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O GRAU DE SEVERIDADE DAS PENAS

No documento Razões de punir: a teoria de H. L. A. Hart (páginas 89-91)

4 O CRIME E A PUNIÇÃO NA TEORIA MISTA DE HART

4.6 O GRAU DE SEVERIDADE DAS PENAS

Partindo da premissa de que a pena tem função desestimuladora do crime, poderíamos concluir que aplicar penas muito severas a crimes de menor potencial lesivo os levaria à extinção, garantindo assim o caráter preventivo da punição. Apesar de acreditar que tanto a pena de morte como uma pena longa iriam erradicar as infrações leves como as de trânsito, Hart critica sua utilização e o fundamento de ambas as teorias para seu uso. Os utilitaristas defenderiam que o mal causado por esta forma de punição, mesmo que ocorresse raramente, seria maior do que o sofrimento causado pelas infrações de trânsito; já os retributivistas diriam que cada crime possui uma penalidade correspondente à sua iniquidade, e que “[...] the measure

should not be, or not only be, the subjective wickedness of the offender but the amount of harm done” 39 (HART, 1968, p. 234).

Sobre o tema, Hart entende que o sistema punitivo deve ser guiado pelo princípio da proporcionalidade:

The guiding principle is that of a proportion within a system of penalties between those imposed for different offences where these have a distinct place in a

39 “[...] a medida não deve ser, ou não ser apenas, a perversidade subjetiva do criminoso, mas a quantidade de dano causado” (HART, 1968, p. 234, tradução nossa).

commonsense scale of gravity. This scale itself no doubt consists of very broad judgments both of relative moral iniquity and harmfulness of different types of offence: it draws rough distinctions like that between parking offences and homicide, or between 'mercy killing' and murder for gain, but cannot cope with any precise assessment of an individual's wickedness in committing a crime (Who can?) Yet maintenance of proportion of this kind may be important: for where the legal gradation of crimes expressed in the relative severity of penalties diverges sharply from this rough scale, there is a risk of either confusing common morality or flouting it and bringing the law into contempt.40 (HART, 1968, p. 25).

Sob o prisma da punição proporcional à gravidade do crime, Hart observa em seus estudos que:

[...] the most perplexing feature of the model is its requirement that the punishment

should in some way ‘match’ the crime. The simple equivalencies of an eye for an eye or a death for a death seem either repugnant or inapplicable to most offences, and even if a refined version of equivalence in demanding a degree of suffering equivalent to the degree of the offender’s wickedness is intelligible, there seems to be no way of determining these degrees.41 (HART, 1968, p. 233).

O pensamento de Hart coincide com o de Bentham, pois ambas as teorias filosóficas conciliam com o princípio da proporcionalidade, concordando que a severidade da punição deve ser harmônica com a gravidade do delito.

A proporcionalidade entre crime e punição pode ser concebida tanto pela teoria utilitarista como retributivista, sendo que para esta “[...] the relative gravity of punishments is

to reflect moral gravity of offences; murder is to be punished more severely than theft; intentional killing more severely than unintentionally causing death through carelessness” 42

(HART, 1968, p. 234).

Outras diferenças apontadas por Hart entre essas duas teorias, no que concerne à proporcionalidade, é que o retributivismo entende que a punição não pode ser cruel, tendo em

40 O princípio orientador é o de uma proporção dentro de um sistema de penalidades entre aquelas impostas para diferentes infrações, onde estas tem um lugar distinto na escala de senso comum de gravidade. Esta escala em si mesma, sem dúvida, consiste em muitos amplos julgamentos tanto de relativa iniquidade moral como de nocividade dos diferentes tipos de infração: ela desenha distinções grosseiras, como entre as infrações de estacionamento e o homicídio, ou entre eutanásia e homicídio por lucro, mas não pode lidar com qualquer avaliação precisa da maldade de um indivíduo para cometer um crime (quem pode?). Contudo, a manutenção da proporção desse tipo pode ser importante: onde a gradação legal dos crimes expressado na relativa severidade das penalidades diverge acentuadamente desta escala grosseira, existe um risco ou de confundir a moralidade comum ou de desrespeitar e trazer a lei em desobediência. (HART, 1968, p. 25, tradução nossa).

41 [...] a característica mais perplexa do modelo é a exigência de que a punição deve de alguma forma corresponder ao crime. As equivalências simples de olho por olho ou morte por morte parecem ambas incompatíveis ou inaplicáveis à maioria dos crimes e mesmo que seja inteligível uma versão refinada da equivalência exigir um grau de sofrimento equivalente ao grau da maldade do criminoso, parece não haver maneira de determinar esses graus. (HART, 1968, p. 233, tradução nossa).

42 “[...] a gravidade relativa das punições é para refletir a gravidade moral dos delitos; assassinato deve ser punido mais severamente do que roubo; assassinato intencional mais severamente do que o sem intenção que causou a morte por descuido” (HART, 1968, p. 234, tradução nossa).

vista que nem todos os direitos do condenado foram extintos, e que a pena e suas consequências danosas não podem ser superiores ao crime. Os utilitaristas compreendem que se os custos da pena forem proporcionais ao lucro do crime, se desperdiçaria a possibilidade de efetivação da dissuasão, defendendo que, sob o argumento de diminuir a prática delitiva, os danos causados pela aplicação da pena devem ser superiores à vantagem alcançada com o delito.

Um bom exemplo disso é o crime de furto, em que a punição ultrapassa a proporcionalidade ao prever não apenas a devolução do bem furtado, mas também a pena restritiva de liberdade.

No documento Razões de punir: a teoria de H. L. A. Hart (páginas 89-91)