• Nenhum resultado encontrado

A gradual ascensão da ala governista: Michel Temer chega à presidência da Câmara

CAPÍTULO 4 – A ALA GOVERNISTA SE TORNA HEGEMÔNICA (1994-2002)

4.3 A gradual ascensão da ala governista: Michel Temer chega à presidência da Câmara

“Nossa ala do partido em São Paulo com o Quércia

sempre propugnava por candidatura própria. Essa, aliás, era a grande reclamação do Michel [Temer] contra o

Quércia.” Senador Airton Sandoval, em entrevista ao

autor.

Para além da derrota nas eleições presidenciais de 1994, Orestes Quércia e o próprio PMDB passaram também a perder força naquele que vinha sendo o seu principal reduto eleitoral desde a refundação do partido: o estado de São Paulo346. Como dito anteriormente, o ex-peemedebista Mário Covas (PSDB) é quem vence as eleições daquele ano para o cargo de governador de São Paulo, derrotando o candidato do PMDB Barros Munhoz e dando início à hegemonia dos tucanos. Apesar disso, outro peemedebista paulista, ligado à ala governista no interior do partido, passava pouco a pouco a ganhar maior expressão nacional durante o primeiro mandato de FHC. Tratava-se do então deputado e futuro presidente do partido Michel Temer.

Michel Miguel Elias Temer Lulia nasceu em 1940 na cidade de Tietê, interior de São Paulo. Formado em Direito pela mesma escola que havia formado Ulysses Guimarães, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, passou a atuar na sua profissão por meio de um escritório de advocacia na própria cidade de São Paulo. Em 1964, não apoiou nem resistiu ao golpe, ingressando pouco depois no quadro da

344

Folha de S. Paulo – 08/12/1995.

345

Acervo SEDAP/TSE – Ofício 091/96, de 02/05/1996.

182

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo enquanto professor de Direito Constitucional347. Enquanto lecionava começou a se aproximar de Franco Montoro, à época também professor da mesma universidade e quadro político do MDB. Pouco depois, no início dos anos 1980, começa a despontar em sua carreira política, filiando-se ao PMDB em 1981 (Doria, 2009: 17).

No ano seguinte à eleição de Montoro para governador de São Paulo em 1982 pelo PMDB, Temer é nomeado Procurador Geral do estado, e passa ao cargo de Secretário de Segurança em 1984. Valendo-se da ocupação de uma secretaria com grande estrutura e penetração territorial suficiente para capitalizar suas chances de vitória eleitoral (Bizzarro Neto, 2013: 108), em 1986 candidatou-se a deputado federal pela primeira vez, alcançando a suplência. Assumiu o mandato quando seu colega de partido Tidei de Lima licenciou-se para chefiar a Secretaria de Agricultura de São Paulo, em tempo para participar da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Em 1990, concorreu mais uma vez a uma vaga de deputado federal, mas mais uma vez conquistou apenas a suplência.

Em 1992 Temer retorna ao cargo de Secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, nomeado pelo então governador Fleury Filho após o massacre do Carandiru, no qual 111 detentos daquele estabelecimento prisional paulista foram assassinados pela Polícia Militar durante uma rebelião. Licenciou-se do seu cargo para se candidatar mais uma vez ao cargo de deputado federal em 1994, dessa vez obtendo votação suficiente para exercer o seu mandato a partir do ano seguinte.

Eleito deputado federal, em 1995 torna-se líder da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados, primeiro ano do mandato presidencial de FHC. No mesmo ano, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP, 1995) aponta o político pela primeira vez como sendo um integrante da elite parlamentar do Congresso,

conhecidos como os “Cabeças do Congresso”, grupo formado pelos 100 congressistas

mais influentes do Poder Legislativo. Temer é caracterizado pela publicação como um

político “formulador”, “formador de opinião” e “hábil negociador”, e seguiu sendo

apontado como membro dessa elite ininterruptamente até o ano de 2011348, quando

deixa a Câmara para assumir o posto de vice-presidente da República na presidência de Dilma Rousseff.

Ainda no ano de 1995, Temer estabeleceu um acordo com o PFL, que detinha a segunda maior bancada da Câmara, para que houvesse rotatividade entre os dois partidos na presidência daquela Casa e assim um equilíbrio de poder entre os três principais partidos governistas. Segundo esse acordo, enquanto o PSDB estivesse à frente do Poder Executivo, um deputado do PFL presidiria a Câmara no primeiro biênio do governo, de 1995 a 1997, posto que coube a Luís Eduardo Magalhães, e um peemedebista presidiria a Casa no segundo biênio, a partir de 1997, posto que coube ao

347

Revista Piauí – Edição 45/Junho 2010: “A cara do PMDB”.

348

Para uma relação da lista completa dos “Cabeças do Congresso” elaborada pelo DIAP consultar http://www.diap.org.br/images/stories/historico_cabecas.pdf, acessado em 06/11/2018.

183

próprio Temer (Maciel, 2014: 74). Enquanto isso, no Senado Federal, o mesmo rodízio seria feito, com o peemedebista e ex-presidente da República José Sarney assumindo a presidência da Casa no primeiro biênio, e um pefelista assumindo no segundo, posto que coube a Antonio Carlos Magalhães349.

Como resultado desse processo, se por um lado as disputas entre os peemedebistas para as presidências da Câmara e do Senado Federal acirravam o conflito interno do PMDB entre os governistas e os oposicionistas, por outro o grupo oposicionista começava a perder cada vez mais espaço nos loci de poder disponíveis ao PMDB (Maciel, 2014: 76). A gradual ascensão dos governistas nesse período, porém, foi encarada por alguns políticos como algo negativo para o partido como um todo. Para o deputado Heráclito Fortes (PI), filiado ao partido até 1994 e integrante da CEN nos

anos 1980, durante aquele período “a parte fisiológica e pragmática (do partido) passava

a predominar. A parte que já pensava no governo, e servia ao governo que entrava”.

Ao assumir a presidência da Câmara dos Deputados, a partir de 1997, Michel Temer passava a ser assim um dos principais interlocutores do governo FHC dentro do Congresso Nacional, adquirindo cada vez maior proeminência dentro do segmento governista do seu partido. Seu perfil de atuação dentro da Câmara era visto pelos seus

colegas de bancada como o de um político “conciliador350” e extremamente habilidoso. Nas palavras do senador Roberto Requião (PR), entrevistado para este estudo:

“Por exemplo, o Temer, conheço ele há muitos anos. Ele

era um político extremamente habilidoso para lidar com a Câmara Federal. Ele negociava com todo mundo. O Roger Gerard Schwartzenberg, no livro ‘O Estado Espetáculo’, chama esse tipo de político de ‘rolha de cortiça’, porque não afunda nunca! Ele está sempre

flutuando. Extremamente flexível.”

Essa atuação na Câmara já havia dado destaque ao político pouco antes da sua chegada à presidência daquela Casa, e estava também ligada diretamente a sua atuação próxima ao governo federal enquanto relator da Reforma da Previdência de 1996 mas sobretudo por conta de sua atuação no ano de 1997. Ainda em janeiro daquele ano a Câmara havia aprovado em primeira votação a proposta de emenda à Constituição conhecida como “emenda da reeleição”, dispositivo que permitiria a partir de então que

os ocupantes de cargos do Poder Executivo (prefeitos, governadores de estado e presidentes da República) disputassem o segundo mandato de maneira consecutiva351. A

349

Folha de S. Paulo - 19/12/2002. Para uma lista completa dos políticos que exerceram a presidência tanto da Câmara quanto do Senado durante o mandato de FHC, ver

https://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2013/02/01/oposicao-nunca-ganhou-presidencia-do-senado/.

350 Deputado Mauro Lopes, em entrevista concedida ao autor.

351

A emenda seria aprovada pelo Senado em junho do mesmo ano, tornando-se a Emenda Constitucional n° 16, de 4 de junho de 1997 -

184

atuação de Temer ainda enquanto líder da bancada do seu partido, trazendo os votos necessários para a sua aprovação e indo na contramão de uma moção que havia sido proposta pelo PMDB (Maciel, 2014: 77)352, levou a uma atuação ostensiva do governo em prol da sua eleição para o cargo de presidente daquela Casa no mês seguinte. Tal atuação foi vista pela imprensa como uma forma de compensação ao líder do PMDB por sua atuação em favor da aprovação da “emenda da reeleição”353.

Poucos meses depois de sua eleição, em maio de 1997, a aprovação da emenda foi colocada sob suspeição de compra de votos. O PMDB, de sua parte, atuou no sentido de barrar a instalação de uma CPI que investigasse o assunto e, poucos dias após a denúncia, possivelmente cedendo a pressões do partido que foram relatadas posteriormente por FHC em seus diários (Cardoso, 2016), o presidente nomeou como ministros os peemedebistas governistas Eliseu Padilha para a pasta de Transportes, e Íris Resende para a pasta da Justiça354. A emenda seria aprovada pelo Senado em junho355, contando com posição contrária dos senadores peemedebistas oposicionistas Roberto Requião e Pedro Simon (que se absteve), e permitindo a FHC, caso assim desejasse, que concorresse a um segundo mandato à frente do Palácio do Planalto.

Além da ascensão dentro do governo e do Congresso Nacional, a ala governista buscava deter também o controle completo dos órgãos de direção do partido. A estratégia teria sucesso apenas em 2001, mas no ano de 1998, assim como havia ocorrido em 1995, essa ala já ensaiara esse movimento na disputa pelos órgãos de direção do PMDB na Convenção Nacional do partido, realizada em 15 de setembro daquele ano. Na ocasião, os membros da sigla elegeram o seu Diretório Nacional, que por sua vez definiria os integrantes da Comissão Executiva Nacional. A disputa pelo controle da CEN mais uma vez se deu por meio de uma chapa única, definida em negociações prévias. Assim, eleita pela unanimidade dos 108 votantes possíveis356, o PMDB definiu os novos integrantes da sua CEN.

Dessa vez, diferentemente do que havia ocorrido em 1995, a composição do órgão como um todo fazia com que o grupo governista passasse a dominar quase com exclusividade a nova executiva peemedebista357, tendo como principais articuladores nesse sentido os deputados Michel Temer (SP) e Geddel Vieira Lima (BA) e o Ministro dos Transportes Eliseu Padilha (Ferreira, 2002: 159)358. Além disso, pela primeira vez em sua história até então, o PMDB teria como seu novo presidente um integrante da ala

352

Folha de S. Paulo – 13/01/1997.

353

Folha de S. Paulo – 05/02/1997.

354Folha de S. Paulo – 19/12/2002. Para uma cronologia da aprovação da “emenda da reeleição”, assim como das denúncias envolvendo o caso, ver

https://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2014/06/16/conheca-a-historia-da-compra-de-votos-a-favor-da-emenda-da-reeleicao/.

355

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/1997/06/04/reeleicao-tem-aprovacao-final-62-votos-a-favor-e-14-contra.

356 Ata de reunião da Comissão Executiva Nacional do PMDB – 15/09/1998.

357

Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, CPDOC/FGV, verbete “Jader Barbalho”.

185

governista. Tratava-se do senador Jader Barbalho, ex-deputado federal, ex-governador do Pará em duas ocasiões, ex-ministro do governo de José Sarney e na ocasião Senador pelo seu estado. A estratégia de fazer com que o grupo governista detivesse o controle dos rumos do partido também fazia parte de um plano específico de Jader Barbalho, de postular-se para se tornar integrante da chapa presidencial que fosse apresentada pelo PSDB em 2002359. Sua presidência à frente do partido, porém, não durou até o final do mandato para o qual havia sido eleito. Em 15 de maio de 2001, envolto em escândalos de corrupção que também o levariam a renunciar à presidência do Senado e ao seu próprio mandato360, o Senador renunciou ao cargo361, levando à posse do seu vice, o ex-arenista Maguito Vilela, pouco antes do momento no qual os governistas passaram a deter o controle completo dos órgãos de direção da sigla.