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Glosa de créditos tributários como efeito da Guerra Fiscal

4 GUERRA DOS PORTOS E RESOLUÇÃO DO SENADO FEDERAL Nº 13/

4.3 GUERRA FISCAL ENTRE OS ESTADOS

4.3.1 Glosa de créditos tributários como efeito da Guerra Fiscal

Um dos efeitos da Guerra Fiscal é a prática da glosa de crédito que vem ocorrendo em alguns territórios. Os Estados que se sentiam prejudicados pela concessão unilateral de benefícios e incentivos fiscais à revelia do CONFAZ, praticam a glosa (estorno) de créditos dos contribuintes que se utilizaram desses benefícios irregulares. Os Estados praticam a glosa dos créditos respaldados no artigo 8º da Lei Complementar 24/75:

Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

Il - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.

Parágrafo único - As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição federal. (BRASIL, 1975).

Consoante Vogas (2011), as normas e medidas que limitam o crédito do contribuinte são notadamente inconstitucionais, já que o princípio constitucional da não cumulatividade deve ser respeitado, ou seja, o montante do ICMS cobrado (não necessariamente efetivamente pago) gera crédito para operação subsequente. O princípio só prevê duas exceções em que não ocorrerá o creditamento, que são a isenção (total) e a não incidência, previstas no art. 155, § 2º da CF:

Art. 155. [...]

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; (BRASIL, 1988).

Acontece que os Estados que glosam créditos, botam os benefícios e incentivos fiscais e financeiros tudo num mesmo pacote e não diferenciam não incidência e isenção das outras formas exonerativas. Para Vogas (2011, p. 138), “[...] existem diversos tipos exonerativos, cada um com sua particularidade, que não podem ser colocados pelo legislador ou aplicador do direito em uma vala comum”.

A festejada teoria da exoneração tributária, de Sacha Calmon Navarro Coêlho, classifica as exonerações em “[...] internas ou externas à estrutura da norma”. As internas subdividem-se em exonerações nas hipóteses (qualitativas) e em exonerações nas consequências (qualitativas). Como se vê, as diferentes categorias de exonerações têm cada uma suas características e não podem simplesmente serem todas tratadas como isenção e não incidência para serem excepcionadas do princípio da não cumulatividade (COÊLHO, 1982, p. 120).

Segundo Paulo de Barros Carvalho (2014, p. 80), “[...] o art. 8º da Lei Complementar nº 24/75 não foi recepcionado pela Constituição de 1988”. O autor enfatiza que as glosas não podem ocorrer discricionariamente ao bel-prazer dos Estados, e que há meios jurídicos próprios para combater a prática de concessão de benefícios à revelia do CONFAZ, que são as Ações Diretas de Inconstitucionalidade dirigidas ao STF. Não tem cabimento combater a concessão de benefícios irregulares “elegendo o contribuinte como ‘inimigo’ nessa ‘guerra fiscal’ e não o Estado que teria editado norma violadora do Texto Superior”.

José Souto Maior Borges (2000 apud CARVALHO, 2014, p. 79-80) acrescenta: Não pode entretanto um Estado-membro da Federação impugnar, glosando-o, o crédito de ICMS destacado em documento fiscal, sob o pretexto de violação do art. 155, § 2º, “g”, da CF. [...] Não será correto reconhecer ao Estado-membro competência para, independentemente de um posicionamento jurisdicional, sobretudo em Ação declaratória de Inconstitucionalidade da lei ou dos atos infralegais impugnáveis, glosar o crédito havido como indevido.

O que vem acontecendo é o seguinte: suponha-se que um fornecedor catarinense tenha recebido incentivo fiscal (concedido unilateralmente à revelia do CONFAZ) nas operações interestaduais com determinada mercadoria. O incentivo consiste num crédito presumido de 50% da alíquota na operação interestadual (ou seja, ao invés de pagar a alíquota interestadual de 12%, pagará, efetivamente, só 6%), ao vender para o contribuinte de outro Estado (para SP, por exemplo), esse contribuinte se creditará da alíquota interestadual cheia (12%). São Paulo acaba praticando a glosa desse crédito excedente ao valor efetivamente pago (estorna 6% do crédito). (VOGAS, 2011).

Apropriada a transcrição de uma síntese sobre o fenômeno da glosa:

Por vezes, a legislação ordinária estadual dispõe que não considera cobrado [...], ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de [...] benefício ou incentivo fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal.

Assim, no caso em que um Estado tenha concedido (unilateralmente — sem convênio entre os Estados) incentivo fiscal a uma determinada empresa que venha a fornecer mercadorias tributadas a empresa localizada em outro Estado, e esta venha a se apropriar do respectivo crédito do ICMS, o Fisco do destinatário glosará o referido crédito, cobrando o valor tributário, acrescido de multa. (MELO, 2004, p. 222-223).

Nesse diapasão, a prática da glosa de créditos viola a competência do STF no tocante à declaração de inconstitucionalidade, viola o princípio das separações dos poderes, bem como o princípio da não cumulatividade e o da não discriminação em razão da origem, além de tentar fixar alíquota interestadual diferente da fixada pelo Senado Federal, invadindo assim a competência senatorial. (VOGAS, 2011).

Esse fenômeno da glosa de crédito vem tornar o Sistema Tributário Nacional ainda mais instável e ocorre não somente na genérica Guerra Fiscal, como também na Guerra dos Portos, que será vista no próximo tópico.

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