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CAPÍTULO 1 WALMART BRASIL: TRAJETÓRIA DE INTERNACIONALIZAÇÃO E

1.2 Globalização e reestruturação do varejo

Situar o varejo no processo mais geral de produção e reprodução do capitalismo parece fundamental, já que algumas das características e contradições do capital comercial terão desdobramentos nas suas expressões históricas no tempo e espaço. No entanto, para analisarmos a particularidade da evolução do Walmart e de sua estratégia, é necessário analisar também outro conjunto de processos e relações mais contingentes, ainda que sejam eles mediados pelas tendências do desenvolvimento capitalista.

1.2 Globalização e reestruturação do varejo

O debate surgido nos anos 1980 a respeito das transformações do capitalismo no sentido de uma acumulação flexível indicou um conjunto de mudanças que foram se consolidando em diferentes velocidades e formatos, pelos mais diversos lugares do globo. Esse debate teve diferentes ênfases e contornos (GERTLER, 1992; HARVEY, 1992; PIORE; SABEL, 1984).

Contudo, apesar da riqueza dessa literatura, ela esteve vinculada principalmente ao setor industrial e seu processo de reestruturação. Sua penetração na discussão do setor varejista será iniciada com as contribuições de Wrigley, a partir da experiência do Reino Unido, que abordou pelo menos 4 temas principais: a concentração do capital varejista, suas ligações espaciais, a intensificação da ‘produção’ no varejo, e as mudanças tecnológicas na distribuição varejista (WRIGLEY; LOWE, 1996, p. 07). A partir dessa e outras contribuições depreende-se que o processo de reestruturação varejista não é diretamente análogo àquele do setor produtivo industrial, como explicamos a seguir (CHRISTOPHERSON, 1989; WRIGLEY; LOWE, 1996).

A reestruturação do varejo, ou o que alguns autores vão chamar de “revolução no varejo” é compreendida como o conjunto de mudanças que se desenvolvem a partir dos anos 1980, possibilitadas principalmente pela “revolução” logística e pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, combinada com a constituição de grandes redes internacionais e nacionais. Essas mudanças permitiram o aumento do poder dos grandes varejistas por meio de uma combinação de fatores que moldou de forma significativa as estratégias de negócios no setor.

O primeiro elemento que caracteriza esse processo de reestruturação diz respeito ao controle da tecnologia que permite aos grandes varejistas a coleta de dados nos pontos de venda. Com isso, eles sabem o que os consumidores compram, quais os preços, quais mercadorias estão ganhando e perdendo popularidade, e como os padrões de compra variam de acordo com o lugar, o perfil da população etc (BONACICH; WILSON, 2008; LICHTENSTEIN, 2013). Sob a justificativa de poder oferecer preços mais baixos aos clientes, essas informações valiosas são utilizadas para determinar o

quê e quando se produzir, como e onde vender determinados produtos. Ao mesmo tempo viabilizam em tempo real o compartilhamento eletrônico de dados com os fornecedores. Isso permitiu também aos varejistas como o Walmart simplificar a logística e expulsar intermediários desnecessários (BONACICH; WILSON, 2008, p. 09).

Com início nos anos 1970, o Walmart procurou reduzir os seus custos usando as recém-surgidas tecnologias de informação para rastrear as vendas aos consumidores no balcão do caixa, monitorar seu inventário de bens dentro e entre as lojas e então suprir as suas lojas de modo contínuo via métodos altamente eficientes e centralizados de distribuição. Ao capitalizar em tempo real as informações de vendas e da posição dos inventários, o Walmart aumentou sua habilidade de deixar que as demandas dos consumidores “puxassem” seus pedidos. Como resultado, isso permitiu diminuir a quantidade de inventário necessário para qualquer produto e focar seus recursos no armazenamento dos bens que estavam sendo comprados pelos consumidores (ABERNATHY et al., 1999, p. 49 – tradução nossa).

Essas mudanças foram viabilizadas pelas inovações tecnológicas que tiveram, em grande medida, o Walmart como importante precursor43. Aponta-se como uma das maiores realizações do Walmart, o uso e desenvolvimento de aplicação das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). A empresa é considerada líder no uso de Tecnologia de Informação (TI) no varejo e pioneira em uma série de aplicações de TI, como, por exemplo, o uso de terminais computadores desde o início dos anos 1970, o escaneamento utilizando códigos UPC (Universal Product Code – ou código universal de produto) em 1980 e o desenvolvimento do “Retail Link”, ferramenta de comercialização e gestão da cadeia de abastecimento, a partir de 1991. Tais inovações foram cruciais para a melhora da produtividade do Walmart e resultaram em ganhos contínuos de participação no mercado devido à sua contribuição para preços mais baixos, menores estoques e melhor propaganda (BASKER, 2007; ROSEN, 2005).

Outra inovação importante adveio com a chamada “conteinerização”, a partir dos anos 1970. O transporte de mercadorias através de contêineres tem permitido que as mercadorias circulem por navio, transporte ferroviário e caminhão sem precisar que sejam descarregadas (BONACICH e WILSON, 2008). No âmbito da logística, o Walmart também desenvolveu um sistema de reabastecimento de suas lojas que limitou o tempo que os gerentes de loja tem para prever as vendas, aumentando sua precisão. Os reabastecimentos são feitos com maior frequência e articulados com um sistema de reabastecimentos de pequenos lotes que racionalizam o descarregamento dos caminhões e permitem, com isso, que os produtos fluam mais rapidamente por meio da cadeia de

43 O Walmart decidiu comprar e controlar seus próprios caminhões e sistemas de computadores. Nos anos 80 compraram um sistema de comunicação por satélite por 24 milhões de dólares; em 1988 eles eram proprietários da maior rede privada de comunicação do país. As técnicas que a empresa desenvolveu são agora copiadas por seus competidores e outras indústrias (ROSEN, 2005).

suprimentos. Além disso, os custos de manuseio são reduzidos, uma vez que o armazenamento e a recuperação não são mais necessários (BONACICH; WILSON, 2008, p.10).

Esse conjunto de inovações possibilitou além do controle das informações – que são coletadas, geradas e pertencem a esses grandes varejistas – a redução de custos que advém, em grande parte, do processo de externalização destes para a cadeia de fornecimento. Esse fato, somado ao grande poder de compra, impactou diretamente a relação do varejista com a sua rede de fornecedores, de modo que aqueles passaram a ditar os termos dos contratos em relação a preços, volume, prazos de entrega, embalagem, qualidade etc.

Expressão significativa dessa mudança na balança de poder entre varejistas e produtores pode ser ilustrada pela presença do escritório do Walmart em Shenzen, no epicentro das exportações de produtos industrializados da China, onde cerca de 400 empregados coordenam a compra de produtos do Sul da Ásia num montante de cerca de vinte bilhões de dólares:

Porque a companhia em si possui um profundo conhecimento do processo de produção e porque seu poder de compra é tão imenso, o Walmart tem transformado seus 3 mil fornecedores chineses em impotentes ditadores de preços, em vez de parceiros, negociadores ou administradores de preços oligopolistas (LICHTENSTEIN, 2006, p. 12 - tradução livre).

Outro indicador dessa mudança de poder em favor dos varejistas é o crescimento da participação dos produtos de marca própria. Chesnais (2016, p. 119) afirma que poucos vendedores podem competir com os varejistas globais em termos de escala: o Walmart Internacional sozinho é maior do que a Nestlé. Além disso, os gastos anuais do Walmart com a marca própria - acima de 100 bilhões de dólares - é maior do que as vendas anuais daquela empresa.

A chamada revolução no varejo, portanto, não só transformou a natureza do emprego nos EUA (como veremos no segundo capítulo), como também deslocou a produção para o exterior e redefiniu os sentidos da globalização (LICHTENSTEIN, 2009, P.03; STRASSER, 2006). O fortalecimento do poder dos varejistas diante dos fornecedores é inegável no processo de globalização dos grandes varejistas, o que envolveu também um processo de internacionalização e de financeirização, que forjou um movimento de concentração em grandes redes, como veremos a seguir.