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Ainda assim é de anotar que nos anos 2000, as manifestações e propostas dos alunos passam a incluir um ideário: o (possível) poder dos alunos nas esco- las. Ou seja, até aqui as manifestações centraram-se em problemas concretos, ligados às propinas, a provas que eram consideradas incoerentes, a questões ligadas a financiamento; agora surgiam novas necessidades.

Este movimento aparenta ser também mais reivindicativo do que os anteriores. Se os alunos protestam contra várias medidas a ser implementadas, eles exigem fundamentalmente o direito a parti- cipar, a ser reconhecidos enquanto atores e cidadãos, e o direito a terem um ensino de qualidade, com condições materiais e hu- manas adequadas, além do cumprimento da legislação já exis- tente, como, por exemplo, no caso da educação sexual(Seixas, 2005: 202 e 203; itálico nosso).

O movimento contra a Política Educativa e Revisão Curricular no final da década de 90 e início da primeira década de 2000 “apresenta uma dimensão mais axiológica tendo como mote geral a defesa de um ensino público, de qua- lidade e universal, visando a construção de uma escola e sociedade melhores”

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Viria a ser aprovado em 2001, ainda com os socialistas, e suspenso em 2002 com os sociais-democratas, que iniciaram um novo processo de reorganização curricular, aprovada em 2004 (Seixas, 2005: 194).

(Seixas, 2005: 202). São vários os temas da base do protesto: a revisão curri- cular, a existência de provas globais, a educação sexual na escola, os numerus clausus, os recursos humanos e materiais escolares e o Estatuto do Aluno (no básico e no secundário), aprovado pela Lei n.º 30/2002, de 20 de dezembro.

Apesar de a reivindicação da educação sexual ter sido relevante nestes protestos, não chegou a ser conseguida até hoje, por exemplo, a sua inclusão como disciplina curricular, apesar de legislada através da Lei n.º 60/2009 de 6 de agosto.

Entre 2008 e 201028, o Estatuto do Aluno voltou a estar em debate e ori- ginou manifestações estudantis29. O n.º 2 do artigo 22.º do Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pela Lei n.º 3/2008, de 18 de ja- neiro, relativamente às faltas justificadas (em especial por doença) abria cami- nho para que os alunos do 1.º ciclo ao secundário tivessem de fazer uma prova e pudessem ser chumbados na sequência de faltas por doença.

Esta situação esteve na base de manifestações locais e nacionais, de greves às aulas e do fecho de escolas a cadeado ao longo de todo o ano, com o apoio de pais e professores. Em novembro de 2008 realizou-se uma manifestação nacional com milhares de alunos a saírem às ruas por todo o país. O Estatuto do Aluno era um dos pontos de desacordo, mas a necessidade de educação sexual e de melhoria de condições das escolas constituíram motes dos protes-

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Alguns dos nossos entrevistados referiram-se ao estatuto do aluno embora nem todos esti- vessem contra o mesmo. O Carlos, o Dário, a Natércia, o Rui, a Estela e o Júnior participaram nessas manifestações. A Natércia, por exemplo, deu conta de uma representação muito posi- tiva desse espetro coletivo de participação: “As minhas [ações de participação], isoladamente, não; mas as minhas com 500 pessoas atrás, sim. Estou-me a lembrar de muitas coisas, falo muitas vezes da educação porque é a minha área de intervenção, mas estou-me a lembrar das últimas manifestações. As alterações ao estatuto do aluno foram fruto da luta, minha e de mais 29 mil e 999 que estivemos na rua.”(Natércia, E1). Já o Carlos evidenciou uma visão mais negativa da sua própria participação: “No caso das manifestações participei para ver como era e pareceu-me que fazia sentido manifestar-me[Estatuto do Aluno], fui à Avenida dos Aliados. Mas não teve o impacto que deveria ter, era tudo uma brincadeira. Este ano já houve manifestações, este ano não fui”(Carlos, E1). O Lito referiu-se ao facto de a legislação ser tão complicada que não é de admirar que os alunos não conheçam o estatuto.

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Em 2008, foi aplicada a Lei n.º 3/2008 de 18 de janeiro que estabeleceu a primeira altera- ção à Lei n.º 30/2002, de 20 de dezembro, que aprova o Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário; a 2008-03-18 foi feita a Declaração de Retificação n.º 12/2008 e ainda em março saiu o Despacho n.º 30265/2008 que visava clarificar os termos de aplicação do disposto no Estatuto do Aluno. Em 2010-09-02, a Lei n.º 39/2010 procedia à segunda alteração ao Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário.

tos. Através de um despacho de 16 de novembro desse ano, o Ministério da Educação pretendeu clarificar os termos de aplicação do Estatuto do Aluno, relativamente às faltas justificadas (especialmente por doença). A ideia, ao longo dos meses em que o tema dominou a agenda dos media, é que este esta- tuto reforçou a autoridade escolar por oposição à autodeterminação do aluno, apesar dos protestos30.

Há ainda mecanismos que são reclamados pelos jovens, apesar de consi- derarem que as escolas nem sempre os usam. São mecanismos mais teóricos do que efetivos em temos de exercício de poder. Por exemplo, as assembleias de escola são compostas por alunos do “ensino secundário, sem prejuízo da possibilidade de participação dos trabalhadores-estudantes que frequentam o ensino básico recorrente” (Decreto-Lei n.º 115-A/98 de 4 de maio). A legisla- ção também se aplica a casos em que nas escolas onde não haja representação dos alunos “o regulamento interno poderá estabelecer a forma de participação dos alunos sem direito a voto, nomeadamente através das respetivas associa- ções de estudantes” (Decreto-Lei n.º 115-A/98 de 4 de maio).

Os discursos dos participantes no estudo atestam a ideia de que só em ca- sos excecionais é que os jovens sentem que a legislação tem uma aplicação prática, mesmo quando não são questionados sobre isso mesmo. “. . . repre- sento as associações de estudantes dos alunos de Gondomar, no Conselho de Educação, até agora só tivemos uma reunião. Mas não é muito relevante para os jovens. Na reunião em que participei só consegui intervir numa coisa”(Tâ- nia, E131); “Eu uma vez fui falar com o Conselho Diretivo e não adiantou de nada” (Estela, E1). A marca da exceção materializou-se na voz de um dos jovens entrevistados: “Importa. Eu tenho uma ótima relação com o Conselho Diretivo, com os funcionários. Estou no Conselho Geral da Escola, gostam que eu esteja lá. Tenho um grande apoio dos professores e do Conselho Di- retivo. As minhas opiniões são discutidas e são válidas. Almoço muitas vezes com o diretor da escola a discutir assuntos”(Lito, E1).

Um dos temas recorrentes ao longo dos anos é a discussão em torno da antecipação da idade de voto para os 16 anos32 e ainda a possibilidade de os jovens dos anos 2000 terem ideais políticos menos vincados face aos adultos. Os temas vão sendo recorrentes na imprensa, em especial nos últimos anos.

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Público online, 27 de abril de 2010.

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E1=Entrevista1, realizada em 2010.

O politólogo Pedro Magalhães referia no Público33: “Há boas razões para a inclusão política de menores de 18 anos. Estudos mostram que, a partir dos 15 anos, os jovens deixam de conceptualizar o sistema político como um mero somatório de ‘serviços’ estatais e passam a usar raciocínios políticos abstra- tos e de longo prazo.” Pedro Magalhães considera, no mesmo artigo, que uma “das explicações para a alta abstenção dos jovens está precisamente ligada à idade tardia em que se procede à mobilização pelo voto, ou seja, quando já abandonaram a escolaridade obrigatória e deixaram de ser uma audiência ca- tiva de programas de educação cívica.” António José Seguro34, que foi líder da Juventude Socialista, considera-se o “‘pai da antecipação do direito de voto’ em Portugal”. A ideia surgiu em 1991, quando era líder da JS. O assunto é recorrente. Ainda em 2010 voltou a estar na agenda: JSD junta-se ao BE para defender voto aos 16 anos35.

As ações de participação dentro das escolas por vezes têm pouca visibi- lidade mediática, mas há exceções. Como veremos, é sobretudo o insólito que dá visibilidade mediática às manifestações nas escolas (exemplo dos jo- vens do bairro que se manifestaram na escola secundária por causa de uma alegada discriminação a um dos funcionários). A 16 de outubro de 2009, o Liceu Camões, em Lisboa, comemorou 100 anos e deslocaram-se políticos (e ex-alunos) à escola, como Cavaco Silva, enquanto Presidente da República. Um dos alunos, Pedro Feijó (tornou-se presidente da AE e aderiu ao Bloco de Esquerda), aproveitou a ocasião para fazer um discurso em prol da liberdade na escola, criticou as políticas de Maria de Lurdes Rodrigues, então ministra da Educação, que também estava presente, mostrou de forma pública o des- contentamento face ao Estatuto do Aluno, que já referenciamos atrás, e devido à presença de jornalistas e de figuras públicas o assunto entrou na agenda dos media, como é este exemplo da revista do Expresso36.

Em termos históricos, as organizações políticas de juventude foram uma criação do sistema político que saiu do 25 de Abril. Mas há exceções, pois apesar de ter aparecido formalmente em 1979, a Juventude Comunista Por- tuguesa resultou da unificação da União dos Estudantes Comunistas (UEC),

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27 de fevereiro de 2001, Três observações sobre a redução da idade de voto.

34Público, 2 de agosto de 2007: Será que os mais novos deveriam votar? 35

Público, 29 de novembro de 2010.

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Revista Única, 30 de janeiro de 2010, reportagem sobre jovens ativistas (Juventude Irre- quieta), pp. 36-43.

criada no tempo da ditadura, em 1972, e da União da Juventude Comunista (UJC), de 1975. O mesmo aconteceu com a (Juventude Socialista) JS, que derivou de jovens que intervinham sobretudo a nível estudantil universitário (Cruz, 1990: 224). A JS é herdeira dos grupos de intervenção política integra- dos por jovens ligados à Acção Socialista Portuguesa (ASP) e ao Partido Soci- alista que atuavam, sobretudo, a nível estudantil e universitário. Neste ponto, parece-nos importante anotar que as juventudes partidárias ou jovens afetos a partidos políticos continuam a ter alguma relevância nas escolas. As juventu- des partidárias emancipam-se das estruturas partidárias e os próprios slogans partidários aproximam-se de um ideário de juventude, como a campanha de Mário Soares à presidência: “Soares é fixe”. As campanhas passaram tam- bém a recorrer a grupos rock para captar os novos eleitores37(Vieira, 2000b: 125). Nos anos 80, os jovens começam a ser influenciados pelos movimentos ambientalistas e de globalização e são criados encontros sobre o ambiente e sua preservação. A política começa a alargar-se38.

Conforme já indicámos, os anos 80 e inícios de 90 constituíram bases para a filiação dos jovens nas juventudes partidárias, que conquistaram autonomia. Essa autonomia evidenciava, contudo, o reverso da medalha: o facto de se estar numa juventude partidária não significa que se consiga passar para o partido (Cruz, 1995: 372-373). “As organizações partidárias de juventude foram criadas pelos partidos ou à sombra deles, como forma de implantação

37Essa tendência de utilizar de diversas formas os jovens ou a ideia de juventude em cam-

panhas eleitorais decorre, de resto, até aos nossos dias (Brites, 2010a).

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Este movimento global pelos direitos humanos torna-se ainda mais evidente na década seguinte. Nos anos 90 ocorreu uma série de manifestações um pouco por todo o mundo em contestação às regras do comércio mundial e ao grupo dos mais ricos (como a de outubro de 1993, que juntou mais de 500 mil pessoas em Bangalore, na Índia). A 18 de junho de 1999, em Colónia, na Alemanha, e a 30 de novembro de 1999 (Seattle, EUA), por ocasião da ci- meira da Organização Mundial do Comércio (OMC), iniciaram-se as ações antiglobalização, as manifestações da Ação Global dos Povos. Nas manifestações juntavam-se anarquistas, an- timilitaristas, católicos, comércio justo, movimentos de camponeses, ecologistas, feministas, media, organizações não governamentais, pacifistas, sindicalistas, entre outros. Em Portugal, as primeiras manifestações mais emblemáticas ocorreram em novembro de 1999 e em setem- bro de 2000.

junto das juventudes” (Cruz, 1995: 373). Há uma implícita subordinação das juventudes aos partidos39, inclusive a nível ideológico (1995: 374).

Fora do debate político mais estreito, mas no âmago da participação juve- nil, destacam-se ainda formas de participação mais alternativas. Poderiam ser enumeradas diversas formas, mas tendo em conta os objetivos de relação entre o trabalho de campo e a revisão de literatura, já identificados, iremos centrar atenção no hip-hop e no graffiti, que podem também constituir elementos im- portantes de participação política. O sociólogo José Alberto Simões (2006: 343-344), na sua tese de doutoramento, e decorrendo das entrevistas que rea- lizou nesse âmbito, identifica quatro fases do hip-hop português: 1.ª – início dos anos 80 ao início dos 90, tem que ver com os primeiros contactos com esta cultura (através do breakdance) e o desenvolvimento do “movimento” hip-hop, com a primeira geração de Master of Ceremony (MC), DJ e writers (criadores de graffiti). 2.ª – consolidação do movimento e aumento do seu mediatismo; 3.ª – retração da visibilidade do movimento e o seu desenvolvi- mento underground; 4.ª – teve início por volta de 2000 com a consolidação do movimento no mercado discográfico independente e crescimento do graffiti e do breakdance.

Em 1993 a divulgação do hip-hop conheceu um novo alento com o pri- meiro programa dedicado exclusivamente ao rap, Novo Rap Jovem, na Rádio Energia. Em 1996, o rap passa também a ter uma ligação à política tradicio- nal, com os hinos das campanhas eleitorais de Jorge Sampaio e Cavaco Silva para as eleições presidenciais, respetivamente, a contarem com a participação de Boss AC e de Jessy J e Tony, do grupo Zona Dread.

A mudança de milénio afigura “um novo momento para o hip-hop nacio- nal. Tanto a nível de graffiti como a nível musical, emerge uma nova geração de praticantes que se afirma um pouco por todo o país” (Simões, 2006: 354), deixando de estar sobretudo centrado nas zonas de Lisboa, Porto, Viseu e Co- vilhã. Importante destacar que em 2001 uma das iniciativas mais importantes na ligação à comunidade começa a ter lugar no Seixal, com o apoio da câmara. Nesse mesmo ano, o Instituto Português da Juventude, a Porto 2001 – Capi- tal Europeia da Cultura e outras entidades contribuíram para a divulgação dos graffiti. No Porto, durante os Executivos de Rui Rio, a câmara empenhou-se

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Por isso mesmo, ficou conhecida a insubordinação de Passos Coelho quando era líder da JSD junto de Cavaco Silva (quando era primeiro-ministro), a propósito do aumento das propinas no ensino superior (Drago, 2004: 254).

em evitar a proliferação dos graffiti. A autarquia justificou essa necessidade de travar os graffiti com o investimento com a importância da promoção do turismo40. Estas ações contribuíram para uma mediatização negativa desta forma de arte41, mas também para uma contestação civil em relação às opções do edil.

Os graffiti adquiriram também um determinado estatuto decorrente, por exemplo, do surgimento de nomes como Banksy – pseudónimo de um writer de origem britânica. Em Lisboa um graffito (da autoria dos irmãos brasileiros Os Gémeos, do italiano Blu e do espanhol Sam3) num prédio devoluto na Avenida Fontes Pereira de Melo foi colocado pelo The Guardian no top 10 dos melhores trabalhos de arte urbana do mundo42.

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