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DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA 151 4.1 O CONTEXTO SOCIOECONÔMICO QUE ANTECEDEU A

3 GOVERNANÇA PÚBLICA: O MOVIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A NOVA RELAÇÃO

3.2.2 Governança Pública sob a perspectiva de processo cooperativo

É bastante comum tratar do tema Governança Pública associando-o a uma perspectiva de processo cooperativo. Kooiman (2003) desenvolve um trabalho influente sobre o tema chamando de perspectiva sociopolítica de Governança Pública. Partindo de conhecimentos interdisciplinares, o aspecto central no seu trabalho é a noção de Governança Pública como um processo de interação de diferentes atores e da dependência crescente entre eles como palco para uma sociedade sustentável. É importante destacar, porém, que as três esferas (Estado, mercado e sociedade civil) não dispõem das mesmas características, têm forças e papéis diferentes.

Analisando o processo interativo e seus movimentos de interdependência (nível de ação ou intencional) e interpenetração (nível estrutural), Kooiman conclui que:

[...] the state is ‘strong’ in mobilising action potential that can be expressed in support of a particular problem to be solved or an opportunity to be created. The market is ‘strong’ in disposing of all kinds of societal resources other institutions might need. Civil society also has action (potential) but arguably its strongest asset is knowledge and values, that is to say, the image condition for governing […] Interdependence and inter-penetration between the three societal institutions lead toward ‘new’ structural arrangements: between state and market towards ‘public management’; between state and civil society towards ‘political society’; and between state, market and civil society towards ‘sustainable society’ as examples (KOOIMAN, 2003, p. 215-218).

Assim, a sociedade deve ser o ideal da interação efetiva das três esferas, alcançada a partir dos movimentos de interdependência e

interpenetração (KOOIMAN, 2003). Uma concepção de Governança Pública na perspectiva de processo dinâmico tende a contribuir para que o Estado possa gerir as tensões entre as diversas esferas sociais. Depois de levantadas questões sobre a diversidade dos participantes, a complexidade tecida a partir dela e as tensões que vão desenhando uma determinada dinâmica, facilita compreender como os atores interagem para produzir os resultados desejados.

Além disso, lembramos que esta abordagem parte do pressuposto de que as questões sociais têm suas soluções construídas a partir de processos interativos e, assim sendo, devem ser colocadas num contexto que é permeado por três características presentes nas sociedades modernas: diversidade, complexidade e dinâmica. A diversidade, a complexidade e a dinâmica são características que influenciam significativamente a capacidade de governar na sociedade moderna e não influenciam apenas quem está sendo governado, mas também quem governa (KOOIMAN, 2003).

Na referida concepção, “diversidade” é a característica que aponta diversas unidades que formam determinado sistema, servindo para indicar a natureza e o grau com que se diferenciam. Seu conceito faz referência aos diversos atores que compõem um sistema social, assim como aspectos peculiares às referidas esferas que os representam, tais como: objetivos, interesses e forças.

One of the most important diversity constituting factors in the continuously moving patterns of societal developments are the self-images that individual, organisations, groups and even nations create. They do so to maintain and to protect themselves against the ever- present dangers of desintegration. Social and political actors will invest a great deal to realise their self-images, while self- images take shape in the opinions, goals and interests they strive for (KOOIMAN, 2003, p. 194).

Quanto maior o grau de diversidade a ser governado, mais diverso é o conjunto de medidas a serem adotadas e, por consequência, mais diversa também é a relação entre ambos. Nas interações sociopolíticas, a diversidade na representação das respectivas esferas tem se apresentado como fator importante para explicar o sucesso ou o

fracasso das mesmas e se transformado em argumento importante para a absorção dos diversos valores, objetivos e interesses dos atores envolvidos no processo interativo. Mas Kooiman (2003, p. 195) adverte que “Social entities cannot function without a certain measure of uniformity in inter-human, inter-organizational, inter-regional and inter-state interactions”. Baseado nessa ideia está sustentado o desenvolvimento da abordagem do autor, ou seja, considerando que a diversidade de objetivos, interesses e aspirações por parte dos atores sociais distribui-se em diferentes níveis, porém deve ser controlada.

O segundo elemento da abordagem sociopolítica de Kooiman (2003), isto é, a “complexidade”, está vinculada à arquitetura dessas relações. Sua análise se concentra nas estruturas, nas interdependências e nas relações entre os diferentes níveis. Embora seja um termo amplamente utilizado, o sentido aqui adotado não se restringe a algo difícil ou complicado. O termo “complexidade” é mais que isso: “it is a basic aspect of the phenomenon we are dealing with, and as such it has baffled practitioners and scholars alike. The most typical attitude towards real complexity is in fact not to confront it head-on” (KOOIMAN, 2003. p. 197).

A complexidade social tem sido objeto de estudo de acadêmicos dedicados a contribuir com a construção de conhecimento sobre o tema e o que suas publicações têm permitido concluir é que inexiste uma concepção única sobre o termo que, no sentido etimológico, de fato reflete a trama que emana do tecido social.

Ainda que reconheça esses diferentes olhares, Kooiman (2003) parte da ideia de que o desenvolvimento da sociedade também tem seguido o caminho da diferenciação e da especialização, tão predominantemente adotado nas ciências sociais de maneira geral e na burocracia mais especificamente. Independente dos resultados que a Administração Pública ou que as sociedades modernas venham apresentando, isso está diretamente atrelado à capacidade humana de organizar, simplificar e reduzir a realidade analisada dando a ela tamanho e forma gerenciáveis.

Nesse momento, cabe destacar a colaboração de Simon (1962), que, a partir da publicação do seu clássico artigo “The architecture of complexity”, alerta para a hierarquia como centro do esquema estrutural pelo qual se dão as interações. Dessa forma, o referido autor introduz a ideia de que a decomposição é uma maneira de lidar com a complexidade e, com base em Simon, Kooiman (2003, p. 199) conclui que “societal complexity can only be partially understood and handled;

combined strategies of composition and decomposition are needed to reduce it for governing purposes in a responsible manner”.

Para Rhodes (2010) tanto quanto para Kooiman (2003), a complexidade faz parte do jogo, já que níveis diferentes de governo são interdependentes e a centralização rígida do poder dá lugar ao desenvolvimento da competência de relacionar-se e, consequentemente, de um movimento de descentralização desse poder, uma vez que enfatiza recursos e não personalidades, da mesma forma que considera o contexto das relações e não de determinada vontade individual.

Finalmente, o terceiro elemento da abordagem sociopolítica de Kooiman, ou seja, a “dinâmica”, diz respeito aos pontos de tensão existentes num sistema e entre ele e outros sistemas.

The reality of dynamics involves societies moving from one state to another, in irregular and unpredictable patterns: pushed, drawn or in other ways influenced by technological, economic, social or political forces. Dynamics can be seen as a composition of forces that sometimes turn into gradual developments but more often result in non-linear patterns of change (KOOIMAN, 2003, p. 200).

Estudos mais recentes sobre o processo dinâmico indicam que uma explicação para a “dinâmica” pode estar associada a uma suposição derivada da teoria de processos irreversíveis. Segundo essa teoria, os sistemas sociais, como sistemas abertos, são, de maneira geral, instáveis e tendem ao desequilíbrio, pois oscilam continuamente. Por isso, a entropia é uma tendência encontrada em qualquer sistema, tornando-o sujeito a desintegrar-se e até mesmo desaparecer ao longo prazo. Prigogine e Stengers (1997) defendem que os processos irreversíveis não são necessariamente caóticos ou executados de maneira desordenada. Ao contrário, podem ser vistos como fonte de ordem dinâmica, o que explica o título de uma das suas obras, ou seja, “Ordem ao Caos” (PRIGOGINE; STENGERS, 1997).

Para combater a entropia, seria preciso, conforme tais autores, compensar continuamente essa perda de energia promovendo o processo de entropia negativa, visto que, em sistemas sociopolíticos, o equilíbrio é dinâmico. Como adverte Etzioni (1968), embora sejam feitos investimentos permanentes para manter os níveis de integração e organização, a atomização e a anarquia estarão sempre permeando-os.

Deste modo, qualquer tentativa de ordem social é considerada por Kooiman (2003) como um mecanismo antientrópico que demanda um significativo esforço para manter-se. Etzioni (1968) respalda o entendimento de Kooiman (2003) ao reconhecer que o dissenso é o estado entrópico da natureza social, necessitando assim que se insista na busca pela produção do consenso, por mais desafiador que isso possa parecer.

Ao propor a sociedade ativa com respectiva essência na ativação social e na mobilização, Etzioni (1968) desenvolveu a teoria do direcionamento societário. Segundo ela, os impulsos mobilizatórios das coletividades e das sociedades são os fatores responsáveis da transformação social. “Na medida em que se mobiliza, uma unidade social [...] tende a modificar a sua própria estrutura e limites, bem como a estrutura da supra-unidade da qual faz parte” (ETZIONI, 1968, p. 393). A sociedade está então em permanente movimento de mudança e isso impede a entropia. Os atores são os responsáveis pela direção que isso toma, estando sua capacidade de transformação social materializada na ação coletiva.

Uma teoria do direcionamento põe a questão de como um dado ator dirige um processo e de como ele modifica a estrutura e limites de uma unidade. A teoria do direcionamento societário põe, além disso, a questão de como uma dada estrutura foi modelada, como é mantida, como pode ser alterada, onde se localizam os focos de poder, quem comanda o conhecimento e quem tem capacidade de determinar (ETZIONI, 1968, p. 332).

Se considerarmos que a coordenação da dinâmica sociopolítica significa a maneira como se lida com as tensões e com os princípios da não-linearidade e da linearidade, percebe-se que esse é apenas o começo do pensar sistematicamente sobre suas consequências para uma concepção de Governança Pública. Como afirma Kooiman (2003, p. 203), “societal dynamics are important for governance in two aspects: (1) the linear and non-linear dynamical patterns of societal change form the basis for governing (object); and (2) dynamical forces can also be used for governing purposes (subject)”. Por isso, quando trata de adicionar essa característica ao seu modelo teórico-analítico, Kooiman (2003) alerta para a irregularidade que permeia o desenvolvimento de

um sistema e também os sistemas que o envolvem, mas também para a fonte de possíveis soluções que daí emergem.

Mas, se por um lado, é importante reconhecer a força existente no crescente movimento de diversidade, complexidade e dinamismo da sociedade moderna, além das interações como atividades centrais numa concepção de Governança Pública, por outro, há também que se lembrar da necessidade de viabilizar essa tendência até então teórica. Tal perspectiva sociopolítica defendida por Kooiman (2003, p. 3) configura- se como:

[…] a mix of all kinds of governing efforts by all manner of social-political actors, public as well as private; occurring between them at different levels, in different governance modes and orders. These mixes are societal ‘responses’ to persistent and changing ‘demands’, set against ever growing societal diversity, dynamics and complexity.

A diversidade pode ser fonte de criatividade e inovação, mas carrega o risco da desintegração; a complexidade é condição para dar conta das interdependências, mas deve ser reduzida de maneira responsável; e a dinâmica, por sua vez, é potencial de mudança e transformação social, mas pode também provocar consequências desastrosas. A capacidade de desenvolvimento de uma sociedade é inerente às tais características inexoráveis e, conforme Kooiman (2003), se dá a partir da forma como são tratadas, podendo se transformar em pontos fortes ou fracos desse sistema.

Essa perspectiva de Governança Pública como processo dinâmico significa, para Kooiman (2003), o ensaio de um modelo de Administração Pública no qual as atividades de um governo são pensadas e realizadas entendendo que as demandas sociais não são uma responsabilidade isolada deste agente, do mercado ou da sociedade civil. “[...] the market can no longer be a sphere of limited public responsibility, some responsibility has to be transferred to the market, and civil society ought to be more involved in the governmental process” (KOOIMAN, 2003, p. 217).

Nessa perspectiva interativa, ou seja, de processo dinâmico, fica destacado o elo entre as potencialidades da sociedade e a capacidade de administração das relações por parte de um governo. Dessa forma, ela tem se apresentado como o centro de muitas pesquisas atuais em subcampos das Ciências Sociais (PETERS, 2000; PIERRE; PETERS,

2000; KOOIMAN, 2003) que entendem o Estado como coordenador do processo de desenvolvimento da sociedade, ainda que a sua autoridade seja atualmente menos em função de competências legais e mais em função de mecanismos de cooperação.

Partindo então do pressuposto de que uma estrutura de governança é permeada por um processo dinâmico, pois envolve atores sociais e políticos, ganha força no debate o argumento de que, além da atenção à estrutura, cabe concentrar-se também na coordenação dessa dinâmica. Assim sendo, Governança Pública, sob essa perspectiva, acaba levando a outra discussão importante, isto é, a ação de coordenação estatal desse processo cooperativo.

3.2.3 Governança Pública e a coordenação estatal do processo de