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CIÊnCIA e poLÍtICA nA oBrA De pIerre BoUrDIeU

2. Grupo Focal: dimensão teórica

Pretende-se, neste exame da dimensão teórica, apresentar os funda- mentos históricos do surgimento do GF, apresentando a sua evolução ao longo dos anos, os seus aspectos conceituais e epistemológicos e os princi- pais pontos de convergência e divergência encontrados na literatura.

2.1 Perspectiva histórica

Observa-se na literatura que, entre os principais autores, não há um entendimento a respeito do surgimento do método de pesquisa, porém,

segundo Stewart e Shamdasani (1990), acredita-se que as primeiras práti- cas do método ocorreram em 1941, no Office of Radio Research, da Colum- bia University, quando Paul Lazersfeld foi convidado por Robert Merton30 para auxiliá-lo na avaliação das respostas de ouvintes de um programa de rádio como parte de um estudo realizado com um grupo de pessoas sobre determinado tema de interesse.

Naquela época, o GF era conhecido por focussed interviews. Entre os ouvintes dos programas de rádio, eram selecionados os participantes para discutir um tema central de interesse definido pela Columbia Universi- ty. O moderador que conduzia o grupo estimulava os participantes com questões e eles respondiam pressionando um botão verde ou vermelho. O botão verde representava concordância, e o vermelho, discordância. As respostas eram cronometradas e, ao final da sessão, os participantes co- mentavam e discutiam as razões para suas respostas (STEWART; SHAM- DASANI, 1990; MERTON; KENDALL, 1946).

O método foi utilizado por Merton logo após a Segunda Guerra Mundial na United States Army Information and Education Division na avaliação dos treinamentos das tropas americanas, principalmente para identificar se os treinamentos eram eficientes em levantar o moral das tro- pas em combate de guerra (MERTON; KENDALL, 1946). Essa experiên- cia resultou na publicação de um artigo sobre a utilização da metodologia e, posteriormente, no lançamento de um livro com o mesmo título The

focused interview (MERTON; KENDALL, 1946; MERTON; FISKE; KE-

NDALL, 1956). Os resultados de pesquisas realizadas tendo como funda- mento a utilização da metodologia focussed group, principalmente no final da Segunda Grande Guerra e, depois, na Columbia University, formaram a base de um dos livros clássicos sobre persuasão e influência da mídia de massa, intitulado Mass Persuasion (MERTON; FISKE; CURTIS, 1946).

Mais tarde, Merton adaptou o método para utilização em entrevistas individuais. A opção pela modalidade coletiva ou individual dependia das necessidades do pesquisador, que alterava procedimentos segundo os ob- jetivos do focussed group.

A despeito do entusiasmo prematuro, o GF, como método de pes- quisa, parecia que iria cair no esquecimento no meio acadêmico, porém a comunidade de pesquisa em marketing abraçou essa abordagem meto- dológica. Impulsionados pelo crescimento dos negócios no pós-guerra, os 30 Há divergências quanto a esse aspecto. Para alguns autores, Robert Merton intro- duziu Paul Lazersfeld no contexto do surgimento do método, porém outros autores de- fendem que foi Lazersfeld quem introduziu Merton na utilização do GF. Para aprofund- ar o assunto, verificar Merton e Kendall (1946) e Morgan (2010).

pesquisadores de marketing viram-se encarregados de encontrar respostas para tornar os seus produtos mais atrativos para clientes potenciais. Nesse sentido, o GF apresentou-se como o método adequado para manter con- tato direto com os clientes, cumprindo um duplo papel: de explorar as necessidades e identificar atitudes deles (MORGAN, 2010).

Segundo Morgan (2010), a partir dos anos 1980, o método reapare- ceu na comunidade acadêmica e tem sido utilizado em pesquisas que se propõem a entender atitudes e comportamentos das pessoas no ambiente organizacional, sobretudo mediante a perspectiva de pesquisa qualitativa.

No contexto atual, o GF teve a sua utilização disseminada entre pes- quisadores das ciências sociais aplicadas, que o articulam com outros métodos de pesquisa, sejam qualitativos (estudos de caso, pesquisa-ação, história oral) e/ou quantitativos (survey), por meio de diferentes aborda- gens (exploratório, clínico, fenomenológico) e mídias (internet on-line e

off-line, telefone), contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento

científico e metodológico sob a abordagem qualitativa nas ciências sociais (COWLEY, 2000; CALDER, 1977; STEWART; SHAMDASANI, 1990; WELLNER, 2003; AGAN et al., 2008; BRÜGGEN; WILLEMS, 2008).

2.2 Aspectos conceituais

O GF é um dos métodos de pesquisa qualitativa utilizados em ciências sociais aplicadas (GASKELL, 2002; CRESWELL, 2007), sobretudo em pes- quisas na área de marketing (COWLEY, 2000; CALDER, 1977; AGAN et al., 2008; BRÜGGEN; WILLEMS, 2009; WELLNER, 2003). Mesmo sendo bas- tante utilizado nessa área, a definição do método não tem sido muito pre- cisa, fazendo-se necessário rever alguns aspectos conceituais relativos a ele. O GF consiste em um método de pesquisa qualitativa, aplicado por meio de entrevista, cujos participantes são um grupo de pessoas que dis- cute e interage entre si sob a supervisão e condução de um moderador, ten- do como objeto de estudo uma temática central de interesse (STEWART; SHAMDASANI, 1990).

Morgan (1997) também defende que como método de pesquisa qua- litativa, o GF é basicamente um procedimento de entrevista em grupo, porém não no sentido da relação de perguntas e respostas, em que o pes- quisador pergunta e os participantes respondem. Em vez disso, a relação entre moderador/pesquisador e participantes é de interação, baseada em tópicos (temática de interesse) que são alimentados pelo moderador ao longo da sessão. A característica do GF é seu uso explícito da interação do

grupo para produzir dados, informações e introspecções, os quais, sem ela, certamente não seriam tão acessíveis.

Outra definição é a de Krueger e Casey (2000), que consideram o GF como um tipo especial de grupo em termos de proposta, tamanho, compo- sição e procedimentos. A proposta do GF é listar e coletar informações. É o caminho para o melhor entendimento de como as pessoas pensam e sentem a respeito de diversos aspectos da vida cotidiana (por exemplo, as relações de gênero estabelecidas em empresas familiares ou as representações sociais sobre preconceito) ou, ainda, acerca de produtos e serviços. Os participantes são selecionados por determinadas características comuns (homogeneida- de), que lhes permitem contribuir para o tema de interesse abordado no GF. Em outra abordagem, Templeton (1994) define GF como sendo, em sua essência, uma pequena comunidade temporária formada para uma proposta colaborativa e empreendida para a descoberta. Sua constituição é baseada na discussão conjunta de algum tema de interesse pelos partici- pantes, cuja atuação no grupo é compensada por alguma forma de recom- pensa, que pode ser remuneração direta, vantagens ou benefícios.

Analisando esses aspectos conceituais apresentados, sugere-se uma perspectiva integradora, em que o GF consista em uma interação social entre participantes, selecionados de acordo com características predefini- das e orientadas para o objetivo da pesquisa qualitativa sob a coordenação de um moderador para levantamento de opiniões, sentimentos, percep- ções, comportamentos acerca de temática específica, podendo alcançar tanto o consenso quanto o dissenso.

Numa perspectiva mais pragmática e operacional, Morgan e Spanish (1984) afirmam que o GF consiste em registrar, por meio de vídeo ou áu- dio, a discussão em pequenos grupos que exploram tópicos selecionados pelo pesquisador, com duração de aproximadamente duas horas. A dis- cussão dos participantes do GF é usualmente conduzida por um modera- dor, que geralmente é o próprio pesquisador. Os dados coletados durante as sessões são analisados qualitativamente.

No aspecto tamanho do grupo, observam-se também divergências entre os autores. Stewart e Shamdasani (1990) indicam que o GF deve ter entre oito e doze pessoas, já Gaskell (2002) e Krueger e Casey (2000) recomendam um número de seis a oito pessoas. Morgan (1997), diferente- mente, afirma ser possível realizar Grupos Focais com tamanhos menores e maiores, de quatro até vinte participantes.

Grupos muito grandes ou muito pequenos, como os apresentados por Morgan (1997), têm certas desvantagens. A desvantagem de um grupo com

número maior de pessoas é a possibilidade de alguém não encontrar espa- ço para falar, o que modifica a dinâmica do grupo. Nesse caso, pode haver conversas paralelas durante o GF, uma vez que alguém procure, na tentati- va de expor a sua experiência, conversar com a pessoa ao seu lado. No caso de grupos menores, também chamados minigrupos focais, a desvantagem está em se obter um número limitado de experiências. Um número menor de pessoas, contudo, pode deixar os participantes à vontade para expor com mais detalhes as suas experiências (KRUEGER; CASEY, 2000).

A questão da temática discutida no GF também apresenta divergências. Enquanto Templeton (1994) defende que o tema seja de interesse comum entre os participantes (pesquisador, moderador e participantes), Stewart e Shamdasani (1990), Morgan (1997) e Gaskell (2002) enfatizam que é o pes- quisador o principal interessado na temática. Segundo eles, o moderador e participantes apresentam-se para discutir as suas vivências e experiências sobre a temática, fornecendo os dados que serão analisados e interpretados pelo pesquisador mediante a abordagem teórica escolhida por ele.

Por último, mas não menos importante, a questão da recompensa. Re- compensar os participantes que participam de um GF pode ser interessante, porém corre-se o risco de comprometer a espontaneidade da participação. Para Templeton (1994), oferecer algum tipo de vantagem ou benefício ao participante não é um problema, mas o interesse pelo benefício pode se tor- nar maior do que o interesse em discutir e colaborar com a pesquisa em si. Das perspectivas conceituais apresentadas é possível inferir que alguns aspectos são convergentes e outros não. De um lado, parece haver consenso entre os autores que o GF está relacionado à interação temporária de um grupo de pessoas coordenadas por um moderador para discutir assuntos específicos. De outro, os autores não apresentam um consenso em relação ao tamanho do grupo, à questão dos assuntos discutidos e às recompensas.

A seguir, apresenta-se a dimensão metodológica, e alguns desses as- pectos serão retomados e analisados em termos das implicações para a operacionalização do GF.