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Capítulo 4. Delinear estratégias

4.2 Pesquisa longitudinal

4.2.3 Grupos de foco

Os grupos de foco, que também podem ser identificados como grupos focais e grupos de discussão focalizada, têm uma história muito enraizada no âm- bito das pesquisas de mercado e nos estudos médicos e nos últimos anos têm tido uma maior importância na pesquisa social, sendo esta a que nos interessa e a que daremos atenção. Os grupos de foco não são entrevistas coletivas. É necessário que exista interação entre os participantes para que haja grupo de foco. Tem de haver diálogo entre os participantes, e o existente entre o moderador e os participantes serve apenas para lançar os temas ou conduzir o grupo de foco (Kitzinger, 2004a: 174; Kitzinger & Farquhar, 1999: 156; Berg, 2001: 125; Deacon, Pickering, Golding & Murdock, 2002: 65). Jenny Kitzin- ger considera que o diálogo entre participantes permite o estudo das respostas em interação, das negociações, das dinâmicas. Os grupos de foco, prossegue, servem ainda para estar alerta para a fala, piadas, anedotas, entre outros, que vão surgindo da interação. Além disso, é dada a oportunidade para se per- ceber os discursos privados sobre os media e os discursos públicos (2004a: 174-175). Kitzinger argumenta que a interação é crucial, com perguntas que podem ser feitas uns aos outros e eventualmente reconsiderar os seus pontos de vista. Porém, não nos esqueçamos de que os grupos de foco poderão não ser fontes de empoderamento para todos os participantes, especialmente os mais envergonhados. É precisamente neste ponto fulcral que se diferenciam das conversas coletivas, pois os grupos de foco pressupõem uma atividade entre os participantes e não apenas entre participantes e moderador. Os gru- pos de foco devem promover a conversa e a deliberação (Puchta & Potter, 2004: 17).

Na última fase da pesquisa, realizaram-se dois tipos de grupos de foco: tradicionais (1.º, 3.º e 5.º)66e participatórios (2.º, 4.º e 6.º)67. Iremos apresen- tá-los por esta ordem em vez de seguirmos a cronológica. Nesta fase já se esperava uma quebra acentuada dos participantes, dada a dificuldade de conci- liar diferentes agendas num mesmo horário. Depois de anotadas as diferentes disponibilidades tivemos de criar grupos exequíveis, com um número mínimo para prevenir eventuais lacunas, fazendo com que os primeiros três grupos de foco tradicionais tivessem cinco participantes cada.

A estrutura efetiva destes grupos de foco iniciais obedeceu a critérios pre- definidos. Pensando as questões da confidencialidade, com que nos tínhamos comprometido, optámos por que eles mesmos se apresentassem uns aos ou- tros, permitindo que revelassem o que desejassem. Os métodos são meios para nos relacionarmos com as audiências, estabelecer confiança com as pessoas pesquisadas, criar conexões de forma ética, respeitando o que estava definido desde o início.

Verificámos que, em alguns casos, houve retração na divulgação inicial de informações pessoais e que alguns deles só a meio da sessão é que reve- laram a que partido pertenciam. Pelo contrário, houve outras apresentações pormenorizadas de atividades e dos motivos pelos quais tinham sido escolhi- dos para participar na investigação. Alguns dos participantes disseram que as suas identidades poderiam ser reveladas publicamente, sem problema.

Sendo este estudo longitudinal, colocámos questões das entrevistas pre- cedentes e introduzimos critérios de novidade tentando corresponder às mu- danças que o país atravessava e que se consubstanciaram num ano de intensas manifestações e eleições. Foi explicado a todos antes de iniciarmos o grupo de foco quais os temas e como se processaria a discussão. Quanto aos te- mas, incidimos nas notícias, na participação, em questões de género e nas emoções. Quanto ao processo, foram apresentados grupos de fotografias, es- palhados pela mesa, sendo pedido que escolhessem dois ou três conjuntos e que justificassem a escolha e a não escolha. Com este processo conseguimos que falassem de todos os temas.

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GF1=Grupo de Foco1; GF3=Grupo de Foco3; GF5=Grupo de Foco5.

O primeiro grupo de foco68 foi realizado em setembro por conveniência das estruturas do bairro, apesar de a nossa intenção ser agendar todos os gru- pos de foco para outubro e novembro. A técnica também participou e, de acordo com o que tínhamos conversado previamente, colocou perguntas sem- pre que achou oportuno. Além dos cinco participantes iniciais, outro infor- mante do bairro quis participar, mas como não podia ir ao primeiro grupo de foco isso inviabilizava a presença no segundo, destinado a discutir os traba- lhos que fizessem. Foi proposto que participasse num dos grupos de foco de fora do bairro, mas o jovem recusou.

A conjugação de diversas fotografias serviu o propósito de passar pelos temas já enunciados (notícias, na participação, em questões de género e nas emoções): através dos comentários às fotografias selecionadas e não selecio- nadas conseguimos chegar ao pretendido, que discutissem entre si.

Enquanto as entrevistas foram mais aprofundadas e sistematizadas e per- mitiram, pelo seu uso em duas fases, evidenciar opiniões e práticas em termos individuais, já os grupos de foco permitiram aceder a diálogos importantes para a investigação, designadamente sobre consumo de notícias e opiniões sobre racismo, estratégias de intervenção social e de campanha, sobre mani- festações e media. Os grupos de foco também levantam maiores cuidados em relação aos informantes. O maior problema surgiu quando, a meio, uma das raparigas (grupo de foco 1) levantou a necessidade de ter de sair para ir para um treino de futebol, o que fez com que começássemos a “acelerar” a reunião e a perder alguma da riqueza das conversas que se estabeleciam.

Em síntese, como pudemos verificar, nem todos os 35 entrevistados inici- ais mostraram a mesma autonomia de mobilidade geográfica para correspon- derem às exigências da investigação. A falta de capacidade financeira para se deslocarem e ainda a falta de vontade de entrarem em geografias que es- capam a rotinas que tornam os locais efetivamente seguros são motivos de afastamento, apesar de não serem exclusivamente estes.

Apenas em outubro/novembro de 2011 realizámos os restantes grupos de foco tradicionais69, com a presença de alguns dos informantes mais participa- tivos dos partidos e da escola 2. Um dos grupos (o quinto, realizado a uma

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No grupo de foco 1 participaram a Rute, a Beatriz, o Vasco e o Dino, todos pertencentes ao perfil 1, mas também a Manuela, que pertence ao perfil 3.

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Estes grupos de foco (3 a 6) realizaram-se na FPCEUP. No 3 e no 4 contámos com a colaboração de um investigador da faculdade que interveio quando achou necessário.

sábado) decorreu de forma bastante tensa e até algo agressiva em termos ver- bais por discordâncias políticas acentuadas. Como referimos, os grupos de foco foram criados de acordo com as disponibilidades e não de acordo com a junção de determinados elementos. Isso fez com que quatro dos participan- tes da escola 2 ficassem dois a dois em cada um dos grupos de foco, o que possibilitou criar dinâmicas e pontes entre os grupos, dada a amizade que ha- via entre eles. No grupo de foco 370, participaram duas raparigas da escola 2 e três elementos de partidos políticos (uma rapariga da direita, um rapaz da esquerda e um rapaz do centro/esquerda).

Os grupos de foco 571e 6 reuniram-se aos sábados, por proposta dos infor- mantes72, com agendas preenchidas, incluíam uma rapariga de centro/esquer- da, um rapaz e uma rapariga de esquerda, e dois rapazes da escola 2. Neste grupo houve bastante tensão, nomeadamente entre a rapariga de esquerda e a rapariga de centro/esquerda e um dos jovens da escola 2, que era de cen- tro/direita.

No final dos três grupos de foco tradicionais (1.º, 3.º e 5.º), pedimos para fazerem entrevistas a jovens de cerca de 14-21 anos sobre um ou dois tópicos do grupo de foco e que depois levassem o material para reflexão conjunta no grupo de foco participatório que se seguia ao tradicional. Esta atividade não só pretendia aferir o tipo que questões colocadas mas também processos de empoderamento e de autonomia (ainda que exploratórios) que poderiam ser constituídos durante o processo. Esta opção constituiu ainda uma forma de favorecer a participação dos jovens na investigação, por isso mesmo estes grupos de foco (2.º, 4.º e 6.º) foram identificados como participatórios. Não se pretendia que apenas dessem opinião ou fizessem descritivos de ação sobre um tema, mas que também contribuíssem de forma ativa na investigação.

O grupo de foco participatório realizado em setembro no bairro73teve a presença de três dos cinco participantes anteriores. Desistiu um dos rapazes, que durante muito tempo também não apareceu no Centro, e uma jovem que

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No grupo de foco 3, estiveram presentes a Anita e Carminho (perfil 2), bem como o Joaquim, a Estela e o Lito (perfil 4).

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No grupo de foco 5, participaram o Rui, o Carlos, a Carla e a Natércia (perfil 4) e o Teodoro (perfil 2).

72A entrevista 1 com a Natércia, por exemplo, foi feita num dia feriado para evitar a agenda

ocupada.

se tinha envolvido numa discussão sobre racismo durante o primeiro grupo de foco, na qual quase se assumira como racista, o que poderá ter contribuído para a ausência no segundo grupo de foco, bem como o facto de lhes ter sido pedido para fazerem o estudo exploratório, que pressupunha mais trabalho e maior envolvimento.

O segundo74 grupo de foco participatório (denominado de 4.º) foi feito com quatro elementos (uma jovem de direita, um de centro/esquerda e as duas da escola 2, tendo faltado um rapaz, que avisou atempadamente) e decorreu de modo calmo e até consensual. O sexto75e último grupo de foco participatório foi constituído pela jovem de centro-esquerda, o rapaz de centro-direita e o elemento de esquerda que tinha falhado o grupo de foco participatório ante- rior, acabando assim por criar ligações entre os dois grupos de foco. Ou seja, acabou por cruzar alguns dos assuntos que tinham sido debatidos no primeiro grupo em que marcou presença. De anotar ainda que neste grupo de foco 6 deveriam ter participados dois jovens de esquerda, o que não aconteceu. No caso da jovem que disse que não queria continuar na investigação e participar no grupo de foco 6 isso poderá ter tido que ver com o facto de o grupo de foco 5, no qual esteve presente, ter sido muito tenso e terem ocorrido desentendi- mentos de cariz ideológico algo exacerbados entre ela e outra participante.

4.3 Constituição do corpus, caracterização dos contextos

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