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Grupos escultóricos da Sagrada Família 1 Sagrada Família de Rendufe

No documento O Retábulo no Espaço Ibero-Americano (páginas 75-79)

transferências e assimilações

5. Grupos escultóricos da Sagrada Família 1 Sagrada Família de Rendufe

Na segunda metade do séc. XVIII, um grupo escultórico da Sagrada Família foi executado para a igreja do Mosteiro de Santo André em Rendufe para ser colocado, numa maquineta envidraçada a condizer, na banqueta do altar da Capela de São João Baptista (primeira do lado do Evangelho) (Fig. 4). Em nenhum dos suportes arquivísticos existentes, limitados aos Estados deste mosteiro beneditino e entre os quais faltam os Estados de 1749 e 1758, se encontrou menção ao referido conjunto [Smith, 1981]. As características rococó da imagem e do seu próprio escrínio deixam supor que terão sido encomendas na segunda metade do século XVIII. A decoração relevada com plumeado e Chinoiseries que os finaliza, que lembra fortemente a policromia deslumbrante da estátua de Santa Ida existente em Tibães, aponta novamente para as duas décadas de 1760 e 1770 [Le Gac, 1999: 70-72]. Dada a exposição desta Sagrada Família dentro da banqueta do altar, mas também as conscientes interferências visuais geradas entre o padrão decorativo do interior da maquineta e a policromia luxuriante de detalhes das pequenas figuras, a peça miniatural e intimista, de uma insuspeitável beleza, corre o risco de passar despercebida ao observador menos atento. Robert Smith [Rendufe, 1981] não fala dela.

Fig. 4 - Sagrada Família

Grupo escultórico setecentista (1760-1780?) da Capela de São João Baptista, na igreja do Mosteiro de Santo André em Rendufe. Alt. 34,5 cm x Larg. 42,5 cm.

5.2. Sagrada Família do Rio de Janeiro

A igreja do mosteiro do Rio de Janeiro conta também uma obra de idêntica temática (Fig. 5), originalmente inserida na Capela de São Mauro, mais especificamente, na peanha do santo titular, seu orago. Pouco se sabe a seu respeito mas é igualmente datada do século XVIII37. Tendo o retábulo sido refeito entre 1766 e 1770, durante o terceiro triénio do Abade Fr. Francisco de São José, a Sagrada Família data talvez do triénio seguinte, entre 1770 e 1772, quando foram feitas as «tres urnas em talha dourada para os altares de São Blaise, Nosso Pai São Mauro e São Gaetano» [Rocha, 1992: 61], com o objetivo de conterem imagens [Silva- Nigra, 1950: Fig. 103]. Em 1976, a Professora Véra Regina Lemos Forman atribuiu esta

Sagrada Famíliaa Simão da Cunha [Rocha, 1992: 61]. Havendo sido deslocado para a antiga «casa da libraria» (biblioteca) do mosteiro, o conhecimento que temos deste grupo escultórico do Rio de Janeiro baseia-se unicamente na visualização de reproduções a preto e branco, inclusivé na obra de D. Mateus Ramalho Rocha [Rocha, 1992: 61].

Fig. 5 - Sagrada Família.

Grupo escultórico setecentista (1770-1772?) da Capela de São Mauro, na igreja do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro. Alt 48 cm x Larg. 46 cm.

(Fotografia de Humberto Moraes Franceschi & Nelson Rivera Monteiro / Lúmen Christi RJ, 1992)

5.3. Grupos escultóricos da Sagrada Família - Comparação

As duas obras miniaturais em apreço não são a estrita cópia uma da outra, mas poderiam confundir-se pelas suas muitas parecenças – pedestal pontuados de pedras facetadas, alinhamento das pequenas figuras e respetiva orientação espacial, indumentária (com chapéus setecentistas), motivos têxteis e bastões de caminhantes. As suas dimensões seriam muitíssimo próximas em altura e largura (Figs. 4-5), não fosse a árvore que se ergue atrás do Menino no grupo carioca modificar a perceção geral da obra. Onde os volumes são mais incisivos, angulosos e delicados na Sagrada Família de Rendufe, são mais sinuosos e algo imponentes na do Rio de Janeiro. Enquanto a policromia de Rendufe, baseada numa técnica relevada de minúsculos ornatos em cera pintados à mão e dourados [Le Gac, 1999: 71], ostenta um extremo requinte, a policromia do Rio de Janeiro cinge-se à técnica tradicional do estofado. A análise

RETÁBULOS E IMAGENS DOS MOSTEIROS BENEDITINOS DE TIBÃES E DO RIO DE JANEIRO […]

iconológica destas representações mostra que a de Rendufe é mais erudita, apartando a figura de S. José das figuras doutrinais da Virgem e do Menino Jesus pelo facto de S. José não segurar a mão da Criança; sem contudo deixar de reforçar o equilíbrio parental "Maria-José", pela hábil simetria dos elementos esvoaçantes da sua roupagem. Não há dúvidas que uma mesma traça da

Sagrada Famíliacirculou entre os dois templos, embora sem recursos documentais para afirmar qual dos dois mosteiros foi o primeiro a mandar realizar a imagem. A importância que assumiram certas encomendas à Metrópole, como a da Nossa Senhora da Conceição, em 1747, para a igreja do Rio de Janeiro [Silva-Nigra, 1950: Doc. 54, 98*], leva a supor que a Congregação Beneditina de Portugal terá sido a instigadora também neste tipo de produção. Com a ressalva que o critério de anterioridade nem sempre se firma na qualidade artística, recorde-se que a delicadeza dos acabamentos, conforme já se viu, depende sempre e intimamente das condições da encomenda e dos talentos dos executantes – o imaginário e o pintor-dourador – que a concretizam.

Conclusão

No seio da Ordem de São Bento, cuja expansão no Brasil foi realizada já sob o auspício de Tibães desde 1575, as obras aqui postas em confronto e as transferências do Portugal para o Brasil que algumas evidenciam, tocam necessariamente numa questão identitária. Nos séculos XVII e XVIII, época de assimilações de tendências artísticas e de redes de valores oriundas da Europa, as manifestações barrocas e as obras de arte sacra ficaram duravelmente marcadas nos mosteiros beneditinos, quer de Tibães e de Rendufe, quer do Rio de Janeiro, pela conjuntura político-económica do Antigo Regime e pelos ideais da Contra-reforma. Até ao último quartel do século XVIII, no contexto do Catolicismo Triunfante pós-tridentino que, no Novo Mundo, também ditou os preceitos a seguir nos interiores sacros (a que não escaparam os espaços monásticos beneditinos), é difícil discernir expressões culturais próprias da América Portuguesa ou um ideal barroco capaz de refletir a identidade cultural local. Na «Província Beneditina Brasileira» enquanto colónia, onde os retábulos de talha dourada e a imaginária eram adaptados de modelos do Reino, predominou a tradição portuguesa, sustentada pela contínua imigração de artistas e religiosos vindos do Noroeste de Portugal38 – da região Entre Douro e Minho e mais especialmente de Braga. O papel decisivo dos Abades da congregação beneditina nas encomendas e a naturalidade de muitos executantes demostram isso mesmo. O Barroco, como substrato cultural da colonização, limitou as transformações e recriações39. Será necessário esperar o século XIX para ver realmente emergir no Brasil uma cultura híbrida e a construção de uma nação plural.

Agradecimentos

Ao Doutor António Ponte, Diretor Regional de Cultura do Norte, e à Doutora Maria de Lurdes Rufino, Coordenadora do Mosteiro de São Martinho de Tibães, pela sua generosa colaboração.

38Sousa, D. Gabriel de. "Prometo passar o mar". Mensageiro de S. Bento / Singeverga 4 (1935), 97-105. 39Neves, F. "O Barroco: substrato cultural da colonização". Politeia: História e Sociedade 7 (2007), 71-84.

A Talha do Estilo Nacional em Minas Gerais:

No documento O Retábulo no Espaço Ibero-Americano (páginas 75-79)