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A CAPOEIRA DOS EVANGÉLICOS

3.5. Missão do Movimento Gospel na Capoeira.

Com o crescimento dos movimentos religiosos na periferia das grandes cidades como São Paulo e as da região do ABC paulista, surge a cada instante uma placa anunciando novas opções de salvação. Nota -se que tais propagandas se confundem com as existentes no comércio ao redor, sendo afixadas sobre lojas, oficinas mecânicas e do próprio corpo, ao exemplo das academias de ginástica em São Caetano do Sul. Talvez seja mera coincidência, mas, parece mais uma estratégia religiosa, pois na concepção de alguns evangélicos neopentecostais, as academias de ginástica são consideradas lugares de práticas pecaminosas do culto ao próprio corpo, portanto não aceitável.

Segundo a óptica dessas instituições, para elas, os desportistas são seres do mundo, pecadores que afrontam os mandamentos de Deus com a idolatria do próprio corpo. Segundo Cruvinel (96), isso ocorre devido a interpretação das

escrituras sagradas, em que muitos Pastores pentecostais entendem que o corpo deve ser conservado em perfeito estado de saúde, porque tal corpo é para servir a Deus, ser a morada quando o Divino Espírito Santo se manifestar.

Um aspecto importante da capoeira gospel é o despertar para o exercitar do espírito humano. Muitos capoeiristas não sabem ou então confundem-se sobre isso e pensam que há apenas o corpo e a alma. Mas a verdade é que somos um espírito, possuímos uma alma e habitamos em um corpo. Quando descobrimos este conceito da palavra de Deus então passamos

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a compreender valores éticos, morais e espirituais com maior profundidade. (mestre Antonio) (97)

Segundo os costumes pentecostais o homem fiel e temeroso aos ensinamentos do evangelho, pela leitura e entendimento da bíblia, deve orar para que seu corpo se fortaleça, e tão somente por meio dessas orações, fazendo das visitas de porta em porta à casa dos fiéis, a única ginástica permitida por Jesus. Qualquer outra forma de exercício físico será inte rpretada como uma forma de culto do corpo, portanto, desrespeitando os ensinamentos do livro sagrado dos cristãos. Para os pentecostais mais fervorosos qualquer prática esportiva é coisa do demônio, devendo o homem de bem manter-se afastado.(98)

Em geral, a prática do esporte no meio evangélico causa desconforto entre os pentecostais da grande São Paulo, principalmente quando o assunto é os neopentecostais e pentecostais, que utilizam das práticas corporais, especificamente a capoeira, fragmentando assim um cenário que já é bem dividido.

Estas observações nos ajudam a pensar sobre o comportamento desses crentes que trabalham com a capoeira. Os religiosos se dividem em dois pólos distintos, os em prol das práticas esportivas e os que estão contra esta tendência de “mercado”. É curioso observar que o motivo que os separa também os aproxima, já que os dois pólos estão próximos das academias de ginástica da região da Grande São Paulo.

Para um dos grupos, terem uma academia ou clube como vizinhos lhes dão a idéia que há muitos infiéis a serem salvos, e as pregações passam a ser um chamado constante, já que a igreja fica visível e em oposição aos locais de Cultura física.

Por outro lado os pentecostais do outro pólo se posicionam a favor do exercício corporal para a glória do Jesus Cristo, por manifestação do Espírito Santo de Deus. Assim acreditam que o corpo do fiel deve estar saudável, pois Deus, na representação do Espírito Santo, não se manifestaria em corpos doentes.

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97 - Artigo: Capoeira Gospel, maio de 2005 – www.capoeirajovemforte.ubbi.com.br

118 Este pensamento é contrário ao primeiro, que entende que as mudanças psicológicas provocadas pela prática do exercício físico já é uma anomalia e a presença do sagrado não seria notada nos corpos molestados pelo próprio homem.

Quero saudar a todos na paz do senhor, fui mestre de artes marciais durante 17 anos. Hoje eu me encontro dentro da presença do meu senhor há 10 anos. Vou deixar bem claro, conheceres a verdade e a verdade vos libertará. Eu não concordo com ninguém, mas pode ser ministro, meu filho, pode ser quem for, essa é minha opinião, esse tipo de coisa, ou o crente é crente ou não é, eu nunca obtive nada pelo esporte. Hoje estou do outro lado, Deus me libertou desse meio. O crente, ele tem de aprender uma coisa, a Bíblia diz bem clara, diz pra todo mundo pregar o evangelho, só de você sai de casa de manhã, chega no meio do dia você já perdeu pelo menos uns 4 quilos, fora o jejum que você já vai fazer. (Marcos) (99)

Contrapondo-se a esses fatos, o segundo grupo entende que a prática esportiva como a capoeira, favorece física e mentalmente o indivíd uo, devendo ser usada pelo homem em sua plenitude e a favor de Deus. Com isso, mostram-se mais liberais, procurando legitimar seus conceitos na própria evolução da espécie humana, acreditando que toda criação é obra do divino e afirmando que demônios não possuem o dom da criação. Nesse sentido, a medicina nos mostra por meio da fisiologia do exercício humano que o homem pode melhorar sua vida pela prática da atividade física regular, seja ela espontânea - como andar, correr caçar, necessários em tempos primórdios para sobrevivência da espécie – como também aquelas realizadas em aulas, nos módulos das academias, ou ainda, procurar profissionais das diversas áreas que tratam da saúde física do corpo humano. Não discutiremos esta questão neste momento, mas vale ressaltar que o próprio ato de sentar-se e levantar-se nas igrejas evangélicas, o subir e descer dos braços e a expressão corporal motivada pelos cânticos de louvores tornam-se uma prática física e benéfica à saúde das pessoas.

As igrejas próximas aos locais de práticas físicas despertam ainda mais a curiosidade, se observarmos o interesse dos pólos citados anteriormente, o primeiro aproxima-se com o objetivo de exorcizar a própria cultura corporal, numa clara

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99 - Trecho do debate no programa de rádio do Evangelista Carlos Apolinário da Igreja Pentecostal Assembléia de Deus na rádio mundial AM.

119 tentativa de fechar o estabelecimento, e se possível usurpar os freqüentadores, tornando-os servos de Deus e abolindo toda e qualquer forma de ato que não seja o louvor deus.

No outro pólo, os irmãos firmam um pacto com Deus, apoiando-se nas escrituras sagradas, passando a louvar a Deus e acreditando que toda a criação é fruto da obra divina. Nesta perspectiva, os adeptos deste pólo infiltram-se nos vários núcleos de práticas esportivas, adaptando-se numa clara tentativa de recriar algo que como diz o cantor e compositor Chico Sceince em seu álbum “Afrociberdalia”, “Estou desorganizando para me organizar”. Nos parece que os adeptos da capoeira gospel vislumbram-se com tal possibilidade, apoiados numa estrutura secular reorganizada a sua maneira, num entendimento que visa esse êxito, onde muitas vidas serão salvas.

Contrários aos que tentam repelir a prática física, os evangélicos “puros” misturam-se no mundo sagrado e profano da capoeira como uma “prova” da forma de evangelizar, tornando-se missionários de um mundo simbólico. Esses homens ou mulheres parecem entender que Deus “está” os guiando para este horizonte. Partindo dessa visão alguns aspectos inerentes da capoeira serão substituídos por algo próximo ao sagrado. Portanto, uma cultura secular seria uma “tábua de salvação” para esportistas dos novos tempos e a capoeira o principal chamado para a evangelização.

Esta tendência ganha força nas igrejas pela própria evolução do pensamento humano, tentando se modernizar quanto ao acesso das informações que os veículos de comunicação propiciam aos cristãos de agora. Observamos entre os evangélicos as suas inquietudes e o seu desejo pelo saber do mundo real. Passam então a questionar o discurso do pastor, confrontando-o com a realidade existente nas ruas e as exigências do mercado de trabalho. Para eles, não se preparar ou ficar alheios a evoluções científicas e tecnológicas, seria colocar seu futuro à margem.

O crente “desdemoniza” o que até então era pernicioso ao espírito do cristão e o sacraliza numa tentativa de salvar seus filhos e os demais irmãos das práticas demoníacas, passando o corpo a ser um eficaz instrumento de evangelização. A capoeira seduz os adultos, fascina aos jovens e as crianças por sua ludicidade e

120 força, talvez suas principais qualidades, dando um sentido e sensação de liberdade física e espiritual. Num contexto físico faz-se de tudo e diz-se de tudo que quiser, basta ter inteligência suficiente para codificar cada gesto e cada fala, numa linguagem entendida somente por quem a pratica.

Talvez esta simbiose da prática corporal com a religião, experimentada pelos novos convertidos, seja uma oportunidade de penetrarem em lugares até então intransponíveis pelos evangélicos. Os evangelistas estão cientes desta realidade que é a capoeira gospel, percebem o seu poder de atração, quando numa rua ou praça se forma uma roda, pois logo as pessoas se aproximam para observar. Nesse cenário o pregador sente -se estimulado, no tocar do berimbau, faz-se silêncio, as pessoas olham atentamente todo o ritual no enlace dos jogadores, e ao cessar a melodia dolente dos berimbaus, o pregador inicia uma prece, pronunciando, segundo eles, a palavra de Jesus.

Iniciado o processo de evangelização pela oração do pregador, os irmãos que compõem a formação da roda, juntamente com os jogadores, elevam suas mãos para o alto e dão glória a Jesus, e em vários momentos dizem “Amém, amém irmãos”. Logo que a roda começa a dispersar, o tocador de berimbau reinicia o toque e começa a cantar hinos evangélicos, onde o refrão é repetido por todos, para Cruvinel, este é um dos momentos mais propícios para a evangelização por meio da capoeira, em sua opinião quando se utiliza música é mais fácil chegar ao coração das pessoas, que por vezes até repetem os refrões de cada cântico. Como diz o Mestre Elton, o Mestre Suíno, “O berimbau chega aonde a bíblia não chega”, o mais importante é que leva a mensagem às vidas dos capoeiristas mundanos, que na visão do pertencente a capoeira gospel, precisa chegar a Deus, entender e aceitar Jesus no coração para ser salvo.

Ao que parece, a palavra e a liturgia proferidas em rodas de capoeira nas ruas são favorecidas pela distração que o jogo provoca em quem as assiste, elas parecem hipnotizadas enquanto assistem ao jogo. As mensagens são passadas pelos cânticos por meio dos versos dos mestres, como em outrora, tão eficientes em sua transmissão quanto no tempo dos povos que viveram nas senzalas do Brasil Colônia. Os “capoeiristas de Jesus” tentam reviver tal experiência numa clara tentativa de alcançarem e superarem os efeitos ou êxitos obtidos por homens e

121 mulheres sobreviventes, por assim dizer, desse comportamento social ocorrido no Brasil. Acredita-se serem muito mais devotados, já que além dos corpos, tentavam também separar as almas, aprisionando o pensamento pelo medo. O sentimento de medo, em relação ás crenças africanas, mesmo na atualidade, causa estranheza em muitos, independentemente de sua camada social, e basta ouvir o tambor para sua alma reportar-se ao presente, segregando-a numa assustadora e eterna prisão sensorial.