, o francês Condorcet, contemporâneo de D’Albert, Voltaire e Turgot, com quem mantinha relacionamentos de estudos, escreveu em 1793 “Esquisse d’un Tableau Historique des Progrès de L’Esprit Humain (Esboço Histórico sobre os Progressos do Espírito Humano), tratando dos progressos intelectuais e científicos da humanidade:

... as diferentes causas de igualdade não atuam isoladamente; unidas, elas se penetram e se sustentam mutuamente, seus efeitos combinados resultam em ação mais forte, segura e constante. Se a instrução é mais igual, dela nasce maior igualdade na indústria, e daí, nas fortunas; a igualdade das fortunas contribui necessariamente à da instrução, enquanto a igualdade entre os povos se estabelece para todos, tendo ainda influência mútua de uma sobre a outra ... (CONDORCET, 1793, citado por CARVALHO, 1976, p. 162).

Após a queda do império francês, a França perdeu algumas províncias, arcou com indenizações, ficou economicamente abalada. De 1887 a 1896, o país passou por uma fase de transição e teve como conselheiro Jules Méline que, em relatório de 1891, escreveu ao seu rei:

... e agora, repentinamente o desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, a rápida redução dos fretes, colocam à nossa porta os grandes

mercados; de modo que foi possível ver trigos da América e da Índia chegarem mais baratos no Havre e em Marselha do que os de nossos principais centros de produção...

O que, por conseguinte, temos de defender... é a mão-de-obra, isto é, o trabalho e o pão de nossos operários, os nossos industriais operaram o máximo de redução possível; só não está compreensível a mão-de-obra e é sobre ela que recairia fatalmente a insuficiência de nosso novo regime econômico (MÉLINE, 1891, citado por CARVALHO, 1976, p. 248).

A questão da globalização e do trabalho fora registrada no Manifesto dos Operários Franceses: “Progresso universal, divisão do trabalho, liberdade de comércio, eis aqui os três fatores que devem atrair nossa atenção, pois são suscetíveis de transformar radicalmente a vida econômica da sociedade” (CARVALHO, 1976, p. 127).

Pesquisa documental mais dedicada talvez seja capaz de aludir a documentos escritos em diversas partes do mundo, e tempos, sobre o avanço das relações internacionais, as ameaças ou oportunidades de empregos e a necessidade de educar pessoas visando adaptação e convivência com um mundo que se mostra cada vez mais globalizado e guiado pela competitividade.

Em literatura mais coeva encontra-se farto referencial sobre globalização e avanços tecnológicos, e suas influências sobre o conhecimento, o trabalho e novas competências e habilidades. Para Drucker (2001), o recurso econômico básico não é mais o capital, nem os recursos naturais, nem a mão-de-obra, mas o conhecimento, que deixou de ser um bem privado e passou a bem público. É, atualmente, um recurso e uma utilidade, mais voltado ao “como fazer”, empregado em processos, ferramentas e produtos, fundamento emblemático da nova sociedade pós-capitalista.

Para o autor, o conhecimento potencializa países, organizações e pessoas. Sua falta pode sujeitar países à periferia do mundo globalizado, organizações ao fracasso e mão-de-obra ao desemprego, deixar de ser um ativo e transformar-se em um passivo. Estaria havendo uma profunda mudança, chamada de revolução da produtividade, em que a manufatura deixou de ser baseada em mão-obra e se tornou baseada no conhecimento. Assim, o valor é criado pela produtividade e pela inovação, que são aplicações do conhecimento ao trabalho, passando os grupos sociais e trabalhadores da sociedade moderna a serem chamados de “trabalhadores do conhecimento”. Cita que a formação do conhecimento já é o maior investimento em países desenvolvidos, e que:

O retorno que um país ou uma empresa obtém sobre o conhecimento certamente será, cada vez mais, um fator determinante dessa sua competitividade. Cada vez mais a produtividade do conhecimento será decisiva para seu sucesso econômico e social e também para seu desempenho econômico como um todo. E sabemos que existem diferenças tremendas na produtividade do conhecimento (DRUCKER, 2001, p. 143).

A importância do conhecimento no moderno mundo organizacional foi tratada por Drucker na obra “Administrando para o Futuro” (1992), em que é enfocada a importância do conhecimento. No livro o autor reitera que capital, matéria-prima ou terra já não são mais a chave do sucesso nas organizações, mas o conhecimento.

Albuquerque (1992, p. 17) dá conta de que a sociedade brasileira vem tomando consciência das mudanças “na economia, nas relações sociais e políticas, na tecnologia, na organização da produção, nas relações de trabalho e na própria inserção do elemento humano no contexto social e produtivo”, a indicar que as transformações sugerem a necessidade de adoção de novos padrões de competitividade econômica, influenciando o ambiente de negócios e as empresas. Vergara e Branco, aluindo a transformações que ocorrem em escala global, se referem a alguns aspectos que afetam as organizações e afirmam: “O primeiro desses aspectos é decorrente da emergência de uma sociedade baseada no conhecimento ...” (VERGARA e BRANCO, 1995, p. 51).

Drucker, contemplando a profissão de administrador em tempo caracterizado por alta competitividade e por mudanças rápidas e profundas derivadas do avanço tecnológico, cita que o crescimento econômico não mais advirá do aumento da quantidade de recursos nem de maior demanda, como ocorria no passado. Para o mestre, esse crescimento seria ensejado somente por um aumento crescente da produtividade de “um recurso no qual os países desenvolvidos ainda possuem uma vantagem (a qual provavelmente manterão por mais algumas décadas): a produtividade do conhecimento e dos trabalhadores do conhecimento” (DRUCKER, 1998, p. 10).

E vaticina que a produtividade do conhecimento não será no futuro o único fator competitivo na economia, mas será preponderante nos países desenvolvidos e na economia em geral. E arremata: “terra, mão-de-obra e capital – os tradicionais fatores de produção podem ser obtidos, e com facilidade, desde que haja conhecimento especializado” (DRUCKER, 1998, p. 107).

Essas mudanças que há muito começaram, e para as quais não se vislumbra arrefecimento, são elogiadas por estudiosos de gestão e arquiteturas organizacionais. É o que diz Motta (1998, p. 2) quando cita: “autores como Alvin Toffler, Peter Drucker, John Naisbitt, Francis Fukuyama e Alain Touraine enaltecem e popularizam a perspectiva da transformação surpreendente; chamam a atenção para a alta velocidade da mudança ...” . E sugere que essas transformações são inexoráveis, pois são frutos do conhecimento, da evolução da ciência e das estruturas sociais:

As inovações tecnológicas são um produto tanto da ciência quanto da estrutura social. Os conceitos de modernização, eficiência, produtividade e qualidade possuem valorações diversas conforme a premissa social sobre seu uso. Essas inovações têm impacto na sociedade, pois ampliam ou limitam o acesso de clientes, criam ou reduzem emprego, restabelecem os critérios sobre quem ganha e perde e, portanto, produzem benefícios e iniqüidades sociais (MOTTA, 1998, p. 12).

O autor cita que as mudanças são ônus e podem ser tão promissoras quanto ameaçadoras, suscitando necessidade de o homem adaptar-se ao às mudanças – da qual não há como sair, e rever sua maneira de pensar, agir, comunicar, inter-relacionar-se e criar significados novos.

Com essa linha de pensamento comungam Marras (2000) e Chiavenato (1994) quando tratam de reorganização empresarial. O primeiro cita que o fenômeno do progresso tecnológico é mundial, amplo, rápido e intenso, afetando significativamente o mundo das empresas, e acrescenta: “Mais do que isto: elas são definitivas e irreversíveis, de tal modo que as empresas nunca mais serão as mesmas” (CHIAVENATO, 1994, p. 1).

Marras, por seu turno, diz que é necessário abstração de velhos paradigmas nacionalistas e limites das preocupações empresariais, e afirma que a “globalização trouxe no seu bojo alterações no campo de trabalho extremamente graves como conseqüência do diferencial competitivo apresentado pelas linhas de produção dos países de primeiro mundo” (MARRAS, 2000, p. 31).

Tratando de mudanças de premissas organizacionais, Hesselbein, Goldsmith e Beckhard (1996) evocam comportamentos emergentes que estão substituindo paradigmas considerados arcaicos, o que confirma a necessidade de mudança de comportamentos nas relações de trabalho

suscitada por Motta, Marras, Chiavenato, Vergara e Branco, Albuquerque e até por registros de personagens de casos remotos citados neste estudo. Citam os autores:

A linguagem emergente nas organizações é muito diferente. O discurso atual consiste em “adhocracia”, federalismo, alianças, equipes, delegação de poderes e espaço para a iniciativa. As palavras-chave são alternativas, não planos; possível em lugar de perfeito; envolvimento, em vez de obediência. Esta é a linguagem da política, não da tecnocracia; da liderança, não da gerência. Portanto, é interessante observar como as organizações estão abandonando os títulos de gerentes e substituindo-os por termos como líder de equipe, coordenador de projeto, sócio principal, facilitador ou presidente (HESSELBEIN, GOLDSMITH e BECKHARD, 1996, p. 30).

Os textos se remetem a mudanças organizacionais e a formas de produzir, a apreço ao conhecimento e por conseqüência, a aprendizagem, a educação. Nessa linha, Senge, tratando de organizações que aprendem e aludindo ao que chama de metanóia – mudança de mentalidade, se refere a uma “aprendizagem adaptativa deve ser somada à aprendizagem generativa, a aprendizagem que amplia nossa capacidade de criar” (SENGE, 1990, p. 47).

Essa preocupação com internacionalização de economia, mudanças, conhecimento e preparação para o trabalho não é adstrita aos pensadores de arquiteturas organizacionais. Já em 1979, Paulo Freire, tratando de multinacionais e trabalhadores no Brasil, e de educação emancipatória, alertava que a educação de massa deveria ser capaz de perceber os mecanismos de desenvolvimento e as tendências evolutivas da sociedade. E registrava o homenageado mestre: “Todo militante da educação popular é confrontado, em sua prática quotidiana, com os problemas econômicos concretos que condicionam a realidade social, a vida das pessoas e, em conseqüência, o processo educativo” (FREIRE, 1979, p. 19).

Tratando de “novas perspectivas da educação e a formação do professor”, Câmara (2001, p. 1) cita que o equacionamento da problemática educacional requer contemplação do contexto à vista das implicações ensejadas “pelo progresso das ciências e das tecnologias”. A autora alude às implicações das mudanças do contexto social mundial e sugere que os educadores e as instituições de ensino “precisam buscar atualização de conceitos e concepções de educação e de currículo para atuar em consonância com as mudanças e transformações que ocorrem a cada dia” (2003, p. 3).

A temática está presente, também, no Relatório da UNESCO intitulado “Educação – Um Tesouro a Descobrir, da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI”. Em artigo “Criar Oportunidades”, de Aleksandra Kornhauser, consta que economias modernas, que sofrem processo de inovação e progresso tecnológico, exigirão, cada vez mais, profissionais com estudos de nível superior. E acrescenta que não se vislumbra inversão das tendências de avanços e mudanças, impondo às universidades responder aos desafios, “adaptando constantemente os novos cursos às necessidades da sociedade” (KORNHAUSER, 1998, p. 143).

Na mesma publicação, no artigo “Abertura de Espírito para uma Vida Melhor”, Myong Won Suhr, referindo à educação na Coréia do Sul, afirma que as universidades de seu país estão modificando programas para redefinir conteúdos da educação que se alicercem na ética e na moral, e cita: “a partir de agora dá-se mais importância ao crescimento econômico (isto é, à ciência e à tecnologia) e insiste-se mais no desenvolvimento humano ou social, inspirando-se em valores humanistas seculares” (SUHR, 1998, p. 252).

Libâneo, em sua obra “Pedagogia e Pedagogos”, se alinha aos pensadores de gestão quanto às conseqüências das transformações de mercado – efeito notório da globalização, e às inovações tecnológicas e científicas, em diversos campos da atividade, que ensejam alterações profundas no processo produtivo e requerem “mudança no perfil profissional e novas exigências de qualificação dos trabalhadores, que acabam afetando o sistema de ensino” (LIBÂNEO, 2004, p. 28). E que competências e habilidades seriam necessárias para dotar os trabalhadores, em especial os egressos do curso de administração de empresas, que é o enfoque desse estudo, para ingressar na modernidade e garantir ocupação de postos de trabalho e emancipação como indivíduo que carece de trabalho para seu sustento, para sua inserção no meio social e para colaborar com o progresso da sociedade?

Aludindo ao que chama de “nova” nova economia, Paul Burmeister, executivo sênior que ficou desempregado à procura de emprego por um ano nos Estados Unidos, em artigo publicado no periódico HSM Management, número 47, edição de novembro/dezembro 2004, cita que as “pessoas que buscam cargos mais elevados enfrentam o ambiente mais difícil” (2004, p. 185), e complementa “tudo indica que os empregos de nível médio estão sendo preenchidos à velocidade da luz, porque as

empresas estão inundadas de candidatos superqualificados”. Consta da sinopse do artigo que esse caso ocorreu nos Estados Unidos, mas é razoável admitir-se que poderia, perfeitamente, ter ocorrido nos principais mercados de trabalho do Brasil.

Documentos relacionados