• Nenhum resultado encontrado

Graduação O Jogo Pela Ascensão na Capoeira

MÚSICA E RELIGIÃO NA CAPOEIRA

2.6. Graduação O Jogo Pela Ascensão na Capoeira

A mudança de estágio na atual capoeira é entendida como troca de cordões ou graduação que culmina com o batizado, rito da primeira mudança. Geralmente a troca de estágio é efetuada após um semestre de prática, mas há alguns mestres que preferem fazê-lo após um ano de treinamento, tendo como parâmetro para avaliação o desenvolvimento pessoal de cada praticante, ficando a critério das observações pessoais dos respectivos mestres. Após onze estágios o aluno pode ser considerado mestre, isso quando ele atinge o cordão branco.

As cores utilizadas nas graduações variam de acordo com o Estado ou grupo a que o aluno pertence. Normalmente as agremiações ligadas a alguma instituição

_______________________

38 – Graduada em psicologia, desenvolveu pesquisa (Monografia) não publicada com crianças que moravam nas ruas de Salvador Bahia. Há dez anos pratica capoeira no ABC paulista. Entrevista preliminar em 2006, em São Caetano do Sul, São Paulo

65 esportiva, como Federação Paulista e ligas regionais, entre elas as do ABC, fazem uso das cores representando a bandeira brasileira. Muitas academias não pertencentes a Federações utilizam as cores ligadas aos Orixás, “o grupo cativeiro adota uma graduação em cores ligadas às tradições da religiosidade afro-brasileira do Candomblé” (REIS, 2000:153). Estes modelos atuais na forma de graduação dentro da capoeira regional diferem completamente do primeiro sistema instituído por mestre Bimba em 1959.

(...) numa mistura fascinante e antropofágica das festas de graduação das universidades do sistema, com paraninfo e orador; primitivos rituais de iniciação masculina à idade adulta/guerreira; e lenços de seda usadas pelos malandros contra a navalhada no pescoço - O formado recebia das mãos da madrinha uma medalha de flandres (zinco) na qual estavam cunhados dois punhais cruzados atravessados por um berimbau, a data do evento, e as letras CRB (capoeira regional baiana) ou LRB (luta regional baiana). Os formandos vestiam-se todos de branco, sapatos, calça e camisa social, sendo que posteriormente trocou-se o sapato pelo tênis e a camisa social branca pela camiseta de algodão. Era comum, também, o uso de um cinto de couro cru. (CAPOEIRA, 1997:70)

Posterior ao sistema de graduação por artefatos (CAPOEIRA, 1997), Bimba determina o uso simbólico de cores e lenços que homenageiam os mestres da velha Bahia. Para tanto a graduação era feita por meio de lenços de cores diferentes: azul para o aluno formado, vermelho para o especializado, e branco para o contramestre. Vale ressaltar que para ser formado, Bimba considerava que seis meses seriam suficientes.

Deve-se salientar que na capoeira angola não há cordões como representação da graduação pelos feitos nas rodas de ruas, pois o capoeirista só adquire o respeito dos demais quando a comunidade começa a entender que tal capoeirista é possuidor de muita sabedoria, aí então passam a apontar-lhe como mestre. Na capoeira de formato gospel, momentaneamente seguem-se os preceitos estabelecidos por cada igreja, determinados com uma oração; “(...) para cada graduação a gente tem uma palavra de Deus específica de incentivo ao aluno a está buscando mais de Deus” (39).

______________________

66 2.7. O Capoeira e os Ritos da Roda

No jogo esportivo da capoeira o embate acontece dentro de um circulo de 2,5m de raio, circundado por outro com 10 cm de largura. Os participantes ficam em volta sentados pelo lado de fora com as pernas cruzadas, colocando as mãos sobre os joelhos que devem estar flexionados para não invadir o lado interno do círculo. Tais espectadores permanecem atentos ao cântico que é conduzido pelo mestre mais experiente e acompanhado pelos demais ritimistas. Ao início da ladainha, dois jogadores agacham-se aos pés do tocador de berimbau (ao pé do berimbau), ouvindo o cântico e após o mestre mencionar determinada senha ( Ex: galo cantou, vamos embora, iê dá volta ao mundo, (...)), benze-se e entra na roda, num mundo simbólico, repleto de enigmas. Para Reis (2000) é um mundo sagrado misturando-se com o profano. É sagrado porque para se participar é preciso benzer-se, pedir proteção aos céus, onde cada capoeirista fecha-se em suas crenças e com isso passa a acreditar que é invencível. E profano pela troca de um dos participantes, denominado de compra, portanto uma compra simbólica em que você tira uma pessoa do jogo, passando a comprar o desafio do outro. A luta dele será por diante sua luta e o preço poderá ser sua reputação, quando antes seria a própria vida.

Para que ocorra a compra, o capoeirista aproxima-se do narrador (cantador) dos fatos, toca no berimbau e benze-se, fica de costas para o jogador que deverá deixar a roda, em seguida executa um “aú” (coloca as mãos no chão e os pés para o ar) ultrapassando a linha do tempo (da roda) entrando na simbologia da capoeira. Ao se entrar numa roda de capoeira, ultrapassa-se uma barreira imaginária marcada pelos círculos riscados no chão, a ruptura para tal mundo é determinada pelo mestre central. Ao desafiante cabe ajoelhar-se aos “pés” dos instrumentos e se o berimbau permitir ele então poderá romper o elo dos mundos. Para se entrar nesta esfera o capoeirista deve tirar os pés do chão e apoiando-se nas mãos executa giro no próprio eixo corporal ficando de cabeça para baixo, depois volta á posição sagital. Também pode efetuar a compra ajoelhando-se e colocando a cabeça no chão, tirando os pés do solo ao mesmo tempo, recolocando do lado interno, gira na roda em sentido anti-horário, andando ou correndo, formato mais usual entre velhos capoeiristas, completada uma volta, já pode fazer a compra simbólica, chamando determinado jogador. Para muitos velhos mestres é o berimbau que comanda o

67 jogo, e o instrumentista torna-se o instrumento fazendo percutir o som que se manifesta espontaneamente, não dependendo da vontade do tocador.

Quando o mestre de capoeira vai para uma roda aberta, ele faz verdadeiro ritual e muitos não entram na roda de pés descalços, pois acreditam que estando sem sapatos e havendo alg uma força ou energia negativa no local, ele pode ser atingido por tal perturbação.

Em observação ao comportamento dos componentes na constituição da roda de capoeira, é visível que a prática da capoeira é fortemente constituída de elementos religiosos, envoltos num mundo sincretizado, pelo próprio capoeirista. A crença e misticismo são perceptíveis no jogo em si, chegando a despertar certa tensão entre capoeiristas que gostam de tocar berimbaus em encontros.

Tocar berimbau numa roda de mestre é sinônimo de status, só os com muito conhecimento podem usufruir de tal capital simbólico, por vezes é comum à corda do berimbau se romper, causando verdadeiro alvoroço entre os tocadores, uns se benzem e outros pronunciam palavras desconhecidas na intenção de conte rem a descarga de energia contida pela corda do berimbau. Para o mestre Jaca, quando uma corda se quebra ela absorve a energia da roda, impedindo que alcance o tocador. Há casos em que as cordas são trocadas varias vezes, voltando a se romper novamente, dependendo da crença do capoeirista que organiza o evento, ele pede para o tocador mudar de lugar e sentar-se noutra cadeira. Na capoeira gospel quando a corda do berimbau quebra, ela é trocada sem que se valorize tal fato.

Em várias ocasiões pude observar casos em que o mestre cantou algumas músicas de despedidas e proteção, que geralmente são cantadas ao termino do jogo, coincidência ou não, a calmaria voltou ao local da roda. Salientamos que na capoeira secular assim como na gospel, cânticos são entoados como forma de se obter proteção em tais circunstâncias.

Quando eu vou para as rodas de capoeira por ai, eu oro e vou de coração aberto, eu tenho até uma música gravada que diz, onde

68

eu vou eu levo a minha bandeira que é de paz meu irmão, e a palavra fala que é o Cristo da Paz (40).

O comportamento descrito pelo mestre Antonio, do Ministério Restauração, repete os costumes dos velhos mestres de capoeira, que se observa no documentário “Bimba, a capoeira Iluminada”, que retrata a capoeira idealizada por mestre Bimba, onde, antes de se começar o jogo, o capoeirista é “purificado” por um defumador feito pela “mãe e/ou Pai de Santo” em terreiros da velha Bahia. Essa prática é vista apenas nos mestres da velha guarda, e, não seguido pelos praticantes da acapoeira esportiva.