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Pressupostos formais do incidente suspensivo

Feitas as considerações necessárias acerca da natureza jurídica, cumpre verifi- car sob quê condições e ante quais pressupostos justificam-se o processamento do pedido de suspensão.

6.1.1Caráter não provisório da decisão ou sentença objeto do pedido de

suspensão

O primeiro de todos os pré-requisitos do pedido de suspensão, por vezes olvi- dado, mas de importância considerável, é o caráter não-definitivo da decisão ou da sentença que se pretenda suspender. Isso é indispensável para que a suspensão possa ser ao menos apreciada.

O legislador, ao criar o instituto do pedido de suspensão, o fez na tentativa de resolver uma colisão entre princípios: de um lado, os princípios da efetividade das decisões judiciais, da celeridade, e, mais amplamente, do acesso à justiça; e, de ou- tro, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e a proteção de determinados valores relevantes anteriormente escolhidos.

E o legislador optou por solucionar esse dilema da seguinte maneira: quando a decisão que causar perigo de lesão aos valores expressados na norma possuir cará- ter provisório, deve prevalecer o interesse público e a proteção dos valores sobre o interesse privado e a garantia da efetividade das decisões judiciais. Assim, é indis- pensável, para o requerimento da suspensão, a natureza transitória ou não-definitiva da decisão que se pretende ver suspensa.

Essa constatação pode gerar um questionamento: e se o pedido de suspensão tiver por base decisão judicial interlocutória em relação a qual não foi interposto o re-

curso próprio do agravo de instrumento? Ocorreria a preclusão? O mesmo pode ser perguntado em razão de agravo de instrumento interposto fora do prazo214.

É interessante ressalvar que a lei fala expressamente que o agravo de instru- mento não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão (art. 4º, § 6º da Lei 8.437/1992). Ora, mas a ausência do recurso demonstra conformismo com o teor da decisão, e a não recorribilidade confere coisa julgada formal à deci- são.

Entretanto, embora se pudesse cogitar de não conhecimento do pedido de sus- pensão em face da ausência de recurso de agravo de instrumento, nota-se que, em tese, é possível o pedido de suspensão mesmo sem ter havido a interposição do agravo de instrumento.

Nota-se que a leitura das normas atinentes a esse incidente, leva-nos a conclu- são de que não é preciso haver recurso em trâmite, simultaneamente ao aforamento do pedido suspensivo no âmbito do tribunal, bastando apenas a previsão de que, um dia, o recurso será a ele dirigido. É isso que se conclui do disposto no §4º do referido art. 4º da Lei 8.437/1992 quando prevê novo pedido de suspensão a ser dirigido ao STJ ou STF, em caso de indeferimento pelo presidente do tribunal a quo. Naquela hipótese não há, de fato, a necessidade de que o recurso extraordinário ou especial já esteja tramitando em uma daquelas cortes superiores, nem sequer tenha é ne- cessário ter o mesmo sido interposto.

De igual modo, caso ao agravo de instrumento seja negado seguimento por vício formal, o pedido de suspensão pode ser apreciado sem nenhum óbice.

Entretanto, o fato da fazenda pública não interpor o recurso cabível para com- bater a decisão que se pretende suspender pode ser levado em consideração pelo presidente do tribunal, e pode depor contra a verificação da gravidade do alegado risco de dano alegado. De fato, se a situação é de tão pequena importância, a ponto

214 Aqui fizemos referência apenas ao recurso de agravo de instrumento, já que em relação aos de-

mais recursos não há que se cogitar do pedido de suspensão, já que eles importariam em trânsito em julgado e impossibilidade de suspensão.

de a fazenda pública deixar de recorrer, dificilmente será ela apta a justificar a con- cessão da suspensão. Claro que essa constatação, como dito, não é impeditiva nem absoluta: situações de ordem fática, só passíveis de vislumbre a cada situação con- creta, podem demonstrar que a ausência ou denegação do recurso de agravo se deu por motivo alheio e justificável, hipótese na qual a suspensão pode ser deferida.

6.1.2Legitimidade para requerer o pedido de suspensão

No que toca à questão da legitimidade, tem-se que são partes legítimas para propor o pedido de suspensão, de um modo geral, as pessoas jurídicas de direito pú- blico interessadas, conforme relacionadas na MP 2180-35, art. 4º, e na Lei 4348/1964. Note-se a expressão interessadas, que significa dizer que essas pes- soas têm de deixar demonstrado o seu interesse no tema colocado em julgamento.

Assim, não poderá o Estado, como exemplo, pedir suspensão de uma decisão que esteja causando lesão à economia do Município, já que este é que seria o de- tentor da legitimidade de, por si, defender seus interesses através do pedido de sus- pensão.

Equiparadas às pessoas de direito público, também detentoras de legitimidade ativa para propor a suspensão, incluem-se as pessoas jurídicas de direito privado que exerçam atividades de interesse público. Exemplo mais comum é o das conces- sionárias de serviço público, que podem propor o incidente de suspensão direta- mente ao Presidente do Tribunal como se fossem entidades de direito público.

Entretanto, tais entidades só agem legitimamente quando atuarem na sincera defesa do interesse público envolvido, e nunca buscando solucionar questões jurídi- cas que só causem importância a si215. Há, portanto, em tais casos, de ser patente o

interesse público, a ser ponderado pelo Presidente quando da apreciação.

215 Assim já decidiu o STJ: “Evidencia-se a ilegitimidade da Brasil Telecom S/A para propor pedido de

suspensão de segurança, tendo em vista que manifesta o intuito de defender interesse próprio, emi- nentemente particular, pretendendo a adjudicação de contrato com órgão público, em igualdade de concorrência com outra concessionária pública, a Embratel”. (AgRG na SS n. 1.277/DF, Rel. Min. Ed- son Vidigal).

Assim é a posição mais recente, e até certo ponto pacífica dos nossos tribu- nais216.

Entretanto, independente de quem seja o autor do pedido de suspensão deve ele ser parte no processo principal, ou, pelo menos, requeira, antes ou simultanea- mente ao aforamento do incidente, a sua participação como assistente, ou como litis- consorte passivo.

Mais recentemente, o atual presidente do STJ, Min. Rafael de Barros Monteiro, a analisar pedido de reconsideração feito na SLS 231, entendeu que determinada empresa concessionária de serviço público não seria parte legítima quando não fos- se parte da ação subjacente. Assim entendeu o referido ministro:

[…] A requerente é parte manifestamente ilegítima para o manejo do inci- dente de Suspensão de Liminar. Não há nos autos notícia de pedido de in- tervenção no feito principal como assistente ou litisconsorte passiva. Assim, não sendo a requerente parte na ação – e à mingua de demonstração de seu interesse jurídico –, não possui legitimidade para recorrer ou para se valer deste incidente217.

Tem-se notícia também, em casos altamente excepcionais, de admissão pelo STJ e STF da propositura de pedido de suspensão por pessoas físicas. Entremen- tes, isso só tem ocorrido em situações fáticas peculiaríssimas, em que tenha se de- monstrado a flagrante ofensa ao interesse público, perpetrada, às vezes, com a tole- rância dos órgãos jurídicos das instâncias ordinárias218. A regra, entretanto, é de não 216 Ver, sobre o tema, o julgado no Resp 50284/SP, relator Min. Peçanha Martins, j. 18.05.1999, DJU

12.06.2000 em que o relator afirma que “[...] as empresas públicas equiparam-se às entidades de di- reito público, quanto à legitimidade para requerer o pedido de suspensão de segurança, bastando es- tar investidas na defesa do interesse público decorrente da delegação”. De igual modo, mais recente, julgado de relatoria do Min. Edson Vidigal, no AgRSS 1277/DF, j. 25.10.2004, DJU 06.12.2004. Am- bos citados por VENTURI, Elton, ob cit., p. 77.

217 AGRgSLS 231, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 24.05.2006, DJU 29.05.2006. Referido entendimento

se coaduna com a opinião de Marcelo Abelha Rodrigues, que disse que “[...] se o terceiro pretende arguir um incidente processual, deve antes, ou simultaneamente, ser admitido como sujeito do pro- cesso para então argüir o incidente processual, quando este seja manifestado por via de questões ou pontos incidentais [...]” RODRIGUES, Marcelo Abelha, ob. cit., p. 65.

218 Cite-se do STJ, por exemplo, a Suspensão de Liminar n. 23/MS, na qual o então Presidente Minis-

tro Nilson Naves vislumbrou a legitimidade para propositura do pedido de suspensão de pessoa físi- ca, que era prefeito de um município do interior do Mato Grosso do Sul, afastado do cargo por segui- das ações de improbidade administrativa ajuizadas pelo Ministério Público. Naquele caso, foi percebi- da a existência de flagrante ofensa ao interesse público. No julgamento do agravo regimental, já sob a presidência do Ministro Edson Vidigal, a decisão concessiva da suspensão foi cassada, mas não por falta de legitimidade, mas por “ausência de pressuposto objetivo do cabimento do pedido”, que era a inocorrência de exaurimento da instância ordinária. Ou seja, a matéria atinente à legitimidade da pessoa física não restou analisada pela Corte Especial daquele Superior Tribunal.

cabimento219 . O STF, por seu turno, já decidiu que “[...] a exemplo do que se decidiu

a propósito da qualificação do Prefeito para requerer a suspensão de segurança que o destituíra (AgRSS 444, RTJ 141/380), o Procurador-Geral junto ao Tribunal de Contas do Estado está legitimado para requerer a suspensão de liminar, confirmada pelo Tribunal de Justiça, que implicou o seu afastamento do exercício da função”220.

Então, como sustenta Elton Venturi221, pedidos com essa peculiaridade devem

ser avaliados e bem ponderados, a fim de evitar-se que sejam concedidos em be- nefício próprio, em detrimento do interesse público.

Além destas pessoas, a lei 8.437/1992 prevê ainda a possibilidade de proposi- tura do requerimento de suspensão pelo Ministério Público, atuando como custo le-

gis. Por outro lado, a lei 4.348/1964, que regula o pedido de suspensão nos manda-

dos de segurança, não indica o parquet no rol de legitimados. Essa seria uma das poucas distinções havida entre as duas normas. Entretanto, ainda assim, por força

das nobres funções que lhe foram conferidas pela Norma Fundamental de 1988222,

este ente possui legitimidade para requerer o pedido de suspensão, ainda que a lei ordinária não o diga expressamente.