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CAPÍTULO 1 - DA REFUNDAÇÃO NA OPOSIÇÃO À CHEGADA AO PODER (1979-1985)

1.5. Surge um novo PMDB: o “PPMDB”

“O grupo mais agressivo, mais oposicionista, denominado

de autênticos, já era minoritário e com a adesão desse grupo (proveniente do PP) se tornou mais ainda minoritário. O grupo aumentou a ala conservadora do partido. O Dr. Tancredo era um grande líder, hábil,

inteligente, mas extremamente conservador.” Deputado

Jarbas Vasconcelos, em entrevista ao autor.

Se por um lado a incorporação do Partido Popular aumentou a bancada do PMDB no Congresso Nacional e trouxe para o partido fragmentos de uma importante rede organizacional a nível municipal (Soares, 1984: 111) que, de acordo com reportagens do jornal Folha de S. Paulo107 e declarações de seus partidários, fez com que o PMDB passasse dos 2064 diretórios anteriores à incorporação para mais de 3 mil diretórios municipais permanentes (sem caráter provisório), o partido também viu acrescida à sua composição interna uma pequena ala conservadora (Power, 1997: 77). O

ingresso dessa nova ala, que era vista com suspeita pelo campo “autêntico” do

PMDB108, era o resultado dos acordos previstos no processo de incorporação. Os

acordos previam que a composição do Diretório Nacional do PMDB passaria a partir de então a ser proporcional à força representativa que cada partido tinha em nível federal. Um acordo análogo foi aplicado aos Diretórios Regionais, formados de acordo com suas representações dentro de cada Assembleia Legislativa Estadual.

Nesse sentido, os dados a respeito da filiação partidária prévia dos membros dos dois principais órgãos de direção do partido, a saber o DN e a sua CEN, revelam qual o tamanho do impacto acarretado por essas mudanças.

Em seu novo Diretório Nacional, eleito após a Convenção Nacional Conjunta que homologou a incorporação e que consta no Pedido de Registro Definitivo do

106 Não está entre os objetivos desta pesquisa fazer uma análise pormenorizada das razões que levaram os partidos a aceitar a incorporação. Ela é um fato histórico consumado. Cabe apenas apontar que os poucos estudos que citam o processo de incorporação julgam que ele se deu em decorrência das dificuldades colocadas pelo governo para a participação do PP nas eleições de 1982 (Kinzo, 1988: 212; 1989: 9; 1993: 39; Melhem, 1998: 262; Ferreira, 2001: 156; Delgado, 2006: 210; Ferreira, 2006: 193; Correa, 2011: 112), uma visão que pode ser relativizada por conta de algumas evidências empíricas, como a rede organizacional que o partido já havia construído em alguns estados e a liderança nas pesquisas de alguns de seus candidatos a governador de estado.

107

18/04/1982, p.6 e 06/05/1982, p. 6.

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PMDB109, os pepistas tiveram direito a um terço de sua composição total. Como dito anteriormente, de um total de 69 membros seriam 23 postos ocupados por políticos advindos de um partido centrista (à direita do PMDB). Desses 23 ex-pepistas, pelo menos 10 deles (23%) tiveram alguma vinculação com a ARENA durante o Regime Militar110. Ou seja, como mostra a tabela a seguir, a partir daquele momento o PMDB passaria a ter menos membros ex-emedebistas em seu Diretório Nacional e passaria a ter 16 ex-arenistas, que engrossaram as fileiras do seu campo moderado e que passaram a disputar o perfil ideológico do partido com suas outras alas, sobretudo a que se

identificava como “Tendência Popular”. É interessante notar que, ironicamente, a partir

daquele momento os herdeiros do MDB, partido que tanto havia lutado contra o Pacote de Abril em 1977, agora viam o PMDB ter em seu Diretório Nacional alguns dos senadores biônicos nomeados justamente por meio daquele Pacote (Mucinhato, 2015: 104). T a b e l a 1 0 . C o m p a r a ç ã o e n t r e a f i l i a ç ã o p a r t i d á r i a p r é v i a d o s c o m p o n e n t e s d o D i r e t ó r i o N a c i o n a l d o P M D B e l e i t o s n a p r i m e i r a C o n v e n ç ã o N a c i o n a l e a p ó s a C o n v e n ç ã o q u e a c e i t o u a i n c o r p o r a ç ã o d o P P Origem partidária 1980 1982 N % do total N % do total MDB 61 88,4% 53 76,8% ARENA 8 11,6% 16 23,2% Diretório Nacional 69 100% 69 100% Fontes: Mucinhato (2015: 104-105)

Por sua vez, a CEN, eleita por meio do DN, também apresentou mudanças. Com o ingresso de quatro ex-pepistas, que seguiam a liderança de Tancredo Neves, o campo moderado do PMDB passa a ter um reforço nesse que é o principal órgão de direção do partido, disputando os rumos da sigla com as alas que haviam permanecido no interior do PMDB na transição para o pluripartidarismo. Em entrevista a Melhem e Russo (2004: 404), Maria da Conceição Tavares, importante quadro intelectual do PMDB, confirmou essa nova partilha de poder:

“[O comando da Executiva] mudou depois que o PMDB incorporou o PP, depois que chegou o Tancredo. O grupo do Ulysses era o chamado ‘Travessia’, ao qual pertencíamos, que se situava mais à esquerda, e o do Tancredo era o grupo que veio do PP, que não me lembro mais como se chamava. Todos fomos convocados para a

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Ver Anexo 7.

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incorporação, porque havia resistências, gente que não queria. (...) Depois da fusão a Executiva do PMDB passou a ter sete membros do Grupo Travessia e sete que o Dr.

Tancredo indicara.”

Com essa nova composição o cargo de 1º Vice-Presidente, que anteriormente era exercido por Teotônio Villela (AL), passa a ser ocupado por Tancredo Neves (MG), principal articulador do Partido Popular, após intermediação de Mauro Benevides (CE), Tesoureiro do partido111. Passavam a conviver mais uma vez sob a mesma sigla e em seu principal órgão de direção Miguel Arraes e Tancredo, que havia declarado anos

antes, quando Arraes retornara do exílio, que “o MDB do senhor Miguel Arraes não é o meu, e nem o meu MDB é o MDB do senhor Miguel Arraes”112. Miro Teixeira (RJ), outro ex-pepista, assumiria a 1ª Secretaria do partido, substituindo Paulo Rattes (RJ). Entre os vogais seriam três os novos membros ex-arenistas: Teotônio Vilela (que havia deixado a vice-presidência do partido), o Senador Mendes Canale (MS) e o ex-governador do Rio Grande do Norte Aloisio Alves, que ocupariam o lugar do autêntico Fernando Cunha (GO) e de outros três ex-emedebistas. Por outro lado, o cargo de Secretário-Geral do partido permanece nas mãos do campo autêntico, com a saída de Pedro Simon (RS) e a entrada de Francisco Pinto (BA)113.

O impacto da incorporação também foi notado pelos políticos e intelectuais que acompanharam esse processo à época, dadas as diferenças no perfil dos políticos que passaram a fazer parte do partido a partir de então em relação à imagem que o PMDB buscava construir desde sua refundação. Para João Carlos Brum Torres, quadro teórico

do PMDB gaúcho, a chegada desses políticos “promoveu uma ampliação do espectro

ideológico dentro do partido”114, o que, na visão Renato Archer, outro de seus

fundadores, descaracterizava um partido “exclusivamente composto por pessoas que

combateram a ditadura”115. Em relação a esse aspecto, o deputado Heráclito Fortes (PI), que testemunhou a incorporação, comentou sobre o novo perfil que o PMDB assumiu a partir de então:

“Havia tensões, inclusive setores do governo ameaçando

os que queriam ir para a fusão. Alguns que capitularam, outros que resistiram. (...) O Brasil nunca foi chegado ao radicalismo e nada mais entraria como uma luva tão

111

Entrevista de Mauro Benevides ao autor.

112

“100 anos Miguel Arraes”, Jornal O Globo, 18/12/2016, disponível online em

https://oglobo.globo.com/brasil/100-anos-miguel-arraes-eu-vi-pela-primeira-vez-na-vida-um-politico-chorar-20666804.

113

Segundo Leonelli e Oliveira (2004: 127) Francisco Pinto se torna Secretário-Geral por uma articulação de Teotônio Villela, que fora retirado da condição de vice-presidente para dar lugar a Tancredo Neves. A escolha foi vista com apreensão por parte do governo, que acreditava que o PMDB optara por uma linha mais “radicalizante” na sua nova composição (Folha de S. Paulo - 18/02/1982, p. 1), mas a análise da composição da Executiva como um todo evidencia justamente o contrário. Sobre a nova composição da CEN a partir de então, ver o Anexo 3.

114

João Carlos Brum Torres, em entrevista ao autor.

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perfeita quanto o PP do Tancredo, do Magalhães e com o reencontro com o PMDB. Aí o PMDB começou a ser um

partido mais moderado.” Heráclito Fortes, em entrevista ao autor.

As mudanças ocasionadas por esse processo, do ponto de vista dos políticos que faziam parte do campo dos chamados “autênticos”, foram ainda maiores. As palavras de Jarbas Vasconcelos (PE), integrante desse grupo e que à época era membro do Diretório Nacional do partido, mostram qual o teor da incorporação para essa ala:

“O grupo mais agressivo, mais oposicionista, denominado

de ‘autênticos’, já era minoritário e com a adesão desse grupo se tornou mais ainda minoritário. O grupo aumentou a ala conservadora do partido. (...) A gente era minoria, mas era uma minoria que opinava. Éramos ouvidos, respeitados; e essa adesão foi inconveniente, foi ruim pra gente. Foi um episódio que marcou a nossa vida, porque, se era minoria, se tornou menor ainda, em termos numéricos. A gente já tinha uma posição de dificuldade, e encontrou mais dificuldade ainda com o ingresso do

grupo do Dr. Tancredo.”116

Ademais, como apontou em entrevista o Senador Cássio Cunha Lima (PB)117, os acordos feitos para acomodar as elites locais e definir a composição dos órgãos de direção regional do partido podem também ter contribuído para dar início a um processo de desfiguração regional do partido, levando-o a ser caracterizado por políticos e pela literatura como uma “confederação regional”. Se nos estados em que um dos dois

partidos não existia não houve qualquer entrave à incorporação (como foram o caso de Goiás, Alagoas e Rondônia, onde o PP ainda não havia se organizado), a depender do tamanho que PMDB e PP apresentavam nos demais estados o processo de incorporação gerou resultados bastante distintos. Apenas a título de exemplo, enquanto em São Paulo o PP era praticamente inexistente e não chegou efetivamente a mudar o perfil do PMDB paulista, nos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro o PP era maior que o PMDB, e a consequência foi que na prática houve uma incorporação do PMDB por parte do PP118.

Como visto, a incorporação do Partido Popular em 1982, fato histórico muitas vezes tratado como minoritário ou até mesmo esquecido por parte da literatura que se

116

Entrevista ao autor.

117 Entrevista ao autor.

118

Na seção regional do Rio Grande do Norte do PMDB parece ter ocorrido um processo que se assemelha aos casos mineiro e fluminense, com o PP “incorporando” o PMDB, mas que necessita de maiores investigações. Sobre a incorporação especificamente no Estado de São Paulo, ver Capistrano Filho e Citadini (1982). Para uma análise específica da história política mineira no período de transição, ver The traditional political elite and the transition do democracy, em Hagopian (1996, capítulo 7). Sobre o processo de incorporação nos estados citados ver Mucinhato (2015).

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debruçou sobre o PMDB, representou um primeiro turning point na história do partido. Exceção feita à Benevides (1986), que compreendeu aquele evento como o início de um

processo de “deformação mórbida” do PMDB, não se tratou apenas de uma “reincorporação” como apontaram alguns autores (Fleischer, 1988a: 79; Marques e Fleischer, 1998: 16). Considerando-se a ressalva de que o PMDB não havia sido um sucedâneo direto do MDB, a ideia de reincorporação se restringia apenas aos políticos que tiveram passagem pelo MDB e que agora ingressavam no PMDB. Ocorria naquela ocasião a primeira transformação na correlação de forças interna dos órgãos de direção do partido desde sua refundação em 1979, que teria consequências diretas nas estratégias adotadas pelo partido nos anos seguintes. Pois, enquanto até o final de 1981 o partido apresentava uma composição interna mais homogênea e de centro-esquerda, devido à saída de moderados e adesistas que passaram ao PP e ao PDS, a partir da

incorporação cresceu o setor “moderado” no PMDB, com suas fileiras engrossadas por mais políticos ex-arenistas (Mucinhato, 2015: 103). Como consequência, as alas mais combativas no seu interior passaram a ter menor influência nos rumos tomados pelo partido a partir de então, com a sua nova coalizão dominante cumprindo um papel fundamental para a eleição de Tancredo Neves para o cargo de Presidente da República em 1985. Antes de analisarmos este aspecto, o que será feito na seção 1.7, cabe aqui apresentarmos um panorama geral do desempenho do PMDB em seu primeiro teste nas urnas, nas eleições de 1982.

1.6. O primeiro teste nas urnas: panorama geral do PMDB nas eleições de 1982