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Imagens de São Bento retábulo-mor

No documento O Retábulo no Espaço Ibero-Americano (páginas 66-69)

transferências e assimilações

1. Imagens de São Bento retábulo-mor

Quer a igreja do Mosteiro de São Martinho em Tibães, quer a igreja do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, conheceram duas grandes campanhas ornamentais na abside, tendo sido decisiva a remodelação da capela-mor no século XVIII, pela substituição total ou parcial dos bens nela integrados. Neste espaço, a imagem de São Bento, Patriarca da Ordem, e o retábulo onde se insere, sempre ocuparam um lugar de destaque enquanto principal ponto de focagem do crente.

1.1. São Bento de Tibães

O primitivo altar-mor da igreja de Tibães, rigorosamente articulado em três andares e três tramos, testemunho de uma talha no «limiar do Barroco», com gosto estilístico nitidamente de viragem que poderíamos apelidar tanto de epimaneirista10 como de protobarroco11, foi finalizado em 1665. Registou-se nesse ano um pagamento «para os officiais do retabolo», e outro «para os Maginários» (sublinhado nosso) pela fatura das imagens com que o retábulo «se acabou»12. As quatro imagens, sobrepostas duas a duas, ocupavam os tramos laterais. Em tamanho monumental, as de São Bento (Fig. 1) e de Santa Escolástica, atribuídas por Aurélio de Oliveira [1972] ao Mestre escultor e entalhador vimaranense António de Andrade (12.1628- †1711), ocupavam o registo inferior. Com dimensões menores, as imagens de São Gregório

Magno (vide Fig.1) e de São Bernardo ocupavam o segundo registo. Pelo carácter mais 7Dias, Geraldo J. A. C. "Os Beneditinos Portugueses e a missão". Bracara Augusta 38 (1984), 111-232.

8Alves, Natália Marinho Ferreira. "De arquitecto a entalhador. Itinerário de um artista nos séculos XVII e XVIII". in I

Congresso Internacional do Barroco, Porto, 1991, 355-369.

9Oliveira, Myriam A. R. de. "Escultura no Brasil colonial". in Araújo, Manuel. O universo mágico do Barroco

brasileiro, São Paulo, 1998; Oliveira, Myriam A. R. de, Justiniano, Fátima. op. cit. Brasília, 2008.

10Por o seu figurino recorrer a colunas de fuste liso cobertas de brutesco, à escultura de vulto redondo conjuntamente

com a pintura de cavalete, para animar nichos, intercolúnios e edículas dispostos em sobreposição rígida de andares - Serrão, Vítor. Barroco. Lisboa: Editorial Presença, 2003, p. 84.

11Porquanto a manufatura do retábulo também coincide com os anos conturbados das guerras da Restauração em

Portugal (1640-1668) e antecede o aparecimento do chamado Barroco Nacional.

RETÁBULOS E IMAGENS DOS MOSTEIROS BENEDITINOS DE TIBÃES E DO RIO DE JANEIRO […]

incipiente destas últimas e pelo seu repertório formal inconfundível, Agnès Le Gac atribuiu a sua autoria a Manoel de Souza13, «imaginário» bracarense que ingressou como irmão donato na Congregação beneditina de Tibães a 3 de maio de 1676, adotando o nome de Frei Cipriano da Cruz (1645/50-†1716). Conquanto Robert Smith [1968: 41] e Aurélio de Oliveira [1972: 270-271] hajam reconhecido fortes afinidades entre as imagens de 1665 e as que Fr. Cipriano lavrou a partir de 1676, estes não lhes atribuíram a mesma paternidade. Convictos de que umas teriam servido de fonte de inspiração às outras, não equacionaram a possibilidade de que muitas das obras barrocas de Tibães pudessem corresponder a duas fases da vida do escultor: antes de 1676, enquanto jovem oficial exercendo a sua atividade secular (Manoel teria entre 15 e 20 anos em 1665), e depois de maio de 1676, enquanto converso com a maturidade de um «consumado imaginário» (tendo 26-31 anos), inteiramente dedicado ao lavor monástico até à sua morte em 1716. O conjunto foi desmantelado em 1755 e transferido na nova igreja do mosteiro beneditino de São Romão do Neiva14, sendo preservada a disposição inicial das esculturas. Em Tibães, o altar-mor foi substituído em 1758 por uma vistosa obra ao gosto rococó. Deveu-se a sua traça e efeitos luso-germânicos a André Soares da Silva (Braga, 1720- †1769), a realização da estrutura ao Mestre entalhador José Álvares de Araújo (de Braga) e a das esculturas ao então «imaginário» bracarense Jozé Villaça (1731-†1809) – que ingressou na Ordem de São Bento em Tibães, em 1761, com o nome de Frei José de Santo António Ferreira Vilaça [Smith, 1972]. A nova figuração ficou restrita a três imagens de vulto: São Bento, novamente do lado do Evangelho (Fig. 2), São Martinho Bispo (padroeiro do Mosteiro), no centro e Santa Escolástica do lado da Epístola. Além de outros elementos iconográficos, subsistem portanto de Tibães as duas imagens seis e setecentista de São Bento que, per si, oferecem valiosos elementos de comparação.

Fig. 1 - São Bento.

Imagens seiscentistas (1665) de São Bento (alt. 195 cm), do primeiro registo, e de São Gregório Magno

(alt. 171 cm), do segundo registo, do primitivo altar-mor protobarroco, na igreja do Mosteiro de São Martinho em Tibães.

(Fonte: Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, DesRRN 67558, 1967)

13Le Gac, Agnès. "Elementos para uma nova abordagem da Obra de Frei Cipriano da Cruz". in Le Gac, Agnès &

Alcoforado, Ana. Frei Cipriano da Cruz em Coimbra. Coimbra: Coimbra-Capital-Nacional-da-Cultura, 2003(a), 53-73 (vide p. 60-61).

Fig. 2 - São Bento.

Imagem setecentista (1758) do atual altar-mor rococó, na igreja do Mosteiro de São Martinho em Tibães. Alt. 198 cm.

(Direção Regional da Cultura do Norte / Mosteiro de Tibães. Fotografia de Luís Ferreira Alves, 2013)

1.2. São Bento do Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, um primeiro altar-mor foi entalhado entre 1673 e 1676 por Domingos da Silva (1643-†30.01.1718), escultor oriundo do Reino, da cidade marítima de Matosinhos, que surge já radicado no Rio de Janeiro em 1669. Retendo o seu interessante contributo como tracista e executante de retábulos e talha, este escultor também vestiu a cogula da Ordem beneditina, a 9 de abril de 1690, no próprio mosteiro carioca, com o nome de Frei Domingos da Conceição (1643-†1718)15. O programa iconográfico contou então com três imagens, até agora atribuídas a este entalhador: duas imagens monumentais de São Bento (alt. 202 cm) e

Santa Escolástica (alt. 197 cm), mais a de Nossa Senhora de Monserrate (alt. 137 cm), padroeira da igreja, para figurar na tribuna. Todas elas foram policromadas com motivos estofados sobre ouro. Deste retábulo primitivo, não subsistiu nenhum elemento estrutural. Apenas o arco cruzeiro do frontispício da capela-mor, datado de 1694, revela ainda a linguagem barroca de Estilo Nacional vigente no fim da centúria. Em madeira, o altar-mor carioca refletia de imediato, e sem sombra de dúvida, as últimas inovações artísticas oriundas da capital lusa e que irromperam por 1670 [Serrão, 2004: 85], com colunas salomónicas, remate em arquivoltas plenas, concêntricas e cortadas por aduelas, e um vocabulário ornamental já baseado nas parras, cachos de uvas, fénix e «meninos».

No novo retábulo substituído no triénio de 1792-1795 sob o governo abacial de Frei Lourenço da Expectação, da autoria do Mestre Entalhador Inácio Ferrreira Pinto (Rio de Janeiro, 1759-†1828)16, com documentação de quitação datado de 28 de novembro de 1793 [Silva-Nigra, 1950: 159], foram transferidas as esculturas existentes. Assiste-se portanto, neste caso, a uma obra híbrida, combinando uma imaginária do Barroco dito Nacional com uma talha já do Rococó final, atestando o facto de que a expressão formal dos santos não foi julgada

15Dietário, do Rio de Janeiro, Manuscrito, fl. 253; Silva-Nigra, op. cit. 1950, p. 124-125.

16Rabelo, Nancy Regina Mathias. "A originalidade da obra de Inácio Ferreira Pinto no contexto da talha carioca na

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obsoleta. A intervenção cromática realizada nas carnações, dando-lhes uma aparência fosca e uniforme, denunciava o gosto do triénio 1875-187817.

1.3. Imagens de São Bento - Comparação

Olhando para as primitivas esculturas de São Bento de Tibães e do Rio de Janeiro, ressalta a obediência à generalidade dos figurinos beneditinos seiscentistas então em voga na Metrópole e difundidos além-mar; ao ponto de algumas produções brasileiras se tornarem obras de referência, como as imagens em terracota de Fr. Agostinho da Piedade (Português, †02.04.1661) e Fr. Agostinho de Jesus (Brasileiro, †11.08.1661)18.

A frontalidade das obras em estudo e o hieratismo a ela associada, a amplitude das mangas largas animadas de formas algo ondeantes e o hábito acusando uma certa linearidade vertical (com formas tubulares mais ou menos rígidas, senão ziguezagueantes em feixe de finas pregas paralelas), lembram fortemente as obras que vários imaginários Minhotos, e Cipriano da Cruz em particular, produziram no último terço do século XVII. Porém, lembram também gravuras que já circulavam no século XVI, como as de Capriolo & Passieri estampadas em Roma em 157919, e modelos inspirados por obras do escultor de Valladolid Gregório Fernandez, produzidos por 166020. Este carácter tanto plástico como gráfico dos entalhes, herdado de modelos difundidos na Península Ibérica então unificada entre 1580 e 1640, durante o reinado dos Filipes, parece ter perdurado por muitas décadas, independentemente da zona geográfica e da época consideradas. As representações do Patriarca não deixaram portanto de se filiar num protótipo goticizante, ainda monolítico, em que predominava uma certa contenção de gestos e de sentimentos. É tanto mais verdade quanto, na atualização estética empreendida em 1758 em Tibães, a imagem de São Bento de Jozé Villaça ter retomado uma expressão formal com marcada verticalidade, além do já assinalado conjunto vibrante de linhas, sem contudo haver sido considerado arcaizante21. Talvez por esta mesma razão, e por a nova talha carioca ter sido totalmente dourada22, em vez de ter o revestimento branco e dourado próprio da época, o São

Bento de Rio de Janeiro também não pareceu destoar no seu novo contexto, apesar da decalagem temporal existente entre os próprios elementos arquitectónicos e devocionais do retábulo.

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