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Uma primeira abordagem ao ordenamento jurídico inglês e ao americano levou-nos à constatação de que os dois países, à semelhança de Portugal, possuem conjuntos sistemáticos de normas processuais que visam garantir um processo justo. Referimo-nos às Civil Procedure

Rules 1998 inglesas e às Federal Rules of Civil Procedure americanas, já analisadas nos capítulos

anteriores.

A estrutura do processo nos dois ordenamentos também apresenta similitudes. Grosso modo dividida em três fases, uma primeira de apresentação do caso em tribunal, uma segunda de triagem e organização dos elementos e estádios subsequentes e uma terceira de audiência e julgamento.

Esta configuração estrutural surge nos Principles of Transnacional Civil Procedure238, consagrados pelo UNIDROIT, os quais representam uma estudada e experimentada orientação para a resolução de conflitos comerciais transnacionais, mas também para iniciativas de reforma do processo civil. Referimo-nos ao respetivo princípio 9, onde se lê que o processo, no comum dos casos, deve conter uma primeira fase, preliminar ou dos pedidos, pleading phase, uma fase intermédia e uma fase final, designadas respetivamente por interim e final phases.

O processo civil português autonomiza um quarto momento entre o saneamento e o julgamento, a instrução, na qual se desenvolve a atividade destinada a reunir e a organizar os meios de prova ou a preparar a sua futura utilização239. No entanto existem atos de instrução que têm lugar em outros momentos do processo, como por exemplo a apresentação de prova documental que é feita com os articulados240 (art. 523º CPC) e a prova testemunhal e por confissão que é produzida no julgamento.

No processo inglês, a atividade desenvolvida pelas partes para troca de informações e documentos em momento anterior ao julgamento, a disclosure241, ou mesmo em momento

anterior à instauração da ação quando consagrada através da realização de protocolos, não tem paralelo no ordenamento português. No entanto, as CPR contêm entre as partes 31 a 35, para além da referência à disclosure, o respetivo acervo de normas relativas aos mais variados meios de prova, sendo que a respetiva produção também se opera ou pode operar em fases distintas. Por exemplo a prova testemunhal oral terá lugar na audiência de julgamento, mas a

238 Aprovados pelo American Law Institute e pelo International Institute for the Unification of Private Law, UNIDROIT, 2004. Disponíveis http://www.unidroit.org/english/principles/civilprocedure/main.htm 239 João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, III Volume, p.182.

240 João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, III Volume p.182.

241 Teresa Wambier, em glossário e em nota de tradução, apresenta as expressões discovery e disclosure como sinónimas e com o significado de uma técnica característica da common law, através da qual as partes revelam entre si as provas e as informações de que dispõem, suscetíveis de virem a ser usadas numa futura ação. Neil Andrews refere que disclosure é a designação atual da discovery e que durante o processo principal há uma disclosure de documentos, assim como uma disclosure de dados eletrónicos. Uma vez na ação, é sob a designação de Disclosure and inspection of documents que as CPR identificam a respetiva Secção 31. Neil Andrews, O Moderno Processo Civil, formas judiciais e alternativas de

resolução de conflitos na Inglaterra, tradução de Teresa Arruda Alvim Wambier, 2010, p. 17, 126,127 e

apresentação de depoimentos escritos de testemunhas pode ter lugar em qualquer outra audiência [CPR 32.2(1)(b)].

No processo americano também se desenvolve a atividade designada por discovery em momento anterior à audiência de julgamento, para troca de informações, designadamente através da recolha de depoimentos das testemunhas e das partes que são reduzidos a escrito, bem como para troca de documentos. Mas as testemunhas depõem oralmente na audiência de discussão e julgamento (FRCP Rule 43), assim como aí são exibidos outros meios prova, objetos ou documentos. Mais uma vez a seleção e produção de prova apresenta um posicionamento transversal ao longo do processo, não se traduzindo numa fase específica em termos cronológicos. No entanto as FRCP contêm regras orientadoras da seleção, organização e produção de prova.

No ordenamento americano é conferida grande relevância à prova. Desde 1975 que os tribunais federais e estaduais se regem pelas Rules of Evidence for United States Courts and

Magistrates, se bem que os tribunais estaduais possam seguir as suas próprias regras242. As disposições contidas nas Federal Rules of Evidence respeitam ao tribunal do júri e ao tribunal presidido por juiz, bench trial e pretendem abarcar as questões relativas à admissibilidade da prova, ao regime substantivo, propondo-se garantir o direito fundamental à prova com o fim de apuramento da verdade através de procedimentos justos e adequados243.

Uma vez situados na tramitação do processo inglês e americano é por via de uma aproximação funcional que vamos proceder à comparação do momento intermédio do processo português e dos ordenamentos estrangeiros em referência.

A base da comparação são os atos praticados na fase de saneamento no processo declarativo comum português: despacho pré-saneador; audiência preliminar; e despacho saneador. E ainda quando surgem autonomamente, a seleção da matéria de facto, ato de condensação por excelência244 e a indicação das provas. Através destes cumprem-se as funções em referência na tabela quais sejam: apreciação e suprimento de vícios processuais; convite ao aperfeiçoamento dos articulados; tentativa de conciliação; conhecimento do mérito; fixação dos factos controvertidos; indicação dos meios de prova e sua admissão; e designação da data da audiência final.

Analisadas que foram no capítulo I essas funções, pretendemos agora procurar no ordenamento inglês e americano, se na fase intermédia dos respetivos processos estas funções têm paralelo, se são reveladas na tramitação processual daqueles países.

Pressuposto desta comparação é não tanto a forma dos atos, mas antes o seu conteúdo e finalidade, pelo que para além da forma, vamos procurar nos atos praticados no

242 Frank A. Schubert, Introduction to Law and the Legal System, 2004, p. 175.

243 O texto da Rule 102 das Federal Rules of Evidence, sob a epígrafe Purpose and Construction, é o seguinte: “These rules shall be construed to secure fairness in administration, elimination of unjustifiable

expense and delay, and promotion of growth and development of the law of evidence to the end that the truth may be ascertained and proceedings justly determined.”

244 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1950, Volume III, p. 165.

processo dos dois ordenamentos estrangeiros em referência se alguns apresentam os mesmos objetivos dos praticados na fase de saneamento portuguesa e, em caso afirmativo, como são prosseguidos esses objetivos, as semelhanças e dissemelhanças que possuem.

Para tanto seguimos a seguinte grelha comparativa:245

SANEAMENTO E CONDENSAÇÃO PRÉ SANEADOR AUDIÊNCIA PRELIMINAR SANEADOR P I A P I A P I A

Apreciação e suprimento de vícios processuais

Convite ao aperfeiçoamento

Tentativa de conciliação

Conhecimento do mérito

Fixação dos factos controvertidos

Indicação e admissão dos meios de prova

Designação da data da audiência final

Legendas: Portugal P, Inglaterra I, Estados Unidos da América A