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□ Vetos mantidos ■ Vetos rejeitados

Noutro imponente edifício da Praça dos Três Poderes, em Brasília, as coisas seriam similares. As ocorrências não seriam idênticas em virtude da própria condição que os juizes insistem em postular, natural mas inveridicamente, para o exercício de suas atividades. Como

proclamam-se “técnicos”, “neutros aplicadores do direito”, os esquemas inventados pelos juizes

teriam de ser compostos de maneira mais complexa para serem minimamente aceitáveis pelos denominados membros da comunidade jurídica, os profissionais especializados no trato do material jurídico pelo ângulo dogmático. Assim, até mesmo a linguagem teria de passar por uma

rigorosa e cuidadosa depuração para que sugerisse a supremacia do direito quando, na verdade,

tratar-se-ia o tempo todo da preservação do poder. É a antiqüíssima concepção que até hoje permeia os tribunais, mas especialmente o Supremo Tribunal Federal, da interpretação da norma

como veículo da particularização dos bens da vida, em vez de sua universalização; do privilégio, em vez do direito. 178

Desde cinco de outubro de 1988 não se assistiria a contestações judiciais tão freqüentes acerca da constitucionalidade dos atos do Poder Executivo, especialmente das medidas provisórias.

O Gráfico 14 mostra quão especial seria a posição das medidas provisórias editadas por Cardoso nos processos junto ao Supremo Tribunal Federal.™ As elites haviam sido suficientemente alertadas pela intelectualidade técnica com relação a essa possibilidade e, pois, não se assustariam.

Ainda mais porque, durante os primeiros passos do seu plano, os membros do Supremo Tribunal Federal foram mais do que condescendentes com as arbitrariedades perpetradas por Franco e por

seu “primeiro-ministro” Fernando Henrique Cardoso. De modo que, ressalvadas algumas “cartas” nas mangas militares ou alguns “coelhos” nas cartolas dos burocratas, os juizes pareciam

confiáveis e devotados ao renovado credo do Estado liberal. Era só lembrar-lhes dos deveres de casa, de vez em quando, e seriam brilhantes alunos. 180

Como sempre, as ações não deveriam obter sucesso. Todavia, as afrontas, dos atos

contestados, aos ditames constitucionais eram tantas que, dificilmente, as ações que chegassem ao final poderiam ser julgadas improcedentes. As questões, portanto, deveriam ser proteladas ao

máximo e restarem em termos absolutamente processuais, negando-se seguimento às ações e, assim, dando-se mais tempo para os “juristas” de Cardoso acertarem os rumos ou, simplesmente,

consumarem os efeitos das medidas editadas pelo governo. Como se nota pelo Gráfico 15, o expediente seria largamente utilizado como maneira de se evitar o confronto com o príncipe e com

seus conselheiros e, também, como forma de não se desmoralizar a alta cúpula do Poder Judiciário. Fossem quais fossem, detalhes encontrados em processos serviriam para arquivá-los sem

demora. Figuras esdrúxulas seriam inventadas para justificar a exclusão de entidades reconhecidas na defesa de direitos fundamentais sob o argumento de ilegitimidade de partes. 181 A mera nomeação

das ações seria considerada com maior apreço do que a essência para facilitar a declaração da impossibilidade jurídica do pedido. 182 Meras irregularidades seriam tidas como razões primeiras

179 Vide Anexo V.

180 ULHÔA, Raquel. Samev e Luis Eduardo querem limitar acão do STF. Folha de São Paulo, 16 de março de 1995, Caderno Brasil, n.° 1, p. 4. Chega a ser risíveis os ataques de Antônio Carlos Magalhães aos juizes e a pretensão de Samey e Luís Eduardo Magalhães de impedir o STF de se intrometer em questões internas ao Congresso. As decisões do STF são, invariavelmente, acanhadas e, quando se intrometeram em questões do Congresso Nacional, os ministros ali estavam para balancear conflitos entre as próprias facções das elites e nunca dos partidos populares. Vide, verbi gratia, Mandado de Segurança n.° 22.864-DF. Relator: Ministro Sidney Sanches, 4 de julho de 1997. Indeferiu liminar contra ato das Mesas Diretoras do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, relacionados com a votação do Projeto de Emenda Constitucional n.° 4/97 (reeleição de presidente, governadores e prefeitos).

181 Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 1.442-DF. Excluiu a CUT do processo por não considerá-la entidade sindical nem mesmo “entidade de classe de âmbito nacional”.

182 Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 1.439-DF. Relator: Ministro Celso de Mello, 22 de maio de 1996. Requerentes: PDT, PT, PC do B, PSB. A ação sequer foi conhecida sob o argumento de que pretendia declarar a omissão parcial na definição do salário mínimo (Medida Provisória n.° 1.415/96) face ao artigo 7.°, IV, da Constituição Federal de 1988. Segundo o tribunal, a ação pedia a declaração da omissão mas visava à exclusão da norma. Não se admitiu também a conversão em ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

para decretar a inépcia da petição inicial. 183 Modelos de representação apropriados para a defesa de

direitos privados seriam transplantados para infirmar os representantes. Enfim, tudo seria usado na

técnica processual para não se conhecer das ações que contestassem a constitucionalidade dos atos de Cardoso, como se acompanha pelo Gráfico 16.

183 Ação Direta de Inconstituoionalidade n.° 1.442-DF. Relator: Ministro Celso de Mello, 22 de maio de 1996. Requerentes: CONTAG, CUT. Além de usar os argumentos anteriores (nota 182), disse ser inepta a inicial. Ao fim, converteu o julgamento em diligência para pedir informações ao Presidente da República.