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"nenhua renitencia fiz em largar tudo e por me ao caminho de ao Redor de 600 legoas desta Costa de Pern.co por o mais aspero caminho, agreste, e faminto sertão do mundo"333

Domingos Jorge Velho.

Durante o século XVII, as vilas açucareiras conhecem o crescimento e diversificação de sua sociedade, ao mesmo tempo em que os colonos abastados iniciam um processo de expansão para o interior, em busca da ampliação de suas propriedades. Esses dois processos se interligam quando as tribos indígenas do continente oferecem resistência à expansão pecuarista. Nesse momento, a intervenção da Coroa em pró dos colonos se aproveita do que é, a seu ver, um excesso populacional das vilas açucareiras, principalmente dos vadios e pobres produtivos, mobilizando esses grupos para os conflitos do interior.

A conquista do interior continental das capitanias do norte do Estado do Brasil reveste-se, assim, de muitos significados: para a Coroa significa expansão territorial; para as elites coloniais, a criação de novas possibilidades de aquisição de terras e títulos; para a Igreja, a abertura de novas fronteiras para a catequese; para as tribos americanas, a perda do território e a desagregação social. Mas, para os pobres e vadios das vilas açucareiras, o que significa a conquista do sertão?

Devido à tenaz resistência indígena oferec ida nos sertões da Bahia, Pernambuco e capitanias do norte, e que leva os colonos a requisitarem a força bélica a Coroa, o estabelecimento desse novo projeto de colonização, baseado na pecuária, é em muitos sentidos possibilitado apenas pela utilização do repositório humano à disposição da Coroa na zona açucareira. Repositório composto de homens de cor livres, brancos pobres, além de índios aldeados nas margens da zona rural.

Dentro desse contexto, se vamos seguir os passos que levam os pobres do açúcar ao interior continental durante o processo de conquista, precisamos começar por definir o próprio território para onde são deslocados, pois no segundo período português, o sertão é um espaço novo para a população das vilas canavieiras, apesar de não de todo

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CARTA de Domingos Jorge Velho. Apud ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para

desconhecido. Se, por um lado, a maioria dos homens que participam da conquista do sertão, sendo artesãos, vadios, elementos urbanos, poderia nunca ter estado longe das vilas, por outro, a idéia de sertão existe no imaginário dominante de sua sociedade desde o século XVI, não lhes sendo totalmente desconhecida.

Desde o século XVI, no imaginário dominante da zona açucareria se constrói uma oposição entre as regiões colonizadas da América portuguesa e aquelas não inseridas na jurisdição metropolitana. As primeiras, em geral, estão associadas ao litoral, devido à própria natureza do empreendimento canavieiro, e as segundas, por sua vez, estão ligadas ao continente. Cria-se assim uma dicotomia entre o espaço considerado civilizado e aquele considerado selvagem. Até o início do apogeu da região mineradora, a principal região civilizada para o imaginário colonial é a área açucareira, sendo sua cultura barroca mestiça o padrão desta civilização. Por outro lado, o interior vai ser normalmente conhecido como sertão, considerado uma área desocupada, que abrange todo o continente para além da zona da cana e do litoral.334

A palavra sertão parece ser um termo oriundo de desertão, de deserto: Não o deserto físico, mas o espaço onde há um vazio de súditos da Coroa portuguesa.335 Palavra talvez originada no século XV, sua etimologia é obscura, sendo seu primeiro significado talvez interior, ou seja, o espaço longe da costa. Um conceito que já aparece na carta de doação de Duarte Coelho.336

Apesar de sertão definir, inicialmente, o espaço continental afastado da costa, "a idéia de grandes vazios incultos e desabitados aparece como um dos elementos definidores da noção de sertão”. No século XVII, vemos a ampliação dos significados desse termo no discurso de dois cronistas: João Pereira Caldas escreve que "a nossa América é dilatadíssima, e comparada a sua vastidão com o número de habitantes, sendo este já

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Ver sobre a construção do conceito de Sertão, ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de história colonial. São Paulo: Itatiaia. 1988. P. 141-216. Também ABREU, J. Capistrano de. Caminhos antigos e povoamento

do Brasil. São Paulo: Itatia ia. 1988. P. 37-90. A caracterização de sertão colonial como um espaço que

abrange “as longínquas regiões interioranas do Brasil” pode ser encontrada também na recente historiografia. Cf. LEONARDI, Victor. Entre árvores e esquecimento – história social nos sertões do Brasil. Ed.

Brasília: UNB/Paralelo 15. 1996. P. 23. Cf. ARAÚJO, Emanuel. Tão vasto, tão ermo, tão longe: o sertão e o sertanejo nos tempos coloniais . In DEL PRIORE, Mary (org.). Revisão do paraíso: os brasileiros e o estado

do Brasil em 500 anos. São Paulo: Ed. Campus. Pp. 45-91. P. 79-80.

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LOPES, Fátima Martins. Missões Religiosas - Índios, Colonos e Missionários na Colonização do Rio

Grande do Norte. 1999. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,

Universidade Federal de Pernambuco, Recife. P. 103

muito considerável, ela nos apresenta ainda deserta”. Martinho de Nantes, por sua vez, afirma que "entrando nas solidões vastas e assustadoras, fui surpreendido por um certo medo”. Aqui percebemso que Caldas faz uma referência indireta ao sertão, através do comentário acerca da vastidão da América portuguesa e de sua ausência de habitantes. E seu discurso considera como habitantes apenas os colonos. Nantes, por sua vez, discute especificamente o sertão, acusando o temor que os espaços abertos de tal região impõe àqueles oriundos da região colonizada ou da metrópole.

Mas, se o emprego primitivo do termo sertão, no século XVI, indica apenas o apartado do litoral, ele gradativamente vai ganhando o significado de região inóspita e sem lei. O contraste entre o sertão e o litoral, criado no imaginário dominante na área do açúcar, perdura mesmo depois do interior ser colonizado, passando o sertão então a ser considerado um lugar de gente pobre, ignorante e preguiçosa, enquanto o litoral continua a ser o lar do que é refinado.337

É com esse conjunto de significados envolvendo a idéia de sertão que os oficiais mecânicos, brancos, negros ou pardos, e os vadios das vilas do açúcar convivem quando para essa região são enviados. Para esmiuçarmos esse contexto cultural procuramos observar os discursos dos escritores contemporâneos, onde é possível perceber as representações mais freqüentes sobre o sertão compostas pelo imaginário dominante das vilas açucareiras no segundo período português. Esses discursos literários estão carregados de significados e valores em voga em sua sociedade, o que nos possibilita trabalhar com a memória coletiva e o imaginário comum a todos os membros da sociedade urbana açucareira.338

O mundo colonial americano insere seus cronistas em um novo cenário. Já não mais fazendo parte de um contexto europeu, esses personagens, ainda assim se mantêm copiando os modelos clássicos da cultur a ocidental e transpondo-os para a América através de seus discursos. Enquanto se propõem a descrever o Novo Continente, transportam para esse espaço figuras e conceitos da cultura clássica e medieval que lhes serve de base, em uma

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ARAÚJO. In DEL PRIORE.Op. cit. p.82.

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Uma discussão sobre memória coletiva, a partir de uma retrospectiva das principais teorias e debates acerca da relação memória e h istória pode ser vista em MONTENEGRO, Antônio Torres. Historia oral e

tentativa de melhor compreender essa terra e seus habitantes a partir de um esquema de comparação com valores já institucionalizados na Europa.339

A transposição desses padrões culturais através de mitos dominantes na Europa Ocidental pode ser percebida tanto nas citações de Averróis e Ptolomeu por Ambrósio Fernandes Brandão, quanto no mito das amazonas, prolífico entre os cronistas americanos.340 Por outro lado, um personagem como Gabriel Soares de Souza, apesar de reinól, não pode ter seu discurso pensado tão somente a partir de um contexto metropolitano. Senhor de engenho, imbuído de valores barrocos coloniais, Soares de Souza é também um conhecedor do interior continental, e tem seus interesses divididos entre agradar a corte espanhola e assumir um papel de elite dominante na colônia.

A partir dessas considerações, é possível percebermos que as imagens de sertão podem ser observadas em discursos de diferentes personagens, cada discurso representando as relações possíveis mantidas entre o sujeito e o sertão. E, uma vez que o sujeito não é responsável pelos sentidos dos discursos que profere, sendo ele próprio uma parte constitutiva do processo de produção dos sentidos, 341 cada discurso surge não como fruto de um conjutno de opiniões e visões particulares, mas como partículas de um imaginário dominante que abarca o próprio autor. O cronista enquanto autor, por mais que tente direcionar sua interpretação, não pode se esquivar dos sentidos oriundos do interdiscurso, da memória coletiva, do imaginário dominante. Assim, suas imagens de sertão não são apenas produzidas para certo público leitor, distante e ansioso por exotismo, mas são também produzidas a partir da própria idéia de sertão conhecida pelo cronista, uma idéia existente e predominante na sociedade da qual ele é um elemento constituinte. Essas

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Se Alfredo Bosi pensa os autores da chamada literatura de viagem colonial não dentro do contexto europeu, mas já a partir de um contexto americano, "de um complexo colonial de vida e de pensamento", BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultriz. 1994. P. 11, para Janice Theodoro, por outro lado, esses primeiros autores não teriam criado nada de novo, apenas copiado os modelos clássicos para a América. Assim, na América, o colonizador não estaria buscando o conhecimento do novo, mas, partindo do imaginário medieval e clássico, transplantando as figuras clássicas da Europa ocidental. Essa transposição de imaginário permitiria uma transposição de valores culturais que facilitaria a efetivação da obra colonial, da mesma forma que a criação de uma equivalência cultural entre as duas regiões facilitaria a colonização: "Portanto o processo de descrição e observação do continente recém-descoberto envolvia basicamente a manutenção do universo europeu e não o conhecimento da América”. THEODORO, Janice. América barroca: Tema e Variações. São Paulo: Nova Fronteira/ Edusp. 1992.

340

Cf. MOTT, Luiz. As Amazo nas: Um Mito e algumas Hipóteses. In VAINFAS, Ronaldo (org.). América

em Tempo de conquista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1992. Pp. 33-57.

341

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Terra à Vista - Discurso do Confronto: Velho e Novo Mundo. São Paulo/ Campinas: cortez/ed. Unicamp. 1990. P. 28-29

imagens construídas nos discursos literários têm como único limite não a imaginação do autor, mas a imaginação do público leitor, e suas crenças não no que pode ser verídico, mas no que pode ou não ser verossímil.342

Dentro dessa perspectiva, a compreensão dos significados dados pela sociedade barroca ao termo sertão, parte da análise da produção dos discursos sobre o mesmo. Esses, por sua vez, não são apenas produtos de sua época, mas são também geradores de uma cultura, de significados sociais e históricos que influenciam o imaginário dos séculos subsequentes.343 Assim sendo, as imagens sobre o sertão no segundo período português se devem não apenas aos valores culturais de sue próprio período, mas também a uma tradição de discursos instituídos sobre o sertão que remonta ao início da colonização canavieira.

Podemos observar o início dessa tradição no século XVI, período de consolidação das vilas açucareiras e sua sociedade, com o reinól, senhor de engenho e capitão de entradas para o sertão, Gabriel Soares de Souza.

A crônica de Soares de Souza apresenta-se bastante representativa do imaginário barroco dominante nas vilas açucareiras de fins do século XVI, trazendo para a colônia o conceito de hidalguia castelhana, expresso em questões como a preocupação com a mácula de sangue, assim como nas descrições de ostentação e pompa que caracterizam essa cultura. Assim é que, ao abordar o primeiro governador geral, Tomé de Souza, o discurso de Gabriel Soares traz a tona essas características que indicam já a formação de um imaginário barroco colonial, apresentando o governador como um fidalgo, ainda que de origem menor:

"Tomé de Souza foi um fidalgo honrado, ainda que bastardo, homem avisado, prudente e muito experimentado na guerra da África e da Índia, onde se mostrou muito valoroso cavaleiro em todos os encontros em que se achou; pelos quais serviços e grande experiência que tinha, mereceu fiar dele El-Rei tamanha empresa como esta que lhe encarregou [o governo geral] (...)."344

Como Tomé de Souza ascende à fidalguia através de serviço militar, uma característica do medievo português, o discurso de Soares de Souza perdura, na colônia, a

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É Todorov quem nos coloca a questão do verossímil e do verídico. TODOROV, Tzvetan. A Conquista da

América - a Questão do Outro. São Paulo: Martins Fontes. 1999. P. 64

343

Para uma discussão acerca dos significados inerentes à própria produção de um documento Cf. ORLANDI, Eni Pulcinelli. Interpretação - Autoria, Leitura e Efeitos do Trabalho Simbólico. Petrópolis: Vozes. 1996.

idéia de um serviço militar nobilitante, em contraposição à outra idéia, esta moderna e disciplinar, de um serviço militar degradante, o serviço burocrático.

Outrs elementos do imaginário barroco existentes já na zona açucareira que surgem na narrativa de Gabriel Soares estão nas descrições dos costumes ostentatórios da elite canavieira. Ao afirmar que, na colônia, qualquer peão anda vestido com sedas e damascos, o relato de Soares de Souza torna-se uma descrição do verossímil, não do verídico, no dizer de Todorov:

"Na cidade de Salvador e seu termo há muitos moradores ricos de fazendas de raiz, peças de prata e ouro, jaezes de cavalos, e alfaias de casa, em tanto, que há muitos homens que têm dois e três mil cruzados em jóias de ouro e prata lavrada. (...) os quais tratam suas pessoas muito honradamente, com muitos cavalos, criados e escravos, e com vestidos demasiados, especialmente as mulheres, porque não vestem senão sedas, por a terra não ser fria, no que fazem grandes despesas, mormente entre a gente de menor condição; porque qualquer peão anda com calções ou gibões de cetim ou damasco, e trazem as mulheres com vasquinhas e gibões do mesmo, os quais, como têm qualquer possibilidade, têm suas casas muito bem concertadas e na sua mesa serviço de prata, e trazem suas mulheres muito bem ataviadas de jóias e ouro."345

Esse é o discurso do verossímil, não do verídico, na medida em que não interessa se esta é uma descrição acurada dos hábitos da plebe, pois, de qualquer forma, ela representa a disseminação, no imaginário dominante açucareiro, não apenas dos valores barrocos, mas da crença de que esses valores são amplamente aceitos na colônia por elite e plebe. Por outro lado, ao confrontarmos esse discurso com alguns exemplos de homens livres das vilas açucareiras, observaremos que ele indica também uma certa assimilação de valores culturais barrocos pela plebe, principalmente os valores ligados à ostentação de luxo pessoal, através da demonstração de riqueza no vestuário. Um exemplo dessa assimilação cultural é o caso já visto de João Oliveira, iorubá forro, cabeceira do tráfico na Costa da Mina. Enriquecendo, senhor de escravos, assimila os padrões barrocos da sociedade colonial, contribuindo para entidades católicas como a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição dos Militares no Recife. Entre seus bens estão 122 escravos, e um rico

verstuário, como camisa de Holanda de babados, jaleco de fustão branco, calção labaya, chambre de linho azul, meias finas e chinelas de marroquin.346

Ou seja, mesmo que nem todos os peões da colônia açucareira andem vestidos com calções e gibões de cetim e damasco, não apenas a possibilidade existe, como a plebe assimila os costumes em torno desse vestuário.

Gabriel Soares de Souza é reinól, não mazombo, todavia se constitui como elemento representativo de um imaginário aprendido na colônia, ou talvez, de um imaginário que ajuda a criar. Ele já representa não apenas o metropolitano descrevendo terras estranhas, mas o nascimento de uma consciência de colono. E apesar de esse colono se manter ainda por muito tempo tentando transportar para a América as características da metrópole, a própria condição colonial age sobre essa reprodução de mitos, recriando-a. 347

Encontramos essa criação de um imaginário colonial, a partir de uma base européia, no discurso sobre o sertão de Gabriel Soares. Durante a sua vida, Soares chega a ter uma relação profunda com o sertão, que o leva a ser capitão de entradas. Mas no momento em que sua obra é escrita, essa relação é ainda uma idéia e não uma prática. Não tendo contanto direto com esse mundo, descreve -o assim a partir das idéias partilhadas com a sociedade ao seu redor, e das informações de seu irmão. Ou seja, se baseia na memória coletiva, no imaginário dominante para criar o sertão de seu Tratado, o sertão que queria percorrer. Apresenta-o não apenas como o interior, mas também como um lugar de fuga para os índios. Uma primeira definição de sertão como o interior que podemos observar em sua descrição de um engenho real existente no rio Pirajá, na Bahia: "Pelo sertão deste engenho, meia-légua dele, está outro de Diogo da Rocha de Sá (...)."348

Seu 'Roteiro Geral da Costa Brasílica' e o 'Memorial e Declaração das Grandezas do Brasil' são escritos em Madri, para onde parte em 1586 com o intuito de receber os

346

VERGER, Pierre. Os Libertos - Sete Caminhos na Liberdade de Escravos da Bahia no Século XIX. São Paulo: Corrupio. 1992. P. 9-12.

347

Para Alfredo Bosi: "a insistência em descrever a natureza, arrolar os seus bens e historiar a vida ainda breve da Colônia indica um primeiro passo da consciência do colono, enquanto homem que já não vive na metrópole e, por isso, deve enfrentar coordenadas naturais diferentes, que o obrigam a aceitar e, nos casos melhores, a repensar diferentes estilos de vida." BOSI. História concisa da literatura brasileira. Op. cit. P. 24. Essa perspectiva de Bosi é oposta a de Janice Theodoro que aponta para a característica continuísta dos cronistas coloniais, que se mantém reproduzindo um universo mitológico europeu nas Américas. Acreditamos que, apesar do imaginário colonial ser criando a partir dos mitos e imagens ibéricas, a condição de colono, a condição colonial, age sobre esse imaginário, recriando-o. Para ver condição colonial, Cf. BOSI, Alfredo. A

Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras. 1996.

privilégios para realizar entradas no rio São Francisco. Sendo escrita antes de sua jornada ao sertão, sua obra é mais representativa do imaginário daqueles elementos da zona do açúcar que desconhecem praticamente o sertão, do que daqueles que por essa região transitam. Ou seja, aproxima-se bastante dos pobres do açúcar que posteriormente serão recrutados sem nunca terem tido conhecimento desse território.

Gabriel Soares, sendo um reinól letrado e senhor de engenho leal à Espanha, descreve a costa do Brasil como fértil e abundante, "muito abastada de mantimentos de muita substância e menos trabalhosos que os da Espanha." Uma fertilidade expressa também na riqueza de metais, esmeraldas e salitre.349 Ao descrever o rio Amazonas, apresenta-o como um dos maiores rios do mundo, "o qual é povoado de gentio doméstico e bem acondicionado, e segundo a informação que se deste rio tem, vem do sertão mais de mil léguas até o mar (...)."350

Podemos observar, assim, que as descrições da terra feitas por Soares são utilitaristas:351 a boa terra é aquela que apresenta os melhores gêneros para exploração colonial, sendo que, no caso do Amazonas, esse gênero é o gentio doméstico. Sua situação de vassalo da Espanha intensifica o estilo da crônica, visto a vontade do autor em agradar os suseranos e chamar sua atenção para as potencialidades da colônia.352

Descendo a costa leste do Brasil, a narrativa continua com descrições geográficas e etnológicas, muitas das quais não são baseadas em conhecimento pessoal da região. Ao descrever a Paraíba, Soares dá especial atenção aos potiguar, que então assolam