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Grupos focais: uma proposta para a construção intersubjetiva do conhecimento

5.2 O campo: desenvolvimento dos procedimentos da coleta de dados

5.2.4 Grupos focais: uma proposta para a construção intersubjetiva do conhecimento

Em vários momentos deste estudo, salientamos sobre os problemas decorrentes da tendência cientificista que tem acompanhado a organização dos serviços extra-hospitalares no que diz respeito, sobretudo, à operação ideológica de hierarquização entre as práticas terapêuticas privilegiando as que seguem modelo e tecnologia apoiados nas ciências médicas positivas, com desvalorização de práticas fundamentadas em outras abordagens, como as psicossociais.

Da mesma forma, criticamos o cientificismo, principalmente a partir da escolha do referencial teórico que optamos, por meio do qual discutimos, à luz das análises filosóficas habermasianas, o valor da construção de projetos e planos de ação sociais apoiados em consenso normativo, dialógicamente instaurados, por meio de uma simetria comunicativa e igualdade de chances entre os participantes. Também, em nossa metodologia realçamos o valor da intersubjetividade na construção do conhecimento diante de uma prática científica monológica, que se pretende imediatamente objetivada por meio de técnicas autolegitimáveis.

Onocko-Campos e Furtado (2006) propõem uma metodologia para avaliação de CAPS baseada em pesquisa avaliativa participativa, segundo abordagem qualitativa, na qual pesquisadores e pesquisados cooperam em todos os processos da avaliação, pesquisa e construção do conhecimento.

Segundo esses autores, processos positivistas de construção de conhecimento originam-se em uma ontologia realista que pressupõe uma realidade independente do observador e regida por leis naturais, fundamentada em uma epistemologia dualista que fragmenta sujeito e objeto e em uma metodologia que busca uma essência no objeto. Em um paradigma construtivista interpretativo, paradigma defendido pelos autores, a perspectiva ontológica considera a existência de múltiplas realidades socialmente construídas, destacadas do regimento de leis naturais. Segundo metodologia hermenêutica, as verdades em ciências são construídas por meio de consensos, em um processo de interação intersubjetiva.

Acresce-se que, de acordo com a metodologia proposta, a pesquisa avaliativa participativa apresenta vantagens inquestionáveis por propiciar a inclusão de vários pontos de vista e mais discussão, fomentar a discussão, viabilizando e ampliando a utilização dos resultados da avaliação. Além disso, permite a inclusão do elemento político no processo de construção do conhecimento e apropriação do conhecimento pelos trabalhadores, otimizando a oferta terapêutica aos usuários.

Quando entramos em contato com as gerentes dos serviços estudados para lhes explicar o projeto de pesquisa, elas foram unânimes ao nos informarem sobre o esgotamento das equipes com pesquisas científicas realizadas nesses locais. Segundo elas, os profissionais “estavam escaldados” com a vinda dos pesquisadores, com seus questionários, com os sorrisos simpáticos, o humilde agradecimento após cada entrevista concedida e, sobretudo, com o fato de desaparecem após estes encontros, de forma que profissionais desconhecessem os resultados do estudo para o qual, gentil e anonimamente, haviam contribuído.

Cientes disso, apesar de que havíamos proposto anteriormente que a devolutiva poderia ser na reunião de equipe por meio de uma exposição dos resultados, revimos essa

postura e avaliamos que a realização do grupo focal cumpriria papel essencial para inclusão dos profissionais no processo de construção do conhecimento, o que poderia, inclusive, contribuir com o serviço na elaboração de propostas de seu projeto terapêutico.

A partir de leitura intensiva e da análise das entrevistas alguns temas foram propostos. A seguir realizamos o grupo focal nos respectivos locais de trabalho, na presença dos profissionais responsáveis pela assistência direta ao usuário.

A utilização de grupos focais para coleta de dados em pesquisa científica nas ciências sociais e humanas tem sido apontada por alguns autores (TANAKA; MELLO, 2004; GATTI, 2005) como técnica indicada, preferencialmente, para situações de geração de teorizações do que para verificação ou para teste de hipóteses prévias, como foi proposto no nosso estudo. Entretanto, Gatti (2005) não exclui esse último uso e afirma que, quando se utiliza grupo focal para fins de verificação de idéias prévias, frequentemente, o pesquisador surpreende-se com a densidade do material que pode extrapolar hipóteses iniciais e gerar novas e interessantes categorias de entendimento bem como possibilitar novas inferências relacionadas com o problema em exame.

Atualmente, os grupos focais têm se mostrado muito úteis para o aprofundamento de análises que enfocam valores sociais e culturais, normas, aspectos morais, crenças, imagens, idealizações, mitos, entre outros, permitindo também compreender, em um estudo determinado, por que certo ponto de vista torna-se preponderante em relação a outros e quais fatores se relacionam a isso. Além disso, essa técnica permite o acesso às trocas simbólicas em determinado grupo social, maior interação entre seus membros, situações de consensos, dissensos entre os participantes e, ainda possibilita descobrir “não somente no que pensam e expressam, mas também em como elas pensam e porque pensam o que pensam” (GATTI, 2005, p. 9)

Diante dessa discussão, a partir de uma pré-análise das entrevistas e mediante a proposição de temas emergentes e consensuais nos discursos contidos nas narrativas dos sujeitos, realizamos dois grupos focais - um em cada serviço pesquisado com a participação dos entrevistados e outros profissionais, os quais se dispuseram a participar do grupo. Da mesma forma, acreditamos ter alcançado um aprofundamento dos elementos de análise e de dados correspondentes àqueles que buscamos nesta pesquisa. Em outras palavras, pudemos gerar uma via de acesso às trocas simbólicas e promover interação entre as equipes dos serviços extra-hospitalares de saúde mental, facilitando o entendimento da razão pelas quais determinadas opções terapêuticas tornam-se preponderantes em relação a outras e a

compreensão de como pensam as pessoas e porque assim o fazem. Acreditamos que todos esses aspectos possam enriquecer os dados colhidos por meio das entrevistas.

Acreditamos ainda que essa proposta tenha representado avanços, pois veio ao encontro de nosso anseio por desenvolver pesquisa científica, apoiada em metodologia que privilegia as produções dialógicamente construídas, no encontro humano das intersubjetividades e de seus horizontes culturais.

Após uma primeira análise das entrevistas foram retirados alguns eixos temáticos que foram selecionados como disparadores da discussão nos grupos focais.

Os grupos focais foram realizados em maio de 2009, um em cada serviço, e agendados de acordo com a disponibilidade das equipes. Deles participaram dezenove sujeitos que se distribuíram da seguinte forma: dois auxiliares de enfermagem, três enfermeiras, quatro psiquiatras, três psicólogas, duas terapeutas ocupacionais três assistentes sociais e dois gerentes. Importante informar que algumas pessoas dos grupos focais não participaram das entrevistas (foram contratados no período entre a realização das entrevistas e os grupos focais), e que alguns participantes da entrevista não participaram dos grupos focais, pois não se encontravam no trabalho no dia em que a atividade foi realizada (férias, ou turno de trabalho diferente da hora de realização do grupo). Entretanto, a maioria dos participantes dos grupos focais foi constituída por participantes das entrevistas.

No início de cada grupo focal, relembrávamos a solicitação feita pelos profissionais sobre a apresentação dos resultados da investigação e, em seguida, apresentávamos a opção pelo grupo focal enquanto uma oportunidade para a devolução do que havia emergido da análise das entrevistas. Além disso, informávamos aos participantes sobre um novo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice II) elaborado para esse fim. Todos o leram e o assinaram.

Após essa introdução, apresentávamos, sumariamente, a história dos serviços extra- hospitalares de saúde mental, o referencial teórico adotado na pesquisa e os eixos temáticos selecionados. Em seguida, iniciávamos a discussão no grupo focal, coordenado pela pesquisadora com a colaboração de uma observadora responsável por registrar as falas, também gravadas em fita cassete, com o consentimento dos integrantes. Para tanto, utilizávamos dois gravadores dispostos em diferentes locais da sala. A transcrição das fitas foi realizada pela pesquisadora.

Durante a discussão os participantes construíam a alguns consensos sobre os temas apresentados e, ao final esboçavam uma análise do trabalho que realizavam. Também, se propuseram a dar continuidade às discussões em fóruns posteriores, destacando os problemas

apontados com referência aos eixos temáticos apresentados. Esta faceta será abordada e desenvolvida em capítulo pertinente à análise e discussão dos dados.