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O Grupo Chapéu de Couro foi fundado em 1983 por dois alunos que permaneceram por muitos anos sob a orientação do Mestre Mulatinho, hoje também

154 mestres, Mario Spack Furtado (Birilo) e José Olimpio Ferreira da Silva (Corisco). Seu espaço de atuação se estabeleceu na Universidade Católica de Pernambuco, sendo incluído no trabalho de extensão universitária, desde o ano de sua fundação. Os professores do grupo também atuavam em outros espaços, como academias, escolas e clubes, mas a universidade se mantinha como sede do seu trabalho.

Na UNICAP o grupo abrigou além de alunos regulares dessa universidade, que optavam pela prática da Capoeira, capoeiristas de várias localidades das cidades da região metropolitana do Recife, principalmente Olinda, Camaragibe e Jaboatão. O grupo sempre manteve com a universidade que o abrigava uma relação dialógica, preservando sua autonomia como coletivo de Capoeira, realizando seus rituais e eventos.

Na década em estudo, o Grupo Chapéu de Couro movimentou a cidade do Recife com suas rodas semanais, sempre as sextas-feiras, as apresentações culturais em vários espaços e com seus eventos, entre eles seminários, festivais, batizados e troca de graduações, que se tornaram espaços educativos para muitos jovens. Nesses eventos circulavam saberes e fazeres que colocavam os capoeiristas como protagonistas das histórias e da cultura brasileira.

Marta Lima Jardim, capoeirista que iniciou no ano de 1986 no Chapéu de Couro comenta, em livro de depoimento de mulheres capoeiristas de Pernambuco, como era a convivência no grupo.

Tínhamos nossos cursos e eventos, rodas na praia, apresentações diversas e até teatro (curso na Arte Viva onde ao final eu, Roger e outros inscritos encenamos uma peça.)

Porém, nenhum desses eventos tinha o peso, a relevância, nenhum causava tamanha emoção quanto participar da Roda da Católica! Quem da época não se lembra com saudade...” (CORDEIRO, 2010, p.33)

“Mestre Birilo e Corisco (descendentes do mestre Mulatinho)... Que dizer dessa parceria?! Cada qual tinha sua forma muito intensa e peculiar de se relacionar com a Capoeira. Ambos também tinham concepções de vida bastante antagônicas, o que levava a freqüentes e infindáveis discussões, em meio às quais ficavam os alunos. Só quem fez parte lembra como eram cansativas e infindáveis algumas reuniões pós-roda. Por outro lado, acho que era exatamente essa diversidade, essa complementação entre as tais fortes personalidades, que proporcionava peculiaridade e certo equilíbrio ao grupo. (Op. Cit, p.34)

O grupo Chapéu de Couro ganhou força na cidade por ser um espaço que reuniu muitos capoeiristas, está num local de visibilidade - a universidade, e pela sua preocupação com a formação. Fez por isso apresentações para várias instituições formais da cidade e teve seus professores convidados a desenvolver trabalhos vinculados a muitas escolinhas

155 de esporte e artes de instituições de ensino, entre elas o Colégio Atual, Boa Viagem, Anchieta, Elo, entre outros.

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157 Nos primeiros anos de atuação o grupo realizou muitas apresentações na própria UNICAP, em seus eventos, como também pela cidade. Nelas mantinham além da roda de Capoeira, uma simulação do uso da luta- alusão aos capoeiras de outrora, apresentação da nomenclatura dos golpes e um pouco de contação das histórias dessa arte.

Essa maneira de se apresentar, já conhecida, pela experiência de Mestre Birilo e Corisco, herdada da linhagem do Mestre Mulatinho, teve no Chapéu de Couro espaço para se multiplicar devido à diversidade dos capoeiristas participantes do grupo. Essa diversidade estava presente não só na condição corporal, mas social e cultural de seus integrantes, o que enriquecia a experiência coletiva. A presença feminina, por exemplo, era uma característica forte do grupo; as mulheres jogavam com muita habilidade, colaborando para afirmar-se no espaço da Capoeira. Como aluna do curso de Educação Física na UFPE, entre 1984-1986, tive oportunidade de assistir algumas apresentações do grupo e me impressionou realmente a participação das mulheres, o que me motivou a fazer parte da Capoeira.

Era visível a preocupação dos professores do Grupo Chapéu de Couro em articular a prática da Capoeira a uma formação histórica cultural, que se explicitava em seus eventos que abrigavam apresentações e falas de pesquisadores e outros brincantes da cultura popular. Além de trazer mensagens e textos situando a participação dos capoeiristas nas histórias do povo brasileiro.

Num folder de apresentação do Batizado de Capoeira: Pernambucando Novamente, em 1988, encontramos uma chamada para apresentações do Passo do Frevo, Maculelê (que no folder está escrito de maneira incorreta, acredito que por erro de digitação), Cantigas de Capoeira, Caboclinhos, Banda de Frevo e um trecho do Diario de Pernambuco de 11 de junho de 1887 que fazia alusão a presença dos capoeiras em Recife.

159 Essas ideias informativas que contribuíam para a formação mais ampla do capoeirista era uma preocupação permanente do Mestre Mulatinho. No inicio da década de 1980 ele criou o periódico O Berimbau; nesse jornalzinho eram veiculados textos e notícias recolhidas de livros, jornais ou elaborados pelo próprio mestre, que também mantinha através de cartas, uma comunicação permanente com capoeiristas do Maranhão (Anselmo Rodrigues – Mestre Sapo), Ceará (Reginaldo Silveira – Mestre Squisito), Bahia (Julio – Mestre Julio Vinte e Nove, José Ferreira Junior – Mestre Geni e Norival de Oliveira - Mestre Nô), São Paulo (Carlos Pereira e Edvaldo dos Santos – Mestre Quebra Ferro), Rio de Janeiro (Humberto Jobim - Mestre Mosquito e Nestor Passos – Mestre Nestor Capoeira) e Brasília (Mestre Zulu).

O jornalzinho que o Mestre Mulatinho organizava, teve algumas edições e contou com a colaboração de sua companheira, Isa Rocha, hoje Mestre Isa e sua cunhada Ione Rocha que era responsável pela parte gráfica do mesmo. No Berimbau a preocupação se situava em manter os capoeiristas do Recife atualizados das notícias da Capoeira no Brasil, assim como enviava para os outros estados, notícias do que era feito aqui pelos capoeiristas.

Assim, seguindo esta linhagem da qual se originam, os capoeiristas responsáveis pelo Grupo Chapéu de Couro incentivavam e realizavam constantemente encontros e seminários para os integrantes do grupo. Os capoeiristas mais velhos ficavam responsáveis por apresentar para o grupo às descobertas encontradas nas pesquisas. Em 1989, na quadra do bloco A da UNICAP se realizou o “I Seminário sobre Capoeira Regional Bahiana do Mestre Bimba” e coube a Ricardo Dias de Sousa Pires, Mago, a pesquisa e apresentação do mesmo.

Nesse evento, como nos conta o hoje Mestre Mago, em entrevista cedida para esse estudo, foi possível apresentar a história de vida do Mestre Bimba e seu método de ensino. As informações ainda incipientes na cidade traziam uma síntese do que se escrevia e se falava no Brasil sobre a Capoeira Regional, principalmente veiculado pelos discípulos Raimundo Alves de Almeida – Mestre Itapuan e Eziquiel Martins – Mestre Eziquiel, com quem os capoeiristas do Chapéu de Couro tiveram a oportunidade de dialogar nesse período, principalmente pela participação dos mesmos nos Jogos Escolares Brasileiros que manteve na década de 1980 a modalidade Capoeira em seu rol de esportes participantes.

160 No seminário referido, nos conta o Mestre Mago, que elaborou uma apostila, na qual copilou partes dos escritos do livro Perfil do Mestre, de Mestre Itapuan, que nessa época, ainda era de pouco acesso entre os capoeiristas de Recife, apresentando especificidades da Capoeira Regional em suas histórias e na forma de se ensinar e aprender essa modalidade de Capoeira.

Essas experiências alimentavam a alma dos capoeiristas e os fortaleciam em seus ambientes sociais. Nas escolas em que os professores do Chapéu de Couro atuavam, eles puderam ajudar a construir outros olhares para a compreensão da história - disciplina formal do currículo escolar. Uma das questões mais recorrentes nas narrativas ligadas aos capoeiras do Recife, do século XIX e início do século XX, era sua ligação à vagabundagem e ao banditismo. Esses espaços educativos da Capoeira nas escolas colaboraram para desconstruir essa imagem e as perspectivas preconceituosas e discriminatórias ligadas a ela. Problematizar o sentido da vadiagem era um norte dos trabalhos.

Mesmo com informações recolhidas na época, somente das pesquisas folclóricas e crônicas policiais, os capoeiristas pelas suas vivências no movimento cultural da cidade, conseguiram aproximar e apresentar os capoeiras em outros lugares sociais, em suas redes de sociabilidades. A percepção de desordeiros e bandidos atribuída pelos documentos era entendida como status a eles atribuídos, fruto dos processos de exclusão social do povo pobre e principalmente dos negros no Brasil.

Essas ressignificações, ligadas às experiências históricas dos capoeiristas, abriram espaços para a comunidade da Capoeira se firmar como sabedora de suas histórias, sentindo orgulho de fazer parte de uma expressão que é símbolo de um processo de resistência cultural. Foi por isso que o Chapéu de Couro recebia em seus eventos, brincantes de diversos grupos de frevo, maracatu e caboclinho da cidade, entre outras expressões. Dialogando com eles estabeleciam as ligações e referências dessas práticas com a Capoeira e os capoeiristas.

De certo que nos eventos, o frevo ganhava espaço maior dentre essas outras manifestações culturais, uma vez que era sabido pelos capoeiristas, que a sua expressão coreográfica estava ligada a forte presença dos capoeiras de outrora nos desfiles das bandas militares. Os capoeiristas do Chapéu de Couro estreitaram tanto os laços de amizade entre

161 os passistas da cidade, que junto com eles participaram de muitas apresentações artísticas e das festas carnavalescas.

Com essas iniciativas o grupo Chapéu de Couro, na década de 1980, contribuiu muito para fazer com que os capoeiristas conhecessem e dançassem o passo do frevo. Por consequência disso acabou sendo chamado para apresentações em hotéis e espaços de turismo. Essa participação também colaborava com o intercâmbio dos capoeiristas com outros grupos culturais. Muitos começaram a participar desses grupos e tiveram a oportunidade de viajar para fora do país. Alguns deles firmaram morada fora do Brasil, por causa de seus saberes desenvolvidos nessas experiências coletivas.