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O Centro de Educação e Cultura Daruê Malungo foi fundado em 1988 por Gilson Santana – Mestre Meia Noite, Vilma Carijó e familiares. Originário do Grupo de Capoeira do Mestre Meia Noite, o centro manteve em suas formas de atuação o sentido de resistência cultural dessa prática, ampliado e reafirmando sua ligação com vários outros elementos da cultura negra.

Mestre Meia Noite iniciou seu contato com a Capoeira na escola básica como autodidata junto a outros amigos, mas foi com Mestre Zumbi Bahia que desenvolveu seu percurso nessa arte, criando seu próprio grupo. Segundo Mestre Meia Noite, em entrevista cedida ao Projeto Recordança e veiculada em seu site, no Daruê se

... desenvolve todas as aptidões culturais, que a gente chama assim do B, A, BÁ das raízes culturais. Aonde a expressão da dança e a percussividade a gente leva em consideração para uma disciplina maior educacional. A metodologia é bastante vivenciada de acordo com o ABC das raízes culturais, que é o A de atabaque, B de berimbau e C de capoeira. E aí vai caminhando e tá até hoje passando essas mensagens de filosofia.

Situado em Chão de Estrelas, comunidade pobre do bairro de Campina do Barreto, zona norte do Recife, o Daruê ajudou a tirar várias gerações de crianças e jovens das drogas, do banditismo e da prostituição. Mantendo-se em toda sua trajetória como um Quilombo Urbano, espaço, no dizer do Mestre Meia Noite, para construir vivências e não apenas sobrevivências. Para ele, depois de viajar o mundo representando a cultura brasileira através de sua participação como dançarino do Balé Popular do Recife, teve a preocupação de ter um espaço para desenvolver uma perspectiva de vida, um horizonte

162 para crianças e jovens de sua comunidade. Mas para isso ele disse que era preciso ensiná- los a aprender a viver, e para viver era preciso “... aprender a ler, escrever, desenhar, praticar, vivenciar.” E descreve para o Recordança

No chão de terra batida no final da Rua Passarela, em Chão de Estrelas, foi instalado um dos mais importantes centros de manutenção da cultura afro- brasileira e danças populares do país. Local onde se originou uma parte dos percussionistas da banda pernambucana Nação Zumbi, reconhecida mundialmente pela crítica especializada internacional, o Centro Cultural Daruê Malungo comemora dez anos de existência abrigando 120 crianças e adolescentes entre 3 e 18 anos de idade. Lá, os alunos dispõem de aulas gratuitas de pré-escolar e alfabetização. O diferencial da entidade está na importância dada à contribuição da raça negra na formação do povo brasileiro. No salão decorado com imagens de divindades africanas e ícones da história de luta do povo negro, como o cantor jamaicano Bob Marley e o líder Zumbi dos Palmares, chefe do maior quilombo do Brasil escravocrata, os alunos têm aula de canto, dança e percussão.

Os nomes Daruê e Malungo são dois termos da língua ioruba e significam juntos companheiros de luta. Em 1988 quando o Daruê começou possuía apenas um pequeno galpão, construído num terreno que o Mestre Meia Noite recebeu de herança de seu pai. Depois esse espaço foi crescendo fisicamente e em suas atividades. Hoje vive do trabalho e da luta de seus gestores, de várias pessoas da comunidade, de doações e de conquistas financeiras, através dos editais das políticas públicas.

É possível perceber, observando as aulas, que a ênfase na forma de aprender no Daruê estava e ainda está ligada às formas tradicionais da cultura negra, baseadas na transmissão oral e na vivência dos gestos das expressões culturais. Por isso a presença do mestre, professor, do mais antigo é muito importante para passar essas tradições. As aulas acontecem como oficinas, nas quais se constroem coletivamente os processos e produtos culturais.

Segundo Adriana Faria Gheres (1994), que estudou a educação no Daruê, através de seu trabalho de dissertação apresentado no Programa de Pós Graduação em Educação na UFPE, este centro aparece no cenário da cidade do Recife como um local de educação popular, no qual o aprendizado está centrado no exercício do "direito de fala". O que permitiu a seus partícipes uma permanente reinvenção e construção da realidade.

Esse ideário do Daruê atraiu vários nomes da cena cultural pernambucana, que nas décadas de 1990 e nos anos 2000 tiveram seu espaço como lócus para diversas experimentações artísticas. Antonio Nóbrega, Chico Science e Nação Zumbi, Lamento

163 Negro, Otto e Via Sat são apenas alguns dos artistas e grupos que passaram por essa escola.

O Daruê e seus integrantes, participantes dos Movimentos Negros da cidade, representaram em muitos desses espaços a Capoeira de Recife, que para o Mestre Meia Noite, na entrevista ao Recordança é um jogo e como tal, não somente de pernas e braços.

É um jogo mental. Como um drible de um jogador de futebol. Como todo jogo, um jogo de dominó, um jogo de xadrez, não é? Uma jogada de pensamento. Esse jogo de raciocínio e de reflexão tem de ser bem estruturado, porque senão, se der um vacilo, vai criar um outro sentimento.

A estruturação da Capoeira no Daruê se dá pela via de sua inserção no universo da cultura negra, numa relação que ao mesmo tempo singulariza e situa sua prática. Todo o aprendizado do centro relaciona-se com a Capoeira e seus sujeitos. Os cantos, os ritmos e os instrumentos da Capoeira são conhecidos em suas histórias e em suas singularidades.

Os capoeiristas participantes do Daruê estendem para seus ambientes de trabalho e lazer muitos dos preceitos aprendidos nesse espaço, sempre enaltecendo a importância de sua existência. Essa experiência foi levada para o ambiente formal de ensino, na Escola Arco Íris na década de 1980, quando o Mestre Meia Noite era professor dessa instituição e trabalhava com os segmentos de ensino, hoje chamados de educação infantil e ensino fundamental primeira etapa. Como a escola possuía uma pedagogia crítica que valorizava a cultura local foi possível se estender a esse ambiente e público os aprendizados desse centro cultural, com o qual a escola manteve e ainda mantém estreita relação.