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4 DA MARCHA FÚNEBRE DO LUTO À RETUMBANTE MARCHA DA LUTA: UMA TRILHA CONSTRUÍDA DE

4.3 MODELOS DE RE-EXISTÊNCIA POSSÍVEIS

4.3.4 Grupo Pela Vida: A voz das mães de Salvador

Buscarei neste tópico, tecer considerações sobre a experiência de um grupo de mulheres/mães de Salvador, o Grupo Pela Vida, permitindo-me a refletir sobre o meu enredamento com o grupo no curso da pesquisa. Necessário se faz manter a perspectiva de que nenhuma experiência se constrói de forma isolada, mas é sempre precedida de representações, memórias, imagens,

pressupostos, etc. A afirmativa não diz respeito apenas o fato de estar o grupo inserido num contexto de notícias sobre coletivização das lutas das mães ou por integrar uma rede de relações que aproxima experiências de coletivos. A afirmativa diz respeito principalmente às memórias ancestrais sobre lutas, conforme pontuei no início deste capítulo. Diz respeito a memórias sobre os processos de “aquilombação”, sobre as estratégias que as mulheres negras arriscavam adotar para preservar as suas vidas e as vidas de suas famílias. Diz respeito às associações religiosas que se constituíram numa tradição nas religiões de matrizes africanas, nas quais, como já tratado, as mulheres assumiam papéis sociais importantes.

A minha aproximação com o grupo ocorreu através do Centro de Defesa da Criança, o CEDECA-BA 55quando, por intermédio de Nzinga, assistente social, tomei conhecimento da sua existência. Para além da importante função pela qual responde na Organização, a de Coordenadora Social, Nzinga ocupa um lugar simbólico de grande valor nas relações com mães e familiares atendidos na Organização. A visita ao CEDECA e conversa com Nzinga inauguraram um novo trecho no caminho da “pedrinhagem”, me inseriram no complexo universo de mulheres/mães que, integram, ou, em algum momento, integraram o grupo. No primeiro capítulo deste trabalho citei trechos da conversa que marcou o nosso primeiro encontro no qual ela me oferece uma perspectiva para leituras sobre as experiências das mulheres/mães de Salvador, vitimadas pela violência. Até então a trilha pelas experiências das mulheres de Salvador me levavam apenas ao encontro das mães atendidas no Projeto Consolação, experiência descrita no primeiro capítulo. O diálogo que estabeleço com Nzinga no nosso segundo encontro é conduzido pela sua perspectiva sobre o movimento coletivo ou a luta das mulheres. No trecho a seguir ela expressa a angústia que lhe levou a buscar, na experiência de outros movimentos, elementos que se agregassem à experiência do Grupo pela Vida que, em alguns momentos, se confunde com a própria experiência do CEDECA:

[...]a dificuldade que era lidar com essas mães, lidar com situação de sofrimento delas. Então eu recorri, inclusive às próprias redes sociais. Você mesmo como pesquisadora percebeu a dificuldade que é encontrar material. Então eu fui para as redes sociais, que é o local onde você tem um grupo ali militante, no seu espaço e que vem lutando de alguma forma, mas sem nenhuma expressão. E eu queria

55 Os CEDECAS, Centros de Defesa da Criança, são uma referência no enfrentamento às violências contra a

saber o que eles estavam fazendo fora, então busquei muito isso. Percebia que era algo muito frágil, que era algo muito parecido com o que o CEDECA-BA vinha fazendo. Porque é como se estivéssemos sempre iniciando o trabalho, sempre iniciando. Porque, como eu tenho oito anos na instituição, eu fui estagiária aqui, então eu vi eu vi pais entrando, pais saindo, pais adoecendo, fugindo da militância. Porque é como se você fizesse feito o racha mesmo, tipo: “ eu não acredito na justiça, a justiça é para poucos, não é para mim, não adianta eu ficar lutando cinco dez anos porque não vai dar em nada não acredito que vai dar em nada. Então eu ouvi isso há muitos anos atrás, e ouço isso hoje também. Então, acredito por causa disso essa militância ainda está sendo construída56. E não podemos desistir.

Dói? Dói. Todos os dias chegar. Eu digo pra você que estou fragilizada no sentido de que, é como se todos os dias você tivesse todo aquele trabalho, colocado mais de dez pessoas numa reunião. Aí você pergunta, e daí? Paro ou continuo? Então a militância vai se esvaziando, eu percebo muito isso (Entrevista concedida no CEDECA- BA, Salvador. 19 de outubro de 2017).

Trazer a esta reflexão a experiência do Grupo pela Vida, significa falar das diferentes tessituras que compõem a natureza desses movimentos. Isso inclui refletir sobre antagonismos: esvaziamentos, desgastes, recolhimentos, silêncios, ao mesmo tempo, resistência, determinação, acúmulo de conhecimentos, etc. Do que nos fala o depoimento de Nzinga? Os engendramentos entre o grupo de mães e organizações, as inter-relações, permitem compreender que tais movimentos podem ser fomentados ou incubados pelas organizações que continuam a disponibilizar ferramentas para o empoderamento das mulheres e familiares. Os sentimentos que compõem a trajetória da luta, entretanto, são adversos e até mesmo a busca pelos aprendizados de outros grupos não se configurou como inspirador. A narrativa confirma as percepções sobre os permanentes tensionamentos da luta, muito presentes nos termos: fugindo da militância, a militância se esvaziando, e coloca como pano de fundo os sentimentos de exclusão em relação ao projeto de justiça. A ênfase na afirmação de que a luta ainda está sendo construída converge com o que defende Valdecir Nascimento, coordenadora do Instituto Odara, em trecho citado de entrevista, sobre o que representa a visibilidade da luta.

No trecho seguinte, Nzinga discorre sobre a origem e formação do Grupo pela Vida:

O Grupo pela vida surge com aquele desejo de querer justiça, de fazer com que aquela população que está sendo dizimada, ela não venha a ser assassinada. Só que chega um momento em que ela perde o fôlego. Porque, você não é visto, você vai pra rua, você é julgado por estar ali na rua, sua própria família, ela não coopera com você, O Grupo pela

56 O grifo diz respeito à ênfase que foi dada na pronúncia da palavra: uma alteração de ritmo e tom que

vida vai construindo esse desejo, de mudança, de revolução. O grupo nasceu em 1990. O CEDECA inicia a sua ação como movimento social, a partir dos casos de homicídio que acontecem em Salvador. Então vem um grupo, que não são brasileiros, junto com alguns baianos, se unem e fazem uma pesquisa, começam a andar pela cidade pesquisando e começam a perceber que os jovens estavam sendo muito assassinados. E diante disso eles dizem: vamos fazer uma ONG pra proteger essas pessoas? Só que depois começam a perceber que, enquanto os meninos estavam sendo assassinados, as meninas eram vítimas de violência sexual. Então o CEDECA-BA nasce nesse bojo aí. Inclusive, você percebe que 1990 é um momento de toda uma ruptura, da questão da Constituição, então é todo um movimento ali em que nascem os movimentos sociais no Brasil e o CEDECA também é um deles. E o Grupo pela Vida, que não era ainda o Grupo pela Vida, consistia numa equipe de advogados e uma assistente social que davam assistências às famílias, para que as famílias fossem acompanhadas. Mas não era um grupo em si, eles faziam atendimento. Só que no momento em que todo esse material nosso foi perdido. Eles criaram o Grupo pela Vida, que eu acredito que já tenha dez anos. Porque quando eu entrei, já existia o Grupo pela Vida. Só que a casa onde era o CEDECA, o imóvel foi demolido. E muitos materiais foram perdidos, não tivemos como recuperar. Mas nasce exatamente disso: O grupo tem esse tempo, mas o CEDECA sempre atuou contra o homicídio, primeiramente. Então esse grupo é o tempo todo meio que tímido. Tem algumas pessoas que vêm atuando mais de frente e outras que estão mais acuadas, com medo, receio. Que é uma dificuldade também de nós avançarmos na busca da justiça (Entrevista concedida no CEDECA, Salvador. 19 de outubro de 2017).

A narrativa situa os surgimentos, tanto do CEDECA, quanto do grupo, histórias que se entrelaçam, num contexto histórico de discussão sobre direitos humanos. Mais uma vez parece dialogar com os argumentos de Valdecir Nascimento: provocações feitas pelo Movimento Negro buscavam instaurar o debate sobre políticas de segurança e romper o silêncio sobre a criminalidade de jovens negros. Ao apontar para duas vertentes: a diferenciação entre CEDECA e Grupo pela Vida e ao mesmo tempo uma permanência, uma contínua participação na construção do grupo, a narrativa traz ao debate questões que dizem respeito às implicações entre grupos e organizações. As estratégias organizacionais de motivação e de formação do movimento aparecem como mecanismo de sustentação do grupo, sem ameaçar o protagonismo das mães, mas revelando a delicadeza das construções de papéis nos diferentes níveis de participação.

É nesta esteira de debates que Queiti Batista Moreira Oliveira (2008) busca explorar a natureza das relações com a militância e para isso recorre às contribuições teóricas de Coimbra e Nascimento que propõem, à análise institucional, a aplicação de dois conceitos: implicação e “sobreimplicação”. A implicação é definida como “um nó de relações, sempre presente na pesquisa- intervenção.” (OLIVEIRA, Q., 2008, p. 88). Já a “sobreimplicação” se define

pela dificuldade de realização da análise, visto que ela toma como referência um único objeto, ou um único nível, impedindo que outras dimensões sejam pensadas. A “sobreimplicação”, segundo os autores, está muito presente nas práticas de militância, atravessadas por sentimentos de onipotência, que geram a desqualificação e frustração. (OLIVEIRA, Q., 2008, p. 89). Sob a perspectiva das ferramentas teóricas oferecidas pelos autores, tento descrever o meu percurso de investigação e as minhas relações com o movimento na condição de pesquisadora/ativista, interessada em atender ao chamado sem perder de vista as linhas que definem os lugares.

Durante o processo da pesquisa transitei por diferentes cenas que compõem a trajetória do grupo, tanto por cenas públicas, quando mães e familiares formam um corpo coletivo para enfrentar o imprevisível, seja nas manifestações de ruas ou num evento público, ou nos espaços mais intimistas, como reuniões internas, conversas nos chats do grupo de WhatsApp, momentos informais após eventos, etc. A permanência nestes espaços implica na adoção dos mesmos códigos e linguagens, seja nas situações de enfrentamento ao público, ou no compartilhar do afeto, da solidariedade, da contenção das emoções por meio de abraços e outros signos. Como traduzem Adriana Vianna e Juliana Farias:

Estar presente em situações em que estes coletivos são postos em cena é acompanhar e atuar através de gramáticas e linguagens corporais dos afetos, tanto em termos das emoções que são tematizadas e dramatizadas - a indignação, a dor da perda, a saudade, a revolta com o que parece ser descaso alheio - quanto das relações prévias que dão sentido à participação na luta (VIANNA; FARIAS, 2011, p. 84).

As autoras tematizam, com muita lucidez, a experiência de ser parte do coletivo na condição de pesquisadora, reflexão que se impõe como parte da análise sobre as complexidades dos coletivos. Os textos que trago em seguida são fragmentos de conversas dos registros do diário de campo que relatam experiências da minha condição de participante do “grupo fechado de bate papo” em redes sociais e, como desdobramento, a minha participação em reunião de planejamento de um ato público. Como passei a integrar o chat do Grupo pela Vida, o grupo de mulheres/mães de Salvador automaticamente tornei-me participante potencial da agenda de atividades, reuniões de planejamento, ocupando um lugar fronteiriço que me fazia implicada com a dor e com o compromisso de “nunca abandoná-las” como me alertou, certa feita,

uma de suas integrantes. A advertência foi feita durante uma dinâmica de grupo, prática comum ao final das reuniões e eventos, pela integrante que, ao chamar a atenção para os danos produzidos pelo abandono de algumas pessoas que se aproximam do movimento, me falou de forma incisiva que, uma vez constituídos laços, eles nunca deveriam ser rompidos, pondo-me de frente com um compromisso que ultrapassa a pesquisa.

A chamada da integrante/mãe me informa sobre lugar para o qual não há definições muito objetivas, sem perder o time, entretanto, com minha gestualidade, um aceno, acolhimento através da linguagem corporal, performatizo a total aceitação deste lugar, seguindo os mesmos ritos em harmonia com as demais. As autoras Adriana Vianna e Juliana Farias (2011) enfrentam o debate sobre os enredamentos que, enquanto pesquisadoras, nos permitimos e que nos fazem atuar com gramáticas corporais de afetos, que vão desde abraços até segurar um cartaz que porta o rosto de um filho. Somos convocadas a partilhar sentimentos e a assumir coletivamente uma maternidade que é quase sinônimo de luta, sem perder de vista a linha que nos separa da realidade cotidiana da perda. Dizer sim ao chamado enquanto nos inserimos na unidade que se apresenta como um corpo coletivo dando materialidade à luta, significa, todavia, não ultrapassar fronteiras, conforme descrevem as autoras: “trafegando por cenas várias vamos sendo chamados a nos colocar como parte desses corpos coletivos, sem que nunca, porém, cisões, deixem de estar à vista” (VIANNA; FARIAS, 2011, p.85). A análise das autoras fundamente-se nas práticas comuns nos eventos que têm como objetivo marcar ou distinguir as pessoas que foram marcadas pela perda. Embora seja notória uma distinção entre sujeitos que demarca a linha de fronteira e que nunca será ultrapassada, distinção que faz com que as mulheres vitimadas se reconheçam e se compreendam através de pequenos símbolos, a solidariedade é, segundo as autoras, valorizada, “porém não estabelece o mesmo tipo de vínculo. ” (p.85). Trechos extraídos do diário de campo, citados a seguir, produzem reflexões sobre os enredamentos entre pesquisa e militância. Participar das reuniões de planejamento me coloca como testemunha de um processo de formação que se faz continuamente, em cada encontro.

Assim cheguei à reunião de planejamento da “vigília”, uma proposta nova concebida no mesmo período em eu que realizava a pesquisa. Trata-se de um ato público semelhante ao modelo que vem sendo adotado por outros grupos de mães, conforme já citado, nos quais são

expostas as fotografias dos filhos enquanto as mulheres pronunciam os seus discursos. As conversas sobre o ato público já aconteciam previamente no chat quando as integrantes mais animadas buscavam, por meio de mensagens e lembretes, manter o grupo motivado para esta atividade, tentando evitar o esvaziamento. No chat, as conversas são marcadas por alternância entre sentimentos de muita dor e saudade e momentos de tentativas de manter um certo nível de vibração, quando há riquíssimas trocas e aprendizados a respeito do lidar com a tristeza, mantendo a esperança de justiça. A reunião tinha como principal pauta o planejamento do ato, que consiste numa concentração na escadaria da Basílica do Terreiro de Jesus (no centro de Salvador), com o objetivo de chamar a atenção para a violência policial contra a juventude e tornar visíveis os crimes que ficaram impunes, através da exposição de faixas, fotos e de pronunciamentos e depoimentos ao microfone (Diário de campo, reunião no CRIA, Salvador. 21 de maio de 2017).

É necessário, para fundamentar a reflexão, retomar a afirmativa de Vilma Reis, quando, durante entrevista já citada, nos traz a informação de que 96% dos crimes praticados por policiais ficam impunes. Identifiquei, durante a pesquisa, apenas três casos, entre integrantes do Grupo pela Vida, cujos crimes já haviam sido julgados, cujos autores sofreram condenação. Um dos condenados, entretanto, responde em liberdade. O encontro de planejamento do grupo me proporciona um mergulho num universo de informações sobre trâmites dos processos:

Chegando ao local da reunião logo encontrei Acotirene acompanhada de outra mãe que lhe dava apoio nas enormes escadas do casarão antigo, tendo em vista a sua dificuldade de locomoção, consequência da doença reumática. Entramos na sala onde uma mesa com lanches, café, bolo, biscoitos, etc e várias cadeiras já haviam sido organizados. Ali já se encontrava a equipe do CEDECA além de mais algumas mães. Logo em seguida chegou um casal jovem, os mais novos integrantes do grupo: há poucos meses atrás foram vitimados com a perda de sua filha, de seis anos, atingida por uma bala disparada por um policial quando se encontrava na varanda de sua casa.

Assim que sentamos Acotirene, dirigindo-se a um representante do CEDECA, afirmou: vou aproveitar para adiantar um assunto antes que a reunião se inicie. Enquanto o representante do CEDECA sentava-se ao seu lado ela continuou: “O caso de Rafael57 está

esquecido. Teve aquele momento em que todo mundo falava e lembrava. E agora caiu no esquecimento. Não se fala mais neste caso. E nós já sabemos como é que as coisas funcionam. Se não fazemos o movimento os casos vão caindo no esquecimento. No primeiro momento o caso tem atenção de todos, da mídia, das pessoas. Depois a família fica esquecida.”

Enquanto a conversa prosseguia, ela fez referência um outro caso também muito recente. As lembranças, histórias e sujeitos se misturavam na mesma conversa que tinha como objetivo principal uma provocação sobre os silenciamentos e invisibilidades que captam alguns casos. Em alguns momentos Acotirene volta o seu olhar para

57 O caso de Rafael havia há pouco tempo ocupado notícias nas mídias, televisão, jornal e nas redes sociais.

O adolescente foi assassinado no pomar de uma famoso restaurante porque colhia frutas. O segurança do restaurante disparou a arma contra o adolescente

mim, num gesto como que querendo me iniciar nas estratégias e sutilezas que permeiam este universo, e me explica que, o primeiro momento é sempre de muita euforia e de muito alarde, mas que, depois de algum tempo, as famílias se recolhem, a mídia silencia, e o caso vai caindo no esquecimento. Algumas informações e comentários sobre os casos citados vão surgindo nas vozes de alguns participantes. Surge, por parte da representante do CEDECA, uma proposta de encaminhamento: uma visita a uma família vitimada por um dos casos citados. Ela lembra o quanto foi importante para o casal ali presente a visita que eles receberam e o quanto isto foi determinante para um comportamento mais ativo.

Enquanto faz uso da palavra para concordar com o que foi dito, o senhor, pai da criança assassinada, comunica que tem uma importante informação a compartilhar: narra que recebeu em sua casa os peritos para fazerem a restituição do crime. Logo compreendi que o fato já era de conhecimento da grande maioria dos presentes, pois que haviam se falado por telefone na ocasião da visita dos peritos, tendo inclusive o orientado sobre como agir. Neste momento o tema da reconstituição do crime ocupa a centralidade da pauta e, tanto mães, quanto a equipe técnica estabelecem um diálogo com o pai presente chamando a atenção para diversos detalhes. Durante a narrativa e diálogos vão ficando evidentes importantes elementos que integraram, tanto o fato em si, o crime, quanto o momento da reconstituição. Ao afirmar que os policiais envolvidos no caso participaram da simulação, inclusive o responsável por alvejar a criança, o senhor denuncia o argumento que a polícia busca sustentar: a ideia de que havia um outro elemento presente que alvejou a criança. Ele resgata, entretanto, fatos que aconteciam no dia do crime, a forte chuva e a preocupação da mãe com a filha na varanda, e critica a tentativa por parte dos policiais de acusarem um sujeito fictício. Enquanto eu tento compreender a cena, as hipóteses, os sentimentos, as pessoas presentes já avançaram na discussão sobre a tese da PM apontando as suas fragilidades e absurdos, apresentando contra-argumentos.

Me chama atenção a rapidez de pensamento e agilidade nos comentários e argumentações trazidos pelos participantes. Acotirene em especial, evidencia muita maturidade, domínio e fundamento em relação às questões que surgem. Ela alerta para vários detalhes, como por exemplo, o fato de que o caso ocorrerá em dois inquéritos, o policial ou militar, e o outro administrativo, por se tratar de servidor público. Ela completa dizendo que o último, o administrativo, é interno. Lembra ainda que poderá ser solicitada a perícia do Estado, caso o juiz julgue necessário. A linguagem técnica tão bem manejada pelas pessoas ali presentes para mim representa uma novidade e sigo na tentativa de aprender e compreender os processos que se repetem a