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Painéis em alto-relevo

No documento O Retábulo no Espaço Ibero-Americano (páginas 69-72)

transferências e assimilações

2. Painéis em alto-relevo

Os templos beneditinos de Tibães e do Rio de Janeiro possuem um conjunto de painéis em alto-relevo com figuras emblemáticas, entre Reis, Santos Padres, Doutores da Igreja, Pontífices e prelados (cardeais, bispos, abades), revestidas da cogula monacal de S. Bento.

17Esta intervenção foi eliminada em 2005 - Souza, Jorge Victor de Araújo. "A condição de «irmão converso» no Mosteiro

de S. Bento do Rio de Janeiro: o caso do escultor Fr. Domingos da Conceição". Boletim do CEIB 37 (2007), 1-6 (vide p. 4).

18Silva-Nigra, Clemente M. de. Dois escultores: Fr. Agostinho da Piedade e Fr. Agostinho de Jesus, e o arquitecto

Fr. Macário de São João. Bahia: Universidade Federal, 1971, p. 12 e 61 respetivamente.

19Capriolo, Aliprando & Passeri, Bernardino. Vita et Miracula Sanct Patris Benedict. Roma, 1579.

20Le Gac, Agnès. "Novo olhar sobre a produção de Frei Cipriano da Cruz a propósito de duas esculturas de Nossa

Senhora da Conceição". Artis 9/10 (2011), 309-358 (vide p. 327).

21Fora a carnação mate, as proporções mais alongadas do nariz e os olhos amendoados do santo sugerem, sim, outro

gosto; mas tão singular na própria zona de Braga que não se lhe conhecem seguidores.

2.1. Painéis de Tibães

Em Tibães, o conjunto comporta vinte painéis que figuram nos espaldares do coro alto da igreja. Foram produzidos entre março de 1666 e março de 166823, sendo Geral Fr. Bento da Gloria. Sabe-se, tanto pelo Tombo dos arquivos monásticos [Paulo Oliveira, 2014: 181] como por um letreiro original, ainda existente no coro alto de Tibães em 1972 [Aurélio de Oliveira, 1972: 280], que a execução dos painéis se baseou nas obras de «Tritémio, Amoldo, Yepes, Ilhescas, Alonso (sic) de Sancto Victore, Bucelino24e Frei Leão de São Thomas25». Deveram- se estes espaldares a um certo «Souza»26, apelido que Robert Smith não deixou de registar [Smith, Cadeirais, 1968: 21] e no qual Aurélio de Oliveira pensou reconhecer a identidade do Mestre Bento de Sousa, que trabalhou no douramento da tribuna da igreja, ca. de 172427. Na evolução do conhecimento entretanto tido sobre os ofícios exercidos pelos artesãos [Alves, 1991], ficou claramente estabelecido que estes podiam, além do cumprimento de tarefas específicas na qualidade de «entalhadores», «escultores», «imaginários», «torneiros» ou «ensambladores», ser também polivalentes e até «desenhadores de risco». Contudo, nunca poderiam praticar a arte de dourar e pintar, reservada, nas policromias, aos pintores ditos «de tempera»28. Com base nas características morfológicas das personagens entalhadas nos ditos painéis, identificou-se novamente, neste nome de «Souza», o imaginário e ensamblador bracarense Manoel de Souza, no século [Le Gac, 2003(a): 63-65], posteriormente conhecido pelo nome de Frei Cipriano da Cruz, na Religião [Smith, 1968]. O carácter algo ingénuo destas figurações - tal como o das imagens do segundo registo do primitivo retábulo-mor de Tibães - interessa-nos especialmente aqui, no que se poderia então atribuir à juventude do seu autor, mas que se deveu em boa medida à «falta de uma escola que lhe tivesse ensinado o perfeito delineamento dos corpos», perante as recorrentes limitações na representação anatómica que patenteia toda a produção do artista freirático [Aurélio de Oliveira, 1972: 302]. Importa pois reconhecer a importância e o peso, dentro da própria casa-mãe da Ordem beneditina, da qual deveriam irradiar as últimas tendências artísticas, que teve, neste caso, a aprendizagem

provinciana do escultor, na qualidade geral das suas obras e na sua limitada capacidade de assimilação de novas linguagens formais. A obra de douramento e policromia dos painéis foi concluída em 1706, a mando de Fr. Pedro da Ascensão durante o seu generalato (1704-1706),

23A.D.B., Conv. e Most., C.S.B., Tibães, Livro das Obras n.º 459, fls. 35v-42v; Oliveira, Aureliano de, 1972: nota 57;

Oliveira, Paulo. "O coro alto da igreja do mosteiro de Tibães". Mínia 13 (2014), 177-191.

24Bucelin, Gabriel. Menologium Benedictum Sanctorum, Beatorum atque illustrium ejusdem ordinis virorum elogiis

illustratum…Veldkirchii: apud Henricum Bilium, 1655.

25São Thomas, Fr. Leão de. Benedicta Lusitana: Dedicada ao grande Patriarcha de S. Bento. Em Coimbra: na Officina

de Diogo Gomes de Loureiro Typographo da Universidade, 1644-[1651].

26A.D.B., Conv. e Most., C.S.B., Tibães, Livro das Obras, n.º 459, fl. 42v. 27A.D.B., Conv. e Most., CSB., Tibães, Livro das Obras, n.º 460, fls. s/n.

28Em oposição aos pintores ditos «de óleo» - Le Gac, Agnès. "A importância do pintor na Obra de Frei Cipriano da

Cruz". in Le Gac, Agnès & Alcoforado, Ana. Frei Cipriano da Cruz em Coimbra. Coimbra: Coimbra-Capital-Nacional-da- Cultura, 2003(b), 95-120. A situação era semelhante no Brasil colonial - Vide: Martins, Judith. Artistas e artífices dos séculos

XVII, XVIII e XIX no Rio de Janeiro. Copia dactilografada (ca. 1970). Arquivo Noronha Santos, IPHAN, Rio de Janeiro; Bonnet, Márcia C. Leão. Entre o artíficio e a arte: pintores e entalhadores no Rio de Janeiro setecentista. Rio de Janeiro: Arquivo Geral da Cidade, 2009.

RETÁBULOS E IMAGENS DOS MOSTEIROS BENEDITINOS DE TIBÃES E DO RIO DE JANEIRO […]

conforme consta no Livro do Depósito deste período29, na Chronica de Ascensão30, e no próprio lintel da porta de entrada do coro: «Dourouse no Anno de Mil 706» [Aurélio de Oliveira, 1972: 272].

2.2. Painéis do Rio de Janeiro

Para a nave da igreja do mosteiro do Rio de Janeiro, foram entalhados trinta painéis em alto-relevo – doze dos quais com santos relacionados com a Ordem beneditina –, com base em «hum rescunho de toda a obra de talha da igreja»; um arrojado projeto decorativo delineado ca. de 1670, pelo já referido Domingo da Silva (1643-†1718). Alega Silva-Nigra [1950: 167-168] que a representação das doze efígies dos santos se deveria basear, ou na gravura da Árvore da

familia Benedictina composta e «imprimida em huma folha» pelo Abade Geral Dr. Fr. Pedro de Souza, ou na obra realizada a partir desta gravura pelo «insigne Pintor» Fr. Ricardo do Pilar, no triénio de 1669-167331. Entre vários trabalhos de talha, a feitura do conjunto dos painéis foi entregue por contrato, a 27 de julho de 1717, ao Mestre escultor Alexandre Machado Pereira (ativo no mosteiro antes de 1717 e ainda em 1721). Havia de ser auxiliado por um ou mais «oficiais entalhadores» [Dietário, do Rio, Ms, fl. 66], posteriormente identificados no Dietário [fl. 77] como tendo sido os «Mestres imaginários» Jozé da Conceição (supostamente brasileiro e homem de cor, falecido em 1755) e Simão da Cunha (natural de Braga, «ainda vivo em 1773») a quem se deveram «todas as imagens do Corpo da igreja». Assinando estes dois mestres um novo contrato de parceria em 1734 [Silva-Nigra, 1950, doc. 47, 94*], para outras obras a realizar no templo, entende-se que, na altura, o conjunto dos painéis estaria já terminado [Silva-Nigra, 1950, 147]. A obediência ao programa inicial, no Rio de Janeiro, explica a grande coerência do conjunto decorativo da nave. Contudo, seja entre os dezoito elementos aplicados em pilastras da nave, onde abundam imponentes enrolamentos acantiformes no meio dos quais surge sempre um menino rechonchudo, seja nos doze painéis figurativos, distinguem-se algumas variantes estilísticas. São estas sobretudo perceptíveis nas doze efígies dos santos em que umas são mais geometrizadas, algo simplificadas e evidenciando maior estatismo, comparativamente a outras onde se afirma uma sinuosidade mais rebuscada, aparentemente aderindo a um gosto posterior. Dever-se-ão estas diferenças à evolução da gramática formal e à sua progressiva assimilação durante os largos anos que durou a produção? Ou, como se verifica em Tibães quando se trata de obras coetâneas, simplesmente ao maior ou menor domínio dos escultores contratados em regime de parceria, detentores de uma linguagem plástica totalmente alheia às novas tendências? O facto de não ser possível destrinçar no conjunto carioca qual a exata contribuição de cada um dos três escultores envolvidos entre 1717 e cerca de 1734, limita o juízo crítico quanto à sua herança e capacidade individual em interpretar um modelo já de si arcaizante, numa fase marcada na Metrópole pelo surgimento e a afirmação do Estilo Joanino, cerca de 1725. A adesão ao novo gosto não é franca. Afinal de contas, nem os painéis de Tibães, nem os do Rio de Janeiro, se afastaram do ideário religioso que defendia e promovia a Ordem através deste programa imagético. Antes da dimensão artística, sempre prevaleceram as dimensões devocional e referencial; dimensões essas que Tibães, como centro difusor de espiritualidade, 29«dourar e estofar as imagens de mejo Relevo Com toda aguarnição q Ladeya todo o Coro», A.D.B., Conv. e Most.,

CSB., Tibães, Livro do Depósito, n.º 577, fl. 340.

30Ascensão, Marceliano de. Chronica do Antigo, Real e Palatino Mosteiro de São Martinho de Tibaens desde a sua

primeira fundação athe ao prezente. [Manuscrito] Mosteiro de São Martinho de Tibães, 1745. Arquivo do Mosteiro de Singeverga, Santo Tirso, fls. 505-506; Oliveira, Paulo. op. cit., 2014, p. 184.

mas também com poder de afirmação política, impôs, sem qualquer renovação, às suas comunidades em Portugal e na colónia.

No documento O Retábulo no Espaço Ibero-Americano (páginas 69-72)