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apud MELLO Alguns Aditamentos e Correções In COSTA Anais Pernambucanos Op Cit P D; Col PP, livro 2, fl 198.

1.4 – CONDIÇÕES DE VIDA DA PLEBE NA SOCIEDADE ESCRAVOCRATA

X. apud MELLO Alguns Aditamentos e Correções In COSTA Anais Pernambucanos Op Cit P D; Col PP, livro 2, fl 198.

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MELLO. Alguns Aditamentos e Correções. In COSTA. Anais Pernambucanos. Op. Cit. P. DXI.

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PP, livro 2, folha 129/129v. APEJE.

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PP, livro 2, folha 114v. APEJE

ofícios em Recife, como é o caso da Irmandade de São Crispin e de São Crispiano, de sapateiros, da Irmandade de São José, de carpinteiros e marceneiros, e da Irmandade de Santo Elói, dos ourives de prata. E apesar da existência de irmandades específicas para negros livres e escravos, como a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, a de São Benedito e a de Santa Ifigênia, além das irmandades de homens pardos, como a de Nossa Senhora do Livramento, a de Nossa Senhora de Guadalupe e a de Nossa Senhora do Amparo, entre outras, as irmandades de ofício do Recife também congregam homens de cor livres, juntamente com artesãos brancos.198

Essas irmandades de caráter profissional, além de sua função religiosa e assistencialista, também se apresentam como órgãos regulamentadores do exercício da profissão. Este é o caso da Irmandade do Patriarca São José, no Recife, que é instituída em 1735, e congrega quatro ofícios, carpinteiros, pedreiros, marceneiros e tanoeiros. Uma de suas funções principais é a fiscalização do exercício dessas atividades, com seus juizes e provedores exercendo o direito de controlar as obras em andamento na vila e embargar qualquer obra levada a cabo sem a participação de um irmão da confraria. Além disso, o compromisso da irmandade determina que todo marceneiro, carpinteiro, pedreiro e tanoeiro que não queira fazer parte da confraria seja obrigado a pagar taxas anuais para continuar a exercer seu ofício no Recife.199 E do ponto de vista da composição social, a Irmandade do Patriarca São José reflete a convivência de escravos e artesãos livres nos mesmos ofícios e nas mesmas instituições: os escravos de ganho, sendo artesãos de qualquer das quatro mencionadas artes são aceitos como irmãos com a obrigação do pagamento das anuidades recaindo sobre seus senhores.200

Assim, podemos observar as condições de vida dos pardos e negros livres que compõem o grupo dos pobres produtivos através de sua participação nas irmandades leigas

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ARAÚJO. Festas – Máscaras do Tempo. Op. cit. P. 69. A historiografia especializada em irmandades leigas na América portuguesa já discute o fato de que, além da congregação de grupos socioeconômicos ou étnicos, algumas confrarias agregam elementos profissionais. REIS, João José. A Morte é uma Festa. - Ritos

Fúnebres e Revolta Popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras. 1991. P. 52

199

CAVALCANTI, Viviane. Religiosidade e morte: instrumentos do projeto colonial português . Columbia, the University of South Carolina. 1995. p. 30-31. (Historical Archeology in Latin America.)

200

COMPROMISSO da Irmandade do Patriarca São José dos quatro Ofícios anexos, carpinteiros, pedreiros, marceneiros e tanoeiros da Vila de Santo Antônio do Recife. AHU, códice 1301. Apud CAVALCANTI. Op. cit. p. 39.

de homens de cor.201 E o número de irmandades de negros e pardos que podem ser encontradas nos núcleos urbanos de Pernambuco no segundo período português, é significativo da importância social desses personagens.

Este é o caso da Irmandade de Nossa Senhora do Livramento dos Homens Pardos da Vila de Serinhaém, que aponta a existência numerosa de mestiços livres nos diversos núcleos urbanos canavieiros da capitania. Seu compromisso, datado de 1770, apresenta-nos uma irmandade composta por pardos livres:

“E avendo nestta freguezia tanttos pardos zellozos E vendo que em todos os lugares Se achavão os ditos pardos unidos com sua Irmandade da Virgem Maria Senhora da Comceção da villa da Sirinhaem Se achava huma capella instituida E fabricada com esmollas do povo e Sem Irmandade nem quem tiveçe o cargo aparamentar: Se ajuntarão os pardos desta freguezia com o zello do seu Paracho (...) E nella instituirem sua Irmandade (...).”202

Ou seja, em todos os lugares se acham os ditos pardos, participando ativamente da vida cultural da região. A vila de Serinhaém se situa no centro da área canavieira de Pernambuco; vila de muitos engenhos e, conseqüentemente, de numerosa população escrava. Não é, no entanto, a única vila canavieira a possuir irmandades de homens de cor. O Cabo de Santo Agostinho possui uma irmandade parda sob a mesma invocação além de irmandades dos homens pretos, como a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.203 A multiplicação das irmandades de homens de cor pelos núcleos urbanos do açúcar sugerenos um crescimento do número de negros e pardos, tanto livres quanto escravos, nas povoações da região.

Em Recife e Olinda esse crescimento é perceptível pelo número de irmandades de cor nas duas povoações. No século XVIII temos a Irmandade do Rosário dos Pretos, tanto em

201

A vasta historiografia sobre irmandades religiosas no Brasil colonial, campo de estudo bastante desenvolvido que abrange quase todas as regiões da América portuguesa, diz-nos da importância dessas organizações de devotos para o convívio social na colônia, especificamente para o meio urbano. Cf. BOCHI. Op. cit.; ASSIS. Pretos e brancos a serviço de uma ideologia de dominação (o caso das irmandades do

recife). Op. cit; SCARANO. Op.cit; RUSSEL -WOOD. Op. cit.

202

COMPROMISSO da Irmandade de Nossa Senhora do Livramento dos Homens Pardos da Vila de Serinhaém. AHU, códice 1664, folha 4. LPEH-UFPE.

203

AHU, códice 1683 e QUINTÃO, Antônia Aparecida. As Irmandades de Pretos e Pardos em Pernambuco e no Rio de Janeiro na época de D. José I: Um Estudo Comparativo. In SILVA, Maria Beatriz Nizza da(org.).

Recife quanto em Olinda,204 além da Confraria de Nossa Senhora de Guadalupe dos Homens Pardos, em Olinda, a Irmand ade do Senhor Bom Jesus dos Martírios, de pretos cativos e libertos, no Recife, entre outras.205 E além de irmandades étnicas, os homens livres de cor ainda participam de irmandades de caráter profissional. No conjunto, essas irmandades leigas são ilustrações valiosas do grande número de homens e mulheres de cor nos centros urbanos canavieiros, inclusive entre as camadas livres, a partir do século XVII. Mas não indicam apenas a existência numérica desses personagens, são também importantes vestígios de sua interação com o imaginário dominante, uma vez que são as irmandades as principais instituições de socialização nas vilas do açúcar.

Mas o fato de escravos e livres conviverem nas mesmas irmandades, não significa que suas relações sejam sempre baseadas em cooperação. Pereira da Costa nos narra uma disputa na Câmara do Recife, em meados do século XVIII, ocorrida entre os oficiais livres e os senhores de escravos artesãos, em torno da resistência dos juizes das corporações em submeter artesãos escravos ao exame obrigatório para a licença de trabalho. Os senhores desses escravos se queixam à Câmara para que a mesma vete essa proibição, no que terminam por serem atendidos.206

Ter a Câmara do Recife preferido apoiar o trabalho escravo não é surpreendente em uma sociedade escravista, mas o embargo feito pelos juizes de ofício ao trabalho escravo ilustra, além do peso que a concorrência oferecida pelo trabalho escravo exerce sobre os artesãos livres, também o desenvolvimento alcançado pelos grupos sociais atrelados ao trabalho mecânico livre no século XVIII. Um desenvolvimento que os capacita, mesmo que momentaneamente, a negar a participação do trabalho escravo no mercado urbano.

E apesar da ferrenha pressão exercida pelo trabalho escravo, o trabalho livre existe e, muitas vezes, prospera nos núcleos urbanos canavieiros. Este é o caso, em 1715, do mestre pedreiro Manoel Gomes de Oliveira, que reclama à Coroa seu pagamento por uma empreitada realizada no Forte do Brum, pela qual a Câmara de Olinda continua sua devedora. Não sabemos muito sobre esse personagem, se branco se pardo, mas sua prosperidade transparece na realização da empreitada no Brum, mesmo sem o pagamento

204

Cf ASSIS. Pretos e brancos a serviço de uma ideologia de dominação (o caso das irmandades do

recife). Op. cit.

205

QUINTÃO. Op. cit. P 171 e AHU, códice 1302.

da Câmara.207 Caso semelhante vemos em 1768 com o mestre Nicolao Coelho de Albuquerque, proprietário de uma fundição no Recife, que recebe uma encomenda para a feitura de um sino destinado à Igreja da Estância. O dito artesão não apenas executa a obra gratuitamente como arca com as despesas de uma arrouba e duas libras de metal, utilizados na fundição da peça.208

A prosperidade dessas oficinas não pode, é certo, ser estendida para todos os oficiais mecânicos, mas serve de indício para a existência de certo dinamismo no mercado de trabalho livre nas vilas de Pernambuco entre os séculos XVII e XVIII, exemplificado também na possibilidade de oficiais mecânicos escravos adquirirem a alforria através da compra, a partir de capital acumulado em suas atividades profissionais.

Se por um lado, podemos observar uma aproximação sócio-cultural entre forros e escravos,209 percebida na convivência nas mesmas corporações profissionais assim como nas mesmas irmandades leigas, por outro devemos ressaltar a busca empreendida pelos libertos para se incorporarem na sociedade colonial, e que os leva a se afastar de qualquer ligação com a escravidão, inserindo-se assim no mesmo contexto social de outros oficiais mecânicos, principalmente os pardos, e classificando-os no grupo dos pobres produtivos.

Apesar de, em geral, os libertos continuarem a exercer as mesmas profissões que tinham na escravidão, esses personagens vão buscar, em oposição, criar condições de vida que lhes permitam a exibição suntuária, marca do barroco. A grande maioria dos libertos torna-se, dessa forma, proprietária de escravos, trabalhando nos primeiros anos após a alforria para acumular capital e adquirir cativos,210 buscando uma estabilidade social que só pode ser adquirira pela incorporação dos valores barroco escravistas.211

207 LIVRO 10ª de Ordens Reais: Provisões e Cartas Régias (1717-1720). Fl 23. IHGPE. 208

COSTA. Estudo Histórico-Retropesctivo Sobre as Artes em Pernambuco. op. cit. p. 35.

209

Algumas abordagens historiográficas recentes sobre as atividades profissionais coloniais privilegiam a proximidade das condições de vida de forros e escravos dentro de uma mesma atividade profissional. Estudando os pescadores, marinheiros e canoeiros no Recife do séc. XVIII, as chamadas ‘gentes do mar’, Luís Geraldo Silva privilegia a abordagem da categoria profissional em detrimento do recorte da condição jurídica dentro dessa categoria. Seu estudo levanta importantes reflexões, pois percebe que, para além da divisão jurídica entre escravos e livres no mundo do trabalho urbano, os ofícios são marcados pela

proximidade nas relações de trabalho de livres e escravos. SILVA. A Faina, A Festa e o Rito. Op. cit. p. 11.

210

“A vida no cativeiro ensinara o liberto que ser livre era ser senhor e ser senhor era possuir escravos que trabalhassem para si.” OLIVEIRA. Op. cit. P. 35.

211

“Os ex -escravos que testaram o fizeram, ou porque tinham algo para legar ou porque pretendiam organizar suas vidas diante da morte que se aproximava. Em ambos os casos, demonstravam estar mais ou menos integrados em sua nova condição legal. Para tanto demonstravam haver criado uma extensa rede de

E se a ostentação é um instrumento definidor do status social nessa sociedade, ela também é utilizada pelos libertos como ferramenta de distinção do mundo escravo. A participação desses homens nas tropas milicianas, por exemplo, onde se armam e fardam às suas custas, sem receber qualquer tipo de vantagem a não ser um certo grau de prestígio social, é uma ilustração da importância do supérfluo e do suntuário em seu imaginário, não deixando de indicar também um certo grau de prosperidade econômica que lhes permite acesso a esses luxos.

Como exemplo da incorporação de negros forros no imaginário barroco, podemos observar ainda o caso de um iorubá vendido como escravo para o Recife no século XVIII, denominado pelo batismo cristão João de Oliveira, que convertido ao catolicismo passa a comandar um negócio de tráfico de escravos que o enriquece. Faz, no decorrer de sua vida, vultuosas doações a igrejas recifenses, entre elas a Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, e, estabelecido como cabeceira na Costa da Guiné, adquire por sua conta vários escravos, enviados como sua propriedade para o Brasil. Preso por questões políticas na Bahia, seu auto de prisão registra entre seus bens apreendidos 122 escravos. E, mais um exemplo da ostentação que os libertos assumem como signo de sua condição social, a descrição de seu vestuário inclui peças de grande valor, como chambre de linho, chinelas de marroquim e camisas da Holanda.212

O exemplo de João de Oliveira, todavia, não pode ser estendido à maioria dos libertos, pois para arcar com essa ostentação e a posse de numerosos escravos, é preciso uma renda que o trabalho mecânico em geral não pode fornecer. Assim, se a maioria dos libertos atua em profissões que possibilitam a acumulação de certo capital, dificilmente elas chegam a competir com o tráfico de escravos. E dentre essas profissões, talvez uma das mais rendosas seja a de canoeiro em Recife.

Na primeira metade do século XIX, a situação geográfica do Recife, cidade anfíbia, torna a atividade de canoeiro a profissão que mais possibilita acesso aos meios financeiros para alforrias.213 Essa atividade é, além disso, bastante procurada por negros e pardos livres, visto que possibilita também a diversificação da renda através da pesca e da coleta relações pessoais que lhes assegurava o grau de socialização necessário à sobrevivência fora das relações paternalistas da escravatura.” OLIVEIRA. Op. cit. P. 31.

212

VERGER, Pierre. Os Libertos – Sete Caminhos na Liberdade de Escravos da Bahia no Século XIX. São Paulo:Corrupio. 1992. P. 9-12.

de caranguejo.214 Entretanto, a importância dessa profissão remonta ao século XVII, como indica a aquarela de autor anônimo, datada de 1640, que descreve o tráfego de canoas no Varadouro, em Olinda. Uma imagem que, além de ilustrar a dinâmica da atividade dos canoeiros, também aponta para o grande número de negros exercendo essa profissão.

Figura 4 -"Planta, em aquarela, do caes projectado pela Camara de Olinda, no Varadouro da mesma cidade, e a consulta do Conselho Ultramarino, de 28 de novembro de 1691, referente ao mesmo caes e o novo edifício destinado á sede da Camara." Apud O CAES do Varadouro em Olinda. Revista do IAHGP, vol. XIII. Dezembro 1908. N.º 74.

Esta pintura retrata o cais do rio Beberibe, entre Recife e Olinda, como um local de intenso tráfego de cargas e passageiros entre as duas povoações. Esse tráfego é movimentado pelas muitas canoas que aparecem tanto estacionadas quanto em uso. É notável que a representação traga todos os canoeiros e carregadores das margens do Varadouro como negros. A aquarela sugere assim a intensidade da participação dos canoeiros na vida urbana de Recife e Olinda já no século XVII, comprovando a importância econômica da atividade para esse meio urbano e a hegemonia dos negros nessa profissão.

Os negros crioulos livres do Recife são, em geral, oficiais mecânicos, muitos deles acumulando bens e escravos, apesar de não chegarem às camadas de proprietários de terras ou grandes comerciantes. Aqueles artesãos libertos que mais prosperam no mercado conseguem manter oficinas onde estabelecem seus escravos. Nesse contexto, a posse de escravos é um traço definidor de sua posição social e determina a proximidade ou o distanciamento entre os libertos e escravos no meio sócio-cultural, assim como a inserção dos artífices forros no grupo dos pobres produtivos. Enquanto o forro sem escravos exerce funções mecânicas e aproxima-se das condições de vida dos escravos nas irmandades e

214

"Os canoeiros do Recife eram tantos que chegaram a ter uma capela própria .” CARVALHO. Liberdade

organizações de ofício, agremiações lúdicas, assitencialistas e devocionais, por sua vez,o liberto que acumula capital e adquire oficina própria, exercendo também funções mecânicas, compra escravos e ostenta luxo no trajar, distanciando-se, assim, da condição de vida cativa.

Ou seja, para os negros forros, seu status social deve ser conquistado a partir da propriedade de escravos, mas mantido a partir da posse de postos e cargos honoríficos. E, ao contrário dos pa rdos que ascendem socialmente através do embranquecimento, para os negros livres o prestígio social só está a seu alcance através da participação nas irmandades leigas ou na corporação militar.

Este é o caso dos artesãos olindenses que fazem parte da mesa regedora da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Olinda, que, no início do século XIX aluga uma propriedade nos arrabaldes do Recife ao viajante Henry Koster. Esses personagens, oficiais mecânicos de Olinda presididos por um sapateiro negro, demonstram diante dos brancos uma importância suntuária advinda de seus cargos na irmandade. Koster os caracteriza como cavalheiros pretos, e os convida para festejos em sua residência. E apesar de ridicularizá- los na narrativa como desajeitados e ansiosos por demonstrar a importância que ‘imaginam’ ter, não os ridiculariza pessoalmente, demonstrando- lhes todo o respeito, uma vez que a Irmandade é a proprietária das terras que acabara de arrendar.215

Essas considerações nos levam a perceber que o mercado urbano das vilas açucareiras de Pernambuco gera possibilidades para a estabilidade social de negros e pardos livres através dos ofícios mecânicos. Não devemos, contudo, separar o mercado de trabalho livre do trabalho escravo nas categorias profissionais aqui discutidas. Artesãos livres prósperos apenas o são devido à posse de escravos obreiros. O exemplo de Antônio Fernandes de Matos é significativo desse aspecto: mestre pedreiro reinól, Fernandes de Matos enriquece no Recife da década de 1670, não através de sua arte, mas através do comércio de escravos do qual também participa. Mesmo depois de enriquecido, todavia, ele continua no ofício de pedreiro, montando uma oficina bastante próspera na década de 1690, baseada no trabalho de diversos pedreiros obreiros escravos, entre os quais estão oito mestres pedreiros com

qualificações profissionais muito próximas as suas próprias, mas socialmente distintos pelo fato de serem escravos.216

Assim, as condições sociais de forros e livres, pardos e negros, dependem da posse de escravos, ao mesmo tempo em que dependem também da concorrência com o trabalho escravo. Situação que nos leva a considerar como é tênue a fronteira entre o trabalho escravo e o trabalho livre na sociedade urbana açucareira.

E é nessa fronteira que vivem os pobres produtivos de Recife e Olinda no segundo período português. Grupo social constituído primeiro pelos reinóis empobrecidos do século XVI, e depois, a partir do XVII, por negros e pardos livres, aproximados devido às atividades profissionais que exercem; Afastados por suas origens étnicas e pelas possibilidades de ascensão social abertas a cada um. Apesar das diferenças sociais são, no entanto, observados pelo imaginário barroco das vilas açucareiras, sejam eles negros, pardos ou brancos pobres, como uma massa desqualificada, apesar de útil; como um conjunto empobrecido e ousado. Um discurso que transforma as imagens construídas em torno desses personagens em um importante fator em suas relações com o aparelho militar da Coroa portuguesa.

É o caso do recrutamento para a tropa burocrática em geral. Realizado sobre a população livre urbana, esse alistamento baseia-se não em critérios de renda, mas de respeitabilidade. Assim, estão dispensados aqueles homens considerados produtivos e respeitáveis: homens com trabalho fixo e famílias para sustentar. Nesse sentido, os oficiais mecânicos estariam isentos de servir no exército do rei. Entretanto, as dificuldades inerentes ao preenchimento dos claros nos contingentes regulares levam ao alistamento também de artesãos e pequenos comerciantes que não demonstrem os requisitos de estabilidade: Normalmente, brancos e pardos solteiros, ambulantes, gente sem patrão ou senhor, sem oficinas ou atelieres, e sem escravos. Dessa forma, é que os pobres produtivos vão constituir as tropas do Estado em seus projetos de expansão juntamente com o outro grande contingente de gente recrutável, os vadios.

Dentro dessa perspectiva é possível ressaltarmos o caráter extremamente complexo da sociedade colonial açucareira: pois, idealizada como estamental, sua hierarquia, no

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SILVA. A Propriedade Mercantil e a Propriedade Colonial: Uma Abordagem Interpretativa da

entanto, não prescinde do critério renda, mesmo que de forma secundária. Secundária