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Governabilidade, Governança e Accountability

2.4. GESTÃO GOVERNAMENTAL

2.4.1. Governabilidade, Governança e Accountability

Deve-se ter cautela ao tentar definir o conceito de governança, pois, de acordo com Gonçalves (2006), o uso da palavra “governança” se generalizou e seu significado ainda é freqüentemente utilizado em várias áreas de modo impreciso e vago.

Segundo Matias-Pereira (2009), os conceitos de governabilidade e governança são freqüentemente utilizados na literatura contemporânea sobre o Estado e as políticas públicas. Assim, define-se a governabilidade como a capacidade política de governar, derivada da relação de legitimidade do Estado e do seu governo com a sociedade, e a governança seria resultante da capacidade financeira e administrativa do governo realizar políticas. O ponto de convergência entre os conceitos seria a defesa da participação institucionalizada como meio de se atingir a estabilidade política. E o ponto de diferença seria como a legitimidade das ações dos governos é entendida.

Matias-Pereira (2009, p. 70) complementa que a legitimidade seria o reconhecimento que tem uma ordem política, e ela depende das crenças e das opiniões subjetivas, de modo que seus princípios são justificações do poder, ou seja, do direito de mandar.

De acordo com Gonçalves (2006), a definição de governança surgiu a partir de reflexões conduzidas pelo Banco Mundial, na tentativa de construir condições que garantissem Estados mais eficientes. Com isso, a abrangência da governança ultrapassou limites relativos aos aspectos econômicos e adentrou em dimensões sociais e políticas da gestão pública.

Na visão do autor, não há dúvida que em sua concepção inicial, governança estava ligada à idéia de governabilidade dos Estados e a políticas de desenvolvimento, especialmente num momento histórico de crise dos Estados-Providência na Europa, e do esgotamento do modelo do Estado desenvolvimentista na América Latina.

Nesse sentido, Matias-Pereira (2009) cita a definição dada pelo Banco Mundial e por Mappa (2004), de que a governança denota a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos econômicos e sociais tendo em vista o desenvolvimento, enquanto que a governabilidade seria as condições sistêmicas de exercício do poder em um sistema político. Do ponto de vista de Mappa (2004, apud Matias-Pereira, 2009), o termo governança pode ser entendido como a gestão administrativa da ordem social e tem um alcance implícito: o de despolitização das escolhas e ajustes sociais.

Gonçalves (2006) defende que governança e governabilidade são conceitos diferentes, pois a governabilidade diz respeito à dimensão estatal do exercício do poder, enquanto a governança tem um caráter mais amplo, envolvendo não apenas os aspectos gerenciais e administrativos do Estado, mas também aspectos sobre o funcionamento eficaz do aparelho estatal, ou das relações harmônicas entre os Poderes, não deixando de fora a sociedade como um todo.

Rosenau (2000, p. 15-16 apud Gonçalves, 2006, p. 4) sintetiza o que considera ser a principal diferença entre os dois conceitos:

Governança é um fenômeno mais amplo que governo; abrange as instituições governamentais, mas implica também mecanismos informais, de caráter não- governamental, que fazem com que as pessoas e as organizações dentro da sua área de atuação tenham uma conduta determinada, satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas.

Por fim, Gonçalves (2006) propõe a divisão em três dimensões para a conceituação de governança: a primeira diz respeito ao seu caráter de instrumento, ou seja, de meio e processo capaz de produzir resultados eficazes; a segunda envolve os atores envolvidos no seu exercício, frisando a questão da participação ampliada nos processos de decisão; e a terceira enfatiza o caráter do consenso e persuasão nas relações e ações, muito mais do que a coerção. Dessa maneira, o autor conclui que a governança existe quando ela é capaz de articular os diferentes atores para enfrentar dificuldades.

Azevedo e Anastásia (2002) consideram que as relações entre governança, accountability e responsividade [cujo conceito será apresentado mais adiante] nas novas democracias, dependem, fundamentalmente, do desenho institucional a elas conferido e de sua adequação às condições sociais. (Przeworski, 1991; Lijphart, 1980). Mesmo sendo a governança um atributo do Estado e governabilidade uma característica da sociedade, os autores afirmam que há uma importante correlação entre ambos, já que Estado e sociedade só podem ser pensados como entes relacionais. Afirmam, portanto, que só há Estado se houver uma sociedade a ser governada, e que só haverá sociedade se seus membros conseguirem definir as regras que orientarão a organização de sua convivência, ou seja, alguma forma de Estado.

Assim, o conceito de governança adotado por Azevedo e Anastásia (2002) não se limita ao formato institucional e administrativo do Estado e a maior ou menor eficácia da máquina estatal na implementação de políticas públicas, pois, se o conceito de governabilidade remete às condições sistêmicas em que se dá o exercício do poder, ou seja, aos condicionantes do exercício da autoridade política, logo a governança qualifica o modo de

uso dessa autoridade. Nesse sentido, deve compreender além das questões político- institucionais de tomada de decisões, as formas de interlocução do Estado com os grupos organizados da sociedade, no que se refere ao processo de definição, acompanhamento e implementação de políticas públicas. (Melo, 1995; Coelho & Diniz, 1995 apud Azevedo e Anastásia, 2002).

De acordo com os autores, a natureza da relação entre Estado e sociedade afeta os níveis e as formas de governança do Estado e de governabilidade da sociedade. Em resumo, a maior ou menor capacidade de governança está atrelada, por um lado, à possibilidade de criação de canais institucionalizados, legítimos e eficientes; de mobilização e envolvimento da comunidade na elaboração e implementação de políticas e, por outro, à capacidade operacional da burocracia governamental, tanto nas atividades de atuação direta, bem como naquelas relacionadas à regulação das políticas públicas.

Quanto ao termo accountability, Matias-Pereira (2009b) diz que pode ser considerado como sendo o conjunto de procedimentos que levam os gestores governamentais a prestarem contas dos resultados de suas ações, resultando em maior transparência e evidenciação das políticas públicas. Assim, quanto maiores são os meios disponíveis para que os cidadãos ou a sociedade analise se os governantes estão agindo em função do interesse da coletividade, mais comprometido com a accountability o governo será considerado.

As formas e o grau de accountability e de responsiveness da ordem política afetam os padrões de governabilidade vigentes nas diferentes sociedades. Azevedo e Anastásia (2002) sustentam que a governabilidade democrática é uma variável dependente da capacidade dos governos de serem responsáveis e responsivos perante os governados, e segundo Przeworski (1996, p. 25):

“... governos são responsáveis quando os cidadãos têm possibilidade de discernir aqueles que agem em seu benefício, e podem lhes impor sanções apropriadas, de modo que os governantes que atuam em prol do benefício dos cidadãos sejam reeleitos, e os que não o fazem sejam derrotados”.

Já os governos responsivos seriam aqueles que promovem os interesses dos cidadãos, escolhendo políticas “que uma assembléia de cidadãos, tão informados quanto o Estado, escolheria por votação majoritária, sob os mesmos constrangimentos institucionais” (Przeworski, 1996, p. 26; Stokes, 1995; apud Azevedo e Anastásia, 2002).

Cabe frisar a afirmativa de Azevedo e Anastásia (2002) no sentido de que as eleições são instrumentos necessários para a constituição de governos democráticos, mas não suficientes para garantir o controle dos governantes pelos governados (Manin, Przeworski &

Stokes, 2000). Complementam que se a representação foi a solução institucional encontrada para a materialização da democracia nas sociedades contemporâneas (Dahl, 1982), foi ela, também, o seu limite, devido as imperfeições e insuficiências existentes nessa solução.

Na opinião dos autores, o grande desafio que se coloca para as democracias se refere ao aperfeiçoamento e ao aprofundamento das instituições democráticas, com o fim de permitir sua intervenção nos interstícios eleitorais, acoplando aos mecanismos tradicionais de representação formas institucionalizadas de participação política, possibilitando a ampliação do direito de vocalização das preferências dos cidadãos e o controle público do exercício do poder (Anastásia, 2000). Desse modo, haveria um exercício de engenharia institucional que permitiria transformar a democracia em um jogo dinâmico, jogado em diversas arenas e em um contexto de decisão contínuo (Tsebelis, 1990; Sartori, 1994; Azevedo e Anastásia, 2002).