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O PMDB e a política perdem Ulysses Guimarães (1992)

“O PMDB se divide, eu acho, entre antes e depois do Doutor Ulysses.” Jornalista Sônia Carneiro, em entrevista ao autor.

Antes de passarmos a uma análise da candidatura direta do PMDB à presidência da República em 1994, assim como da relação do partido com o breve governo Itamar,

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A metáfora da expressão “vitória de Pirro” se refere a uma conquista que foi obtida por um alto preço, na qual os prejuízos de uma vitória muitas vezes superam os benefícios.

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cabe aqui tratarmos de um acontecimento marcante para a história do partido, que altera a dinâmica de disputas internas da sigla a partir de então. Trata-se do desaparecimento daquela que talvez tenha sido a principal liderança da história do PMDB, apontado por muitos entrevistados como o ponto de equilíbrio entre as diferentes alas do partido: Ulysses Guimarães.

Na tarde de 12 de outubro de 1992 Ulysses viajava de helicóptero de Angra dos Reis (RJ) a São Paulo acompanhado de sua esposa Mora, do ex-senador Severo Gomes e sua esposa Maria Henriqueta, e do piloto da aeronave Jorge Comemorato. Porém, poucos minutos depois da decolagem, o helicóptero desapareceu. Após ter enfrentado uma forte tempestade, a aeronave com todos os seus ocupantes caiu no litoral fluminense, levando todos a óbito. Nos dias que se seguiram, as buscas encontraram os corpos de quase todos os seus integrantes, exceto Ulysses Guimarães, que nunca foi encontrado. A política brasileira perdia assim um de seus principais personagens do processo de transição democrática, e o PMDB uma de suas principais lideranças históricas.

Nascido em 1916 na cidade de Rio Claro, interior paulista, Ulysses era formado em Direito pela Universidade de São Paulo. Na década de 1940 começou a ganhar maior projeção como vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e diretor do Santos Futebol Clube. Na mesma década iniciou sua trajetória na política, que o levaria a ser eleito por 12 vezes consecutivas para mandatos legislativos: uma vez enquanto deputado estadual e as onze vezes seguintes como deputado federal por São Paulo. A primeira vez que foi eleito para a Câmara dos Deputados foi em 1950 pelo PSD, partido ao qual esteve filiado até o início da instauração do bipartidarismo durante o Regime Militar. Antes disso ocupou ainda o cargo de Ministro da Indústria e Comércio durante o breve período parlamentarista em que Tancredo Neves ocupou o cargo de Primeiro Ministro, entre os anos de 1961 e 1962.

Após o golpe de 1º de abril de 1964 e a edição do Ato Institucional nº1 (AI-1), Ulysses e uma ala de pessedistas votam a favor da eleição indireta para Presidente da República do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco e do vice José Maria Alkmin. Pouco depois, setores do seu partido passam a entrar em atrito com o Regime Militar, e após a edição do Ato Institucional nº2 (AI-2) e do Ato Complementar nº4 (AC-4), que colocaram fim aos partidos então existentes, Ulysses passa a articular a oposição institucional ao regime, organizada em torno do MDB. Em 1971 assume a presidência do partido, função que exerceria até a sua extinção em 1979, com um crescente protagonismo na oposição à ditadura. Durante o ano de 1973 coloca-se como anti-candidato à presidência da República, percorrendo o Brasil para denunciar o Regime Militar até a eleição indireta do Colégio Eleitoral de 1974.

Em 1979, com a extinção do bipartidarismo, fez parte da ala que se transferiu do MDB para o PMDB, passando a exercer o cargo de presidente do partido até a eleição de Quércia para o posto em 1991. Durante esse período seguiu sendo um protagonista na luta pela transição e pela consolidação democrática, ganhando os apelidos de

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“Senhor Democracia” e “Senhor Diretas”, pela sua atuação à frente da campanha pelas “Diretas Já” em 1983 e 1984, e “Tripresidente”, por exercer ao mesmo tempo os cargos

de Presidente do PMDB, da Câmara dos Deputados (posto que ocupara por três vezes), e da Assembleia Nacional Constituinte.

A atuação de Ulysses como figura de destaque durante tantos momentos marcantes da política nacional lhe rendeu a admiração não apenas de boa parte de seus colegas peemedebistas mas também de seus adversários. Essa admiração por ele foi expressa de maneira unânime pelos entrevistados para este estudo, que se referiram a ele da seguinte maneira:

“O Ulysses era o denominador comum dentro de todas as

correntes do PMDB. Todo mundo confiava no comando

dele.” Deputado Marcelo Castro (PI).

“(...) com o Ulysses era diferente, o Ulysses era um Deus

do partido, todo-poderoso do partido.” Ex-Senador Pedro Simon (RS).

“(...) era questão de status, e acima de tudo charme, você chegar ao seu estado e ser comandado pelo Ulysses Guimarães! O homem era charmoso... [risos] Eu gozei

desse privilégio, tinha uma amizade com ele, pessoal.”

Deputado Heráclito Fortes (PI).

“Doutor Ulysses vinha da história do velho PSD, de

ouvir, de escutar, mas de só levar as coisas para um colegiado quando elas estivessem decididas no bastidor; ele tinha a capacidade de costurar com muita paciência, com muita competência, com muita capacidade. Eu costumo dizer que Dr. Ulysses nunca colocou na Assembleia Nacional Constituinte uma matéria em votação cujo resultado ele já não conhecesse previamente. Não é que ele fraudasse, é que ele sabia mapear bem o prognóstico do placar e tinha muito controle sobre isso.

Fazia isso com multa competência, com muita mestria.”

Senador Cássio Cunha Lima (PB).

“O Dr. Ulysses tinha uma visão que o partido, para ser

grande, precisava ter vida orgânica em todos os estados e, se possível, em todos os municípios. Ele frequentemente ia aos estados com a desculpa de ver o PMDB; sempre que você convidava o Ulysses, ele ia. Aquela foto ali foi ele e o Tancredo! E estava eu ali, foi no começo das Diretas ou do Tancredo... e tem muitas fotos do Ulysses no palanque, em eleição de prefeito, ele ia... Ele mantinha viva, acesa a chama do PMDB. E essa ação local lá no Acre! No Acre, naquele fim de mundo você recebia o presidente do maior partido, o prestígio do Ulysses Guimarães, aquilo era uma

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alegria. Ia se enraizando, e isso que fez o PMDB existir e

ser até agora o que é.” Deputado Flaviano Melo (AC). Da sua parte, Ulysses encarava o PMDB como parte central da sua vida. Cabe reproduzir aqui, na íntegra, suas últimas palavras à frente da presidência do partido, em seu discurso de despedida por conta da posse de Orestes Quércia, em março de 1991. Após declarar seu amor ao partido, seguiu dizendo:

“Este discurso eu escrevi com o coração e o leio com os

olhos úmidos.

Na política, mais difícil do que subir é descer. É descer não carregando o fardo podre e fétido da vergonha. Descer não desmoralizado pela covardia. Não descer com as mãos esvaziadas pela preguiça e pela impostura. Não descer esverdeado pelas cólicas de inveja dos que nos emulam, nos sucedem ou nos superam. Não descer com a alma apodrecida pelo carcinoma do ressentimento.

Vou livre como o vento, transparente e cantando como a fonte.

Desço.

Vou para a planície, mas não vou para casa. Vou morrer fardado, não de pijama.

Política se faz na rua ou com a rua.

Vou para a rua porque o governo desgoverna a rua.

Para o povo, o PMDB escorraçou o autoritarismo castrense.

O PMDB, com o povo, removerá do Estado um século de carência republicana.

Meu filho PMDB!

Vá em frente. Caminhe rumo ao sol, que é luz, não rumo à lua, que é noite.

Que Deus te abençoe e a pátria ateste: cumpriste o teu

dever!”298

Após sua derrota nas eleições presidenciais de 1989, o último grande ato de Ulysses Guimarães na política nacional antes do seu desaparecimento foi a sua

participação na condução do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello,

seu adversário político naquela ocasião299. Após denúncias de corrupção em relação a Collor serem veiculadas na imprensa300, o Congresso instaurou uma CPI para apurar o caso. Inicialmente reticente em relação à proposta por temer pela saúde da jovem democracia brasileira301, com as evidências dos fatos e a crescente adesão popular à

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Câmara dos Deputados, 2016: 461-462.

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Sobre o processo de impeachment de Collor ver Salllum Jr e Casarões (2011).

300Revista Veja - 27/05/1992.

301

Acervo do jornal O Globo - https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/ulysses-senhor-diretas-seis-decadas-de-protagonismo-na-politica-brasileira-20236265#ixzz5UPDicJgw, acessado em 19/10/2018.

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causa, Ulysses passou a ser um defensor do impedimento do presidente. Durante a tramitação do processo na Câmara, o político pressionou para que o STF definisse que a votação do processo de Collor fosse feita de maneira aberta, aumentando as chances de afastamento do presidente302. O STF por fim decidiu pela votação em aberto, e no dia 29 de setembro de 1992, por esmagadora maioria, com 441 votos a favor e 38 contra, Fernando Collor foi declarado impedido de continuar no cargo de Presidente da República. O presidente seria então substituído interinamente no cargo pelo vice Itamar Franco a partir do dia 2 de outubro de 1992, poucos dias antes do desaparecimento de Ulysses.

Após o seu desaparecimento, o PMDB além de perder uma de suas principais lideranças históricas (se não a principal), perdia também uma figura considerada insubstituível para o partido303, o grande referencial “que dava os rumos da sigla”304. Em homenagem a sua figura, o partido passa a intitular sua fundação acadêmica segundo o nome do grande político a partir da posse de Renan Calheiros na presidência da instituição, em setembro de 1999, em substituição ao nome de Pedroso Horta. A fundação passa a se chamar, assim, Fundação Ulysses Guimarães305.

Com a saída de cena de Ulysses evidencia-se uma nova divisão interna no partido, e inicia-se a partir de então uma disputa pelo controle nacional da sigla. Como será mostrado nas próximas seções, a disputa se daria em torno de vários nomes que buscavam hegemonia dentro do PMDB. Entretanto, como apontou o deputado estadual paulista Tonico Ramos, seriam dois políticos do seu estado, que conviviam com ele diretamente, que passariam a se destacar. De um lado Orestes Quércia, que já vinha ascendendo dentro do partido e havia chegado ao cargo de presidente da sigla pouco antes da morte de Ulysses. De outro, Michel Temer, que se tornaria presidente da Câmara dos Deputados no final dos anos 1990.