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Gravidade da lesão e irreparabilidade

6.2 Pressupostos de mérito do pedido de suspensão

6.2.3 Ocorrência de perigo de grave lesão à ordem, à saú-

6.2.3.1 Gravidade da lesão e irreparabilidade

Antes de se discorrer sobre cada um deles, é importante destacar que não bas- ta haver perigo de grave lesão, mas essa lesão deve se mostrar em intensidade tal, cuja mera projeção seja capaz de demonstrar a necessidade da suspensão.

Além disso, essa ponderosa lesão deve necessariamente acompanhar-se do risco de irreparabilidade, constituído pela impossibilidade de reversão, ou pelo me-

nos, por uma reversão muito difícil de ser considerada. Não é, portanto, qualquer de- cisão gravosa capaz de ensejar a suspensão. Além de gravosa, a reparação deve ser senão impossível de todo, pelo menos bastante improvável.

O ônus de demonstração tanto da lesão em si quanto de sua gravidade e irre- parabilidade em prejuízo da Administração é do próprio ente requerente, que deve fazê-lo já na inicial do pedido de suspensão, sob pena de não conhecimento ou inde- ferimento do mesmo.

Ou seja, além da intensidade da gravidade, a fazenda pública deve demonstrar também, sem resquícios de dúvida, a irreparabilidade da lesão que sentirá a admi- nistração em decorrência daquele determinado comando judicial cujo efeito ela pre- tende suspender. É, portanto, necessário a ocorrência do periculum in mora para que a medida seja deferida. Se não houver risco eminente, se a administração puder esperar o processamento do recurso sem prejuízo, não há que se falar em pedido de suspensão.

Importante abrir parêntese aqui para dar atenção à digressão jurisprudencial pela qual se dirigiram os tribunais pátrios a fim de justificar o perigo de grave lesão para concessão do pedido de suspensão. Trata-se da sustação de decisões funda- mentada na necessidade de evitar-se o efeito multiplicador, ou provável repercussão futura, aqui considerados pela possibilidade de que muitas ações, idênticas em cau- sa de pedir ou pedido, venham a ser aforadas contra determinado ente da fazenda pública, ou demais pessoas jurídicas legitimadas na norma de regência.

Seria esta hipótese forma de precaver-se de uma situação danosa projetada, que, embora não existente, poderá ocorrer caso aquelas ações se tornem muitas. É o que Elton Venturi alude como “[...] avaliação global das prováveis conseqüências prejudiciais da execução de certas liminares ou sentenças contra o Poder Público através das expressões efeito multiplicador ou efeito cascata, querendo significar [...] uma análise geral e extraprocessual [...]”227.

Ou seja, em tais casos, o julgador pode analisar a causa por uma visão geral e extraprocessual, preocupando-se com o efeito contagiante que referida decisão po- de provocar na sociedade.

Note-se que, nesta hipótese, ainda que a causa concreta em si não seja capaz, por si só, de representar a grave lesão, com toda aquela intensidade prevista pelo le- gislador, a possibilidade de que litígios iguais em causa de pedir sejam aforados em desfavor da fazenda pública seria capaz, na visão dos tribunais, de dar motivo à sus-

pensão. Assim tem sido o entendimento de nossas cortes superiores228.

De igual modo, tal acontece com a intensidade e a irreparabilidade da lesão, esse efeito multiplicador deve ser, em regra, demonstrado229, salvo se, por razões

outras, essa multiplicação já possa ser sentida pelo próprio presidente, como por exemplo acontece quando já muitas outros pedidos de suspensão sobre a mesma matéria já foram requeridos sob sua competência230.

Todavia, o efeito multiplicador como causa do pedido de suspensão deve ser aplicado com bastante temperamento. Primeiro, porque não é a mera possibilidade de lesão grave que enseja a propositura da excepcional medida. Como dito, a gravi- dade da lesão deve ser bastante intensa, e essa intensidade amplamente comprova- da já na inicial. Não é, portanto, a mera possibilidade de que a causa de pedir de um processo se repita em muitos outros que dará ensejo ao deferimento da suspensão. Se dessa forma fosse, a rigor, em relação a todas as decisões se poderia deferir a suspensão, pois, pelo menos em tese, todas as causas de pedir podem se repetir fu- turamente. Desta forma, entendemos que não deve haver apenas a possibilidade do

228Ver, no STF, a SS 609/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.01.1994, DJ 01.02.1994, e ainda o

AGRSS 1307/PE, rel. Min. Carlos Velloso, j. 01.03.2001, DJ 11.10.2001, bem como a SS 315/DF, DJ 30.04.1991, e SS 1799/GO, 12.09.2000. No STJ, ver AgRG no AgRg na STA 41/RS, rel. Min. Edson Vidigal, Corte Especial, j. 20.03.2006, DJ 08.05.2006; bem como AgRg na STA 1/PR, rel. p/ acórdão Min. Pádua Ribeiro, Corte Especial, j. 19.11.2003, DJ 29.03.2004.

229O STJ já decidiu que “[...] quanto ao suposto efeito multiplicador do julgado – também defendido

no Agravo Interno, está aqui restrito a quadro futuro e eventual, presumindo-se como mera hipótese, por não comprovado”, no AgRg no AgRg na SLS 155/SP, rel. min. Edson Vidigal, j. 19.12.2005, DJ 01.02.2006, Corte Especial, unanimidade.

230 O eminente Min. Edson Vidigal, do STJ, já decidiu que “[...] a proliferação de ações idênticas, cor-

roboradas pelos inúmeros pedidos de suspensão ajuizados perante esta Corte, tem potencial sufici- ente para causar expressiva lesão à saúde pública”, no AgRg na STA 41/RS, j. 20.03.2006, DJ 08.05.2006, Corte Especial.

efeito multiplicador, mas, na realidade, deve haver mesmo uma forte probabilidade de que isso ocorra, qualidade que deve ser comprovada pelo ente requerente.

Outro fato que depõe contra a justificativa desse efeito multiplicador, é que ao ente público prejudicado é assegurada a possibilidade de requerer a extensão dos efeitos da suspensão a outras causas cujas liminares possuam idêntico objeto, con- forme estabelecido no §8º do art. 4º da Lei 8.437/1992. Ou seja, já que, em regra, o prejuízo suportado pela Administração não é tão grave – a ponto de ter de socorrer- se do argumento da repercussão futura – ela poderia esperar para que muitas ações de fato se repetissem, para só naquele momento posterior, requerer a suspensão fa- zendo uso do aditamento permitido por esse dispositivo referenciado.

Além disso, nota-se que o efeito multiplicador em muitos casos pode ser sinto- ma de abuso ou ilegalidade cometido, previamente, pela Administração. Daí, deferir a suspensão por força desse raciocínio pode comprometer as funções institucionais sacras do Poder Judiciário. Antes de proteger o interesse público, o julgador pode estar mesmo agindo contra ele, já que o só fato de muitas ações idênticas serem ajuizadas denota uma sublevação da sociedade contra lei ou ato reputado injusto. Se essa insurreição é legítima ou não, caberá apenas às Cortes Superiores decidir em definitivo, conforme for a matéria versada. Por isso entendemos que o emprego do efeito multiplicador como forma de justificar o pedido de suspensão só pode ser feito quando, ainda que em caráter superficial e provisório, a matéria de fundo já te- nha sido decidida no âmbito daqueles Tribunais. Esse fator deve ser averiguado quando do exercício mínimo do juízo de delibação a ser exercido pelo Presidente do tribunal ao apreciar o pedido de suspensão, conforme será em seguida melhor deta- lhado.