• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 A EXPRESSÃO POLÍTICA E POÉTICA DOS GRAFITES

4.1 Grafites políticos na América Latina

A balbúrdia de letras e palavras, na maioria das vezes, ilegíveis para nós, que invade não somente as cidades brasileiras, mas as metrópoles do mundo, é a fala dos que ficaram fora da partilha, dos que foram jogados para as bordas pela grande onda da globalização do final do século XX.

Maria Angélica Melendi Para o pesquisador Emílio Petersen (INTERNET), a aparição dos grafites textuais em terras americanas, como prática contestatória e de expressão anônima nasce no continente junto ao início da colonização européia. E sintomaticamente já nascem proibidos. Ele relata

a primeira batalha grafiteira em idioma espanhol ocorrida nas paredes do palácio que habitava Hernán Cortés em Coyoacán” [...] eram grafites reivindicatórios feitos por oficiais espanhóis inconformados com a partilha do espólio de guerra. (PETERSEN, in www.elportaldemexico.com/artesplasticas)

O desenvolvimento que se deu com a urbanização, no início do século XX, estabeleceu nas grandes cidades uma nova configuração de seus espaços públicos. As cidades cresciam em todo o continente americano e, em decorrência, o modernismo cosmopolita alastrava-se sob a influência dos imigrantes que vinham de vários continentes e com eles as idéias políticas, anarquistas, comunistas e socialistas.

Além da imigração e do crescente processo de emancipação da vida metropolitana, outros fatores também contribuíram para a intensificação dos grafites em suas variadas formas, nas grandes cidades da América Latina. A pintura de murais em espaços públicos tornara-se uma tradição nas zonas suburbanas e bairros industriais. Uma prática herdada da tradição muralesca

mexicana, um forte apelo político e social que irá impulsionar o aparecimento de diversas formas de se projetar arte nos espaços públicos.

O muralismo desenvolve-se na intenção de ligar a arte às questões políticas, no México, na época de sua Revolução, em 1910 unindo a monumentalidade arquitetônica Asteca, o grafismo indígena, e uma pintura projetada para além de seus limites, fora das telas, nas paredes. Foram os recursos explorados por Diego Rivera, José Clemente Orozco e Davi Alfaro Siqueiros, muralistas que se tornaram expoentes desse movimento. Cumpre lembrar que a pratica da pintura mural já era recorrente nas paredes das construções arquitetônicas pré-colombianas.

Os muralistas acreditavam que só mesmo o mural poderia redimir artisticamente um povo que esquecera a grandeza de sua civilização pré- colombiana durante tantos séculos de opressão estrangeira e de espoliação por parte das oligarquias nacionais, culturalmente voltadas para a metrópole espanhola. Portando, produzir obras em locais públicos, para que todos as pudessem ver, era uma forma de impedir que estas acabassem em propriedade de algum abastado colecionador. (CASTELANI, in www.klepsidra.net)

A partir dos anos 30, artistas muralistas eram solicitados a decorar prédios e repartições, nos Estados Unidos e na Inglaterra. E pode-se dizer que esse estilo irá contribuir para reafirmar a identidade cultural dos mexicanos e de outras minorias naqueles países, e em outras partes do mundo. Os muralistas criam uma das mais importantes formas de arte de sentido popular e político, do século XX, e que irá se expandir e criar ramificações em diversos países principalmente na América Latina.

Segundo PETERSEN (INTERNET), em 1933,o muralista Siqueiros, por sua passagem em Buenos Aires aquece o ambiente político e intelectual da cidade com suas concepções estéticas vanguardistas e idéias revolucionárias.

Entre várias atividades exercidas pelo artista destaca-se a realização de “interessantes experimentos de uma arte gráfica funcional revolucionária”. PETERSEN, (INTERNET). A militância revolucionária de Siqueiros demandava uma preocupação continua em adaptar os conhecimentos técnicos à prática política concreta, o que propicia o aparecimento de uma técnica até então desconhecida - o stencil. E também a introdução do uso de uma pistola aerográfica como instrumento apropriado para cobrir grandes superfícies, que mais tarde será bastante utilizada pelos grafiteiros.

Nas décadas posteriores, começam a se intensificar imagens pintadas por grupos políticos de esquerda em algumas metrópoles latino- americanas. No final dos anos 60, aparecem imagens realizadas com moldes de papel cartolina, recortados com o rosto de “Che” Guevara, pouco depois de sua morte na Bolívia. Tiradas a partir de uma fotografia feita durante um ato político em Cuba e copiada em alto contraste, esta imagem se converte num símbolo de luta na América Latina reconhecido e difundido por todo o mundo. (Fig. 51)

Também era possível encontrar, nos subúrbios de Buenos Aires tipos singulares de stencil com a imagem de Perón, muitas vezes utilizada como símbolo de resistência, uma vez que durante todo o período da chamada “revolução libertadora” tornara-se proibido mencionar o nome do General na Argentina. Esses grafites eram denominados com desprezo pelos antiperonistas como “iconografias do tirano”.

Diferente do Brasil, onde os grafites políticos restringiam-se a frases escritas nos muros, na Argentina a prática do stencil foi bastante difundida, nos anos 70. Foram freqüentemente utilizados para imprimir sobre cartazes de

pano, símbolos ligados as organizações guerrilheiras, e, nos anos 80, serviram para compor as emblemáticas silhuetas em tamanho natural “siluetazo” colocadas sob palmeiras, nas colunas e paredes na catedral da Praça de Maio como protesto de “las madres” pelo desaparecimento dos filhos, durante o regime ditatorial.

Durante muitos anos as representações gráficas de profundo simbolismo, acompanharam as manifestações políticas em períodos de crise nos países latino-americanos.

A história pessoal dos que vivemos sob os regimes ditatoriais na América Latina, obriga-nos a concordar com essa prática, que supõe a única tomada possível da cidade ocupada; uma cidade percebida como território nosso nas mãos do inimigo. Talvez, a crença utópica na possibilidade das palavras para produzir mudanças, a idéia romântica de empunhar as palavras como fuzis, sustente ainda essa prática em muitos lugares do mundo. (MELENDI, 2003)

Para PETERSEN (INTERNET), na Argentina, a presença da vertente iconográfica e política, do stencil, funde-se com outras categorias de natureza ideológica e artística, que começam crescer a partir dos anos 80. Como os grafites de promoção de bandas de rock nacional, os de reivindicações de gênero, os em defesa dos direitos humanos, os lúdicos ou artísticos (propostos por artistas plásticos), e os de futebol (com menos freqüência).

Particularmente na América Latina, os grafites carregam uma questão que é bastante legítima, trata-se da ocupação das cidades, só que desta vez, conforme aponta MELENDI (2003), “não é a autoridade que invade nossos espaços, mas uma força que vem das margens da república democrática, um produto

residual dos longos anos da ditadura e do descaso do estado neoliberal”

[...] a década de 1980 na América latina [...] constituía um terceiro grande momento do grafite contemporâneo, logo depois de Paris de 68 e de Nova York do início dos anos 70, com seus movimentos rebeldes e juvenis do subway.(SILVA, 2001, p.4)

Segundo Silva (2001), durante a década de 80 os grafites se expandiam na América latina; na Colômbia, no Peru, no Equador, na Argentina, no Brasil, no Uruguai, no México e na Venezuela pela mesma razão das lutas de libertação, por tradição guerrilheira e pelos novos ares de renovação estilístico- plástica e movimentos políticos e universitários. Em todos os casos estava em questão buscar outras formas de tomar posição conta a hipocrisia social e o autoritarismo.

No Chile, surge, uma experiência bastante peculiarl de pintura urbana, as brigadas muralistas; Ramona Parra, Inti Peredo, Elmo Catalán. São grupos compostos por operários, estudantes secundaristas e universitários que atuam nas ruas produzindo pinturas coloridas que mesclam iconografia popular, fatos cotidianos com forte conteúdo político e artístico. (Fig. 49 - 50)

Nasceram clandestinamente como forma de luta política, na década de 70 e tiveram grande difusão em todo país durante a campanha do presidente socialista Salvador Allende.

Em grandes cidades da América Latina, hoje as vertentes dos grafites se misturam: a iconografia popular, e a monumentalidade muralista e forte influência novaiorquina a outras vertentes ligadas ao “movimento”

street art que tem crescido muito

nos últimos anos. A vertente política dos grafites surge, mesmo que de forma reprimida, nos períodos dos regimes autoritaristas, como formas expressivas e de crítica social e como resistência às forças opressivas do Estado. Mas também eles se propagam nos períodos democráticos, como forma de afirmação da liberdade e autonomia dos cidadãos.

FIGURA 51

FIGURA 52

Na Argentina durante o período da crise econômica no final de 2001 houve uma grande onda de grafites stencil. (Fig. 52-53) Vários grupos surgiram chamando a atenção das pessoas pela ironia, humor, criatividade evidenciando forte senso crítico, social e político Grupo Vomito atack, BsAsstncl de Buenos Aires e Grupo Escombros. Os grafites stencil tomam um lugar bastante legítimo na esfera social na Argentina. No universo estético dos grafites coexistem temas mais diversos, muitos grupos recorrem de forma bastante criativa e crítica a temáticas que englobam a cultura popular juvenil, a personagens célebres, ligadas a música, ao esporte e a temas que estejam em voga como, criticas as guerras imperialistas, questões decorrentes da globalização, causas ambientalistas.

Os grafites possibilitam a jovens artistas que manterem atividades articuladas, hoje facilitadas pela internet, com movimentos de vários países. A intencionalidade política destes grafites funciona não como tomada de poder, mas como consciência de um desejo de um mundo multiparticipativo, de ação cidadã e de exercício de autonomia.